Processo Tributário Analítico

O depósito judicial no processo tributário e o Tema 677 do STJ

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  • é procurador do estado de São Paulo doutor e mestre em Direito pela PUC-SP especialista em Direito Tributário pela PUC-SP e em Direito do Estado pela Espge-SP professor no curso de pós-graduação de Direito Tributário e de Extensão do Processo Tributário Analítico no Ibet professor de Direito Tributário na Espge-SP e pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

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14 de outubro de 2024, 12h18

A alteração da tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça para o Tema 677 tem gerado ruídos no âmbito do processo tributário, uma vez que dispõe sobre a interpretação dos efeitos do depósito e a responsabilidade do devedor depositante pelos consectários legais decorrentes da mora.

A tese foi fixada pela Corte Especial no Recurso Especial nº 1.820.963/SP, julgado em 19 de outubro de 2022 [1], e, por se tratar de um precedente vinculante formado pelo órgão máximo da referida Corte Superior, há quem advogue que sua aplicação abrangeria todos os casos em que há execução ou cumprimento de sentença garantidos por depósito judicial, seja ele espontâneo ou não.

Desfazer esse equívoco no que toca ao depósito do crédito tributário é a intenção deste artigo, quando se demonstrará que as nuances e especificidades do direito material e processual tributário impõem solução diversa se o depósito ocorrer em execução fiscal ou processo antiexacional de natureza declaratória ou anulatória.

Vejamos a interpretação vigente para o Tema 677: “Na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial”. [2]

O entendimento anterior para a questão tratada no referido tema era: “na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada“. Impõe destacar, como bem apontado pela ministra Nancy Andrighi, relatora do leading case em que se deu a revisão da tese do Tema 677, que a questão em debate naquela ocasião era a responsabilidade da instituição financeira pela remuneração da conta judicial em que se deu o depósito e não a definição dos efeitos do depósito sobre a mora do devedor.[3]

Entretanto, a redação da tese outrora adotada para o Tema 677 acabou impactando esta questão e, portanto, demandando a fixação de entendimento específico a respeito dos efeitos do depósito sobre a mora, o que culminou com a revisão da tese, nos termos indicados anteriormente.

Suspensão da exigibilidade do crédito tributário

Diante desse quadro, é preciso analisar sua aplicação no âmbito tributário, onde o entendimento sempre foi no sentido de que o depósito, desde que integral, na forma do artigo 151, inciso II, do Código Tributário Nacional, suspende a exigibilidade do crédito tributário e, por injunção do disposto no artigo 9º, §4º, da Lei de Execuções Fiscais [4], faz cessar a responsabilidade pela atualização monetária e pelos juros de mora desde o momento em que realizado.

Efetuado o depósito no âmbito do processo tributário, constata-se, por exemplo, que ele, sendo integral e em dinheiro como exigido pela Súmula 112 do STJ [5], ao suspender a exigibilidade do crédito tributário afasta também, dali em diante, o próprio estado de mora do devedor, pois, se efetuado antes do vencimento, impede a cobrança, não só de juros e correção, como também da multa moratória, que sequer encontra suporte fático para incidir.

Em suma, no âmbito tributário, o depósito, judicial ou administrativo, desde que integral e em dinheiro, tem a eficácia de suspender a exigibilidade do crédito tributário com o plus de inibir a incidência das regras atinentes a todos os consectários legais decorrentes da mora, inclusive da multa moratória.

Destaca-se, então, que, nesta seara (do direito tributário), ele (o depósito do montante integral) mesmo não sendo sucedâneo de pagamento, o que se constata facilmente em razão da extinção do crédito dar-se apenas com a sua conversão em renda do ente tributante, tem o condão de afastar o estado de mora do devedor depositante.

E isso não pode e não deve mudar em razão da interpretação que redundou na revisão da tese do Tema 677, justamente porque a sua fixação partiu de um caso concreto de cumprimento de sentença de débito não tributário, o que afastou da discussão os dispositivos legais acima referidos, que pertencem a diplomas legais de exclusiva aplicação à cobrança de créditos tributários.

