Opinião

O reconhecimento da natureza de ação do IDPJ e suas projeções no processo

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12 de outubro de 2024, 7h13

Conforme preceituado pelo artigo 85 do Código de Processo Civil, a condenação da parte vencida ao pagamento de honorários ao advogado do vencedor ocorrerá por meio da sentença. Excluída, portanto, a decisão interlocutória, consolidou-se no Superior Tribunal de Justiça (STJ) o posicionamento de que não seria cabível a condenação em honorários advocatícios no âmbito dos incidentes processuais, sob a justificativa de ausência de previsão normativa para tanto ¹.

Em face desse critério geral, havia dúvida sobre como enquadrar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ), cuja natureza deu causa a relevante divergência doutrinária, voltada a determinar se ele seria mesmo incidente ou, na realidade, ação que tramita de forma incidental. Filiam-se os autores à segunda corrente, adotando o entendimento de que a desconsideração da personalidade jurídica é instrumentalizada por meio do exercício do direito de ação, não obstante sua tramitação incidental ².

Afinal, a despeito da terminologia escolhida pelo legislador, fato é que o IDPJ engloba todos os três elementos caracterizadores de uma demanda autônoma, quais sejam: partes próprias, causa de pedir e pedido diverso daquele formulado na ação a ele subjacente.

Como corolário lógico dessa compreensão, entendem os autores que o STJ, até agosto de 2023, assumia posição equivocada ao considerar inadmissível a condenação em honorários advocatícios no bojo do IDPJ, pois isto significa reduzi-lo a mero incidente, com prevalecimento da forma (tramitação incidental) sobre o conteúdo (demanda autônoma).

Entretanto, em recente modificação de entendimento sobre o tema, a 3ª Turma desafiou a jurisprudência que até então parecia dominante na corte e admitiu, no julgamento do REsp 1.925.959/SP ³, a fixação de honorários sucumbenciais em IDPJ, reconhecendo sua natureza de ação e corrigindo a, no nosso modo de ver errônea, percepção de que se trataria de mero incidente.

As consequências do entendimento

Embora tal posicionamento não fosse completamente inédito, ao menos não quando são analisados julgados anteriores oriundos de tribunais estaduais 4, o julgado em comento é um passo significativo na direção da uniformização desse acertado entendimento, uma vez que foi proferido por tribunal superior cuja função precípua é, justamente, a de uniformização da jurisprudência.

Spacca

Contudo, é preciso ter em mente que, assumida a premissa de que o IDPJ possui natureza de ação, a possibilidade de arbitramento de honorários de sucumbência, recentemente admitida pelo STJ, é apenas uma das diversas consequências lógicas que daí decorrem. Portanto, revela-se pertinente abordar outras possíveis implicações dessa decisão, comuns ao pressuposto de que o IDPJ não constitua mero incidente.

Se cabível a fixação de sucumbência, pondera-se sobre a eventual exigência do pagamento de custas processuais no âmbito do IDPJ, o que seguramente acresceria os riscos econômicos decorrentes de sua instauração. Destaca-se, ainda, que a exigência do pagamento de custas iniciais estaria diretamente ligada à necessidade de se atribuir de valor de causa ao IDPJ – indispensável sob a perspectiva de que sua natureza seja de ação, à luz dos requisitos da petição inicial (artigo 319, V do CPC).

Ademais, cabe considerar possíveis alterações referentes ao momento para instauração do IDPJ, que se considerado ação, poderia estar sujeito a prazo prescricional ou decadencial próprio, não mais podendo ser realizado a qualquer tempo. Em que pese se tratar de debate previamente existente, com entendimento sendo pelo caráter potestativo da desconsideração e inexistência de prazo decadencial 5, a discussão pode ganhar ainda mais camadas se levado em conta o caráter de ação do IDPJ, prestigiando-se o instituto de maneira autônoma para todos os pressupostos, fins e consequências.

Impossibilidade de desistência

Outra repercussão que decorreria da natureza de ação do IDPJ seria a impossibilidade de desistência, sem anuência do requerido, após a apresentação de defesa (artigo 485, § 4º do CPC). Nesse cenário, ao efetuar análise econômica prévia à sua instauração, caberá ao advogado considerar não apenas a definição dos riscos financeiros ao momento final do processo (sob a perspectiva dos honorários sucumbenciais), mas também ao encerramento da fase postulatória, na medida em que não mais poderá desistir do IDPJ sem a aquiescência da contraparte.

É certo que o recente precedente do STJ não é vinculante e ainda é objeto de controvérsia: houve, inclusive, a oposição de embargos de divergência no feito sob comento, admitidos pelo ministro Antônio Carlos Ferreira e pendentes de julgamento. Assim, não se pode afirmar que tenha havido adesão generalizada à tese de que o IDPJ seja ação incidental – embora esta, conforme já mencionado, nos pareça mesmo a tese mais correta.

Até porque, para além do preenchimento dos elementos caracterizadores da demanda (fundamento jurídico), há também uma questão de ordem econômica: o exercício da advocacia nos processos de IDPJ costuma ser de elevada complexidade, visto que as discussões sobre fraude e abuso da personalidade jurídica são amplas e frequentemente desafiadoras, envolvendo estruturas de grupos econômicos e alegadas estruturas sofisticadas de blindagem patrimonial. Ademais, não há dúvidas de que exista pretensão resistida em seu âmbito, não podendo ser ignorada a extensão do benefício econômico gerado ao cliente com a improcedência do pedido.