Ou seja, a questão jurídica atinente aos efeitos do depósito do valor devido sobre a mora de créditos privados traz à baila dispositivos pertinentes ao tema localizados no Código Civil e no Código de Processo Civil, enquanto aos débitos tributários aplica-se o Código Tributário Nacional, a Lei de Execuções Fiscais e, apenas subsidiariamente, o Código de Processo Civil.

Precedentes vinculantes

Não é demais lembrar que convocar precedentes vinculantes para resolver casos exige uma metodologia diversa da aplicação de texto legal. Para a “aplicação” do precedente, faz-se necessária uma análise analógico-problemática para que se identifique se a questão posta em julgamento no processo é similar àquela que deu ensejo ao entendimento firmado no processo paradigma.

Somente se positiva a resposta no sentido de que as questões se identificam, notadamente que as especificidades do caso em julgamento são colaterais e, portanto, não ensejam a distinção em relação à questão controvertida objeto do precedente cuja aplicação se pretende, é que será o caso de convocá-lo, cabendo destacar que disso não pode fugir o juiz quando em causa estiverem precedentes qualificados como vinculantes.

Retornando à questão atinente aos efeitos do depósito sobre a mora de créditos tributários, vê-se que o contexto legislativo objeto do recurso afasta totalmente a aplicação do precedente formado a partir de um caso concreto que tratava de crédito privado, o que, por si, basta para que se decrete que a tese firmada no Tema 677 não se aplica aos depósitos feitos no âmbito dos processos tributários, exacionais ou antiexacionais.

Sendo assim, embora seja tentador para os entes tributantes defender a aplicação do Tema 677 aos processos tributários garantidos por depósito, uma vez que os consectários decorrentes da mora seguiriam incidindo, não é essa a melhor solução, haja vista as nuances legislativas envolvidas e não discutidas no caso paradigma, de maneira que assoma mais razoável seguir atribuindo ao depósito do crédito tributário, desde que integral e em dinheiro, a eficácia de afastar, desde o momento em que efetuado nos autos judiciais ou administrativos, os efeitos decorrentes da mora. [6]

 


[1] DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RECURSO ESPECIAL. PROCEDIMENTO DE REVISÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO TEMA 677/STJ. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA DE ATIVOS FINANCEIROS. DEPÓSITO JUDICIAL. ENCARGOS MORATÓRIOS PREVISTOS NO TÍTULO EXECUTIVO. INCIDÊNCIA ATÉ A EFETIVA DISPONIBILIZAÇÃO DA QUANTIA EM FAVOR DO CREDOR. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. NATUREZA E FINALIDADE DISTINTAS DOS JUROS REMUNERATÓRIOS E DOS JUROS MORATÓRIOS. NOVA REDAÇÃO DO ENUNCIADO DO TEMA 677/STJ.

  1. Cuida-se, na origem, de ação de indenização, em fase de cumprimento de sentença, no bojo do qual houve a penhora online de ativos financeiros pertencentes ao devedor, posteriormente transferidos a conta bancária vinculada ao juízo da execução.
  2. O propósito do recurso especial é dizer se o depósito judicial em garantia do Juízo libera o devedor do pagamento dos encargos moratórios previstos no título executivo, ante o dever da instituição financeira depositária de arcar com correção monetária e juros remuneratórios sobre a quantia depositada.
  3. Em questão de ordem, a Corte Especial do STJ acolheu proposta de instauração, nos presentes autos, de procedimento de revisão do entendimento firmado no Tema 677/STJ, haja vista a existência de divergência interna no âmbito do Tribunal quanto à interpretação e alcance da tese, assim redigida: “na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada”.
  4. Nos termos dos arts. 394 e 395 do Código Civil, considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento na forma e tempos devidos, hipótese em que deverá responder pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros e atualização dos valores monetários, além de honorários de advogado. A mora persiste até que seja purgada pelo devedor, mediante o efetivo oferecimento ao credor da prestação devida, acrescida dos respectivos consectários (art. 401, I, do CC/02).
  5. A purga da mora, na obrigação de pagar quantia certa, assim como ocorre no adimplemento voluntário desse tipo de prestação, não se consuma com a simples perda da posse do valor pelo devedor; é necessário, deveras, que ocorra a entrega da soma de valor ao credor, ou, ao menos, a entrada da quantia na sua esfera de disponibilidade.
  6. No plano processual, o Código de Processo Civil de 2015, ao dispor sobre o cumprimento forçado da obrigação, é expresso no sentido de que a satisfação do crédito se dá pela entrega do dinheiro ao credor, ressalvada a possibilidade de adjudicação dos bens penhorados, nos termos do art. 904, I, do CPC.
  7. Ainda, o CPC expressamente vincula a declaração de quitação da quantia paga ao momento do recebimento do mandado de levantamento pela parte exequente, ou, alternativamente, pela transferência eletrônica dos valores (art. 906).
  8. Dessa maneira, considerando que o depósito judicial em garantia do Juízo – seja efetuado por iniciativa do devedor, seja decorrente de penhora de ativos financeiros – não implica imediata entrega do dinheiro ao credor, tampouco enseja quitação, não se opera a cessação da mora do devedor. Consequentemente, contra ele continuarão a correr os encargos previstos no título executivo, até que haja efetiva liberação em favor do credor.
  9. No momento imediatamente anterior à expedição do mandado ou à transferência eletrônica, o saldo da conta bancária judicial em que depositados os valores, já acrescidos da correção monetária e dos juros remuneratórios a cargo da instituição financeira depositária, deve ser deduzido do montante devido pelo devedor, como forma de evitar o enriquecimento sem causa do credor.
  10. Não caracteriza bis in idem o pagamento cumulativo dos juros remuneratórios, por parte do Banco depositário, e dos juros moratórios, a cargo do devedor, haja vista que são diversas a natureza e finalidade dessas duas espécies de juros.
  11. O Tema 677/STJ passa a ter a seguinte redação: “na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial”.
  12. Hipótese concreta dos autos em que o montante devido deve ser calculado com a incidência dos juros de mora previstos na sentença transitada em julgado, até o efetivo pagamento da credora, deduzido o saldo do depósito judicial e seus acréscimos pagos pelo Banco depositário.
  13. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp n. 1.820.963/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 19/10/2022, DJe de 16/12/2022.)

[2] Disponível em <https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp> pesquisa feita em 30/092024.

[3] “2. Do exame dos precedentes colacionados no voto condutor do respectivo acórdão, é possível depreender que, à época, a tese fixada teve como enfoque a responsabilidade da instituição financeira depositária pela remuneração do depósito judicial.

(…)
“Destarte, em que pese tenha constado, na redação final do Tema, a referência expressa à extinção da obrigação do devedor por causa do depósito judicial, observa-se que, àquela ocasião, a Corte Especial não se debruçou, pontualmente, acerca do efeito do depósito sobre a mora do devedor, isto é, sobre a sua liberação quanto ao pagamento dos consectários decorrentes do retardamento no adimplemento da obrigação. Houve, é verdade, a transcrição, no bojo do voto, de ementas de dois julgados a respeito da questão (REsp’s n. 783.596/RJ e n. 1.107.447/PR), porém sem o enfrentamento dos fundamentos relevantes acerca da tese.” – Inteiro teor do voto disponível em <https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=128225866&num_registro=201901714955&data=20221216&tipo=91&formato=PDF> acesso em 30/09/2024.

[4] Art. 9º – Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá:

(…)

§ 4º – Somente o depósito em dinheiro, na forma do artigo 32, faz cessar a responsabilidade pela atualização monetária e juros de mora.

[5] Súmula 112 do STJ: “O depósito somente suspende a exigibilidade do crédito tributário se for integral e em dinheiro”

[6] A respeito desse assunto vale a leitura de outro artigo também contido nesta Coluna:

https://www.conjur.com.br/2024-jun-02/deposito-integral-no-processo-tributario-inexigibilidade-dos-encargos/

Autores

  • é doutor e mestre em Direito pela PUC-SP, especialista em Direito Tributário pela PUC-SP e em Direito do Estado pela ESPGE-SP, professor de Direito Tributário e Processo Tributário no Ibet-SP e na ESPGE-SP, procurador do estado de São Paulo e pesquisador do Grupo de Estudos em Processo Tributário Analítico do Ibet-SP.

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