Implicações exigem cautela

Esses aspectos tornam mais que justificável, no nosso sentir, a existência de sucumbência, que nada mais é que a retribuição pecuniária pelo resultado alcançado decorrente do trabalho desempenhado pelo advogado da parte vencedora. Ambos os elementos, trabalho e resultado, se colocam de forma marcante em discussões sobre desconsideração, nas quais, não raras vezes, o tema da extensão da responsabilidade patrimonial adquire maior relevo prático – do ponto de vista da solvabilidade dos agentes envolvidos – até que a discussão havida na causa subjacente.

Em conclusão, o recente entendimento do STJ sobre a possibilidade de fixação de honorários sucumbenciais no IDPJ, ao reconhecer sua natureza de ação, trouxe à tona diversas implicações que exigem cautela, como a possibilidade de atribuição de valor de causa, pagamento de custas processuais, a possível vinculação do IDPJ a prazos prescricionais ou decadenciais, dentre possíveis outras consequências. Assim, é fundamental que o advogado considere esses fatores ao recomendar a instauração do IDPJ, visando resguardar tanto seus interesses quanto os de seus clientes.

 


1 STJ, AgInt no REsp 1.834.210/SP, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª T., j. 12/11/2019; STJ, REsp 1.845.536/SC, Rela. Mina. Nancy Andrighi, 3ª T., j. 26/5/2020; STJ, AgInt no REsp 1.838.933/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, 3ª T., j. 11/5/2020.

2 “A desconsideração da personalidade jurídica se dá por ação. É indiferente que o CPC/2015 lhe atribua a terminologia de ‘incidente’. Por suas características, parece inegável que é ação incidental – e não mero ‘incidente’” (CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; CABRAL, Antonio do Passo e CRAMER, Ronaldo (Coords.). Comentários ao novo código de processo civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense e gen., 2016, p. 235). No mesmo sentido: YARSHELL, Flávio Luiz. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica no CPC 2015: aplicação e outras formas de extensão da responsabilidade patrimonial. In Processo societário II. YARSHELL, Flávio Luiz; PEREIRA, Guilherme Setoguti Julio (coords.). São Paulo: Quartier Latin, 2015, pp. 217-218.

com prevalecimento da forma (tramitação incidental) sobre o conteúdo (demanda autônoma). Entretanto, em recente modificação de entendimento sobre o tema, a 3ª Turma desafiou a jurisprudência que até então parecia dominante na Corte e admitiu, no julgamento do REsp 1.925.959/SP5, a fixação de honorários sucumbenciais em IDPJ, reconhecendo sua natureza de ação e corrigindo a, no nosso modo de ver errônea, percepção de que se trataria de mero incidente.

Embora tal posicionamento não fosse completamente inédito, ao menos não quando são analisados julgados anteriores oriundos de Tribunais Estaduais6, o julgado em comento é um passo significativo na direção da uniformização desse acertado entendimento, uma vez que foi proferido por Tribunal Superior cuja função precípua é, justamente, a de uniformização da jurisprudência.

Contudo, é preciso ter em mente que, assumida a premissa de que o IDPJ possui natureza de ação, a possibilidade de arbitramento de honorários de sucumbência, recentemente admitida pelo STJ, é apenas uma das diversas consequências lógicas que daí decorrem. Portanto, revela-se pertinente abordar outras possíveis implicações dessa decisão, comuns ao pressuposto de que o IDPJ não constitua mero incidente.

Se cabível a fixação de sucumbência, pondera-se sobre a eventual exigência do pagamento de custas processuais no âmbito do IDPJ, o que seguramente acresceria os riscos econômicos decorrentes de sua instauração. Destaca-se, ainda, que a exigência do pagamento de custas iniciais estaria diretamente ligada à necessidade de se atribuir de valor de causa ao IDPJ – indispensável sob a perspectiva de que sua natureza seja de ação, à luz dos requisitos da petição inicial (art. 319, V do CPC).

Ademais, cabe considerar possíveis alterações referentes ao momento para instauração do IDPJ, que se considerado ação, poderia estar sujeito a prazo prescricional ou decadencial próprio, não mais podendo ser realizado a qualquer tempo. Em que pese se tratar de debate previamente existente, com entendimento sendo pelo caráter

3 STJ, REsp 1.925.959/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., j. 12/9/2023.

4 Especialmente do TJSP, no âmbito do qual algumas Câmaras de Direito Privado já haviam reconhecido a natureza de ação do IDPJ e determinaram que o vencido arcasse com a verba honorária sucumbencial: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. 1. A ausência de comprovação de abuso de personalidade impede sua desconsideração, nos termos do artigo 50 do Código Civil. 2. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica apresenta natureza de ação, devendo arcar a parte vencida com os honorários advocatícios de sucumbência. 3. Inexistência de litigância de má-fé. Recurso parcialmente provido.” (TJSP, AI 2201737- 30.2017.8.26.0000, Rel. Des. Roberto Mac Cracken, 22ª Câm. Dir. Priv., j. 7/3/2018). No mesmo sentido: TJSP, AI 2023286-46.2018.8.26.0000, Rel. Des. Morais Pucci, 35ª Câm. Dir. Priv., j. 21/3/2018; TJSP, Edcl no AI 2185220-47.2017.8.26.0000, Rela. Desa. Silvia Rocha, 29ª Câm. Dir. Priv., j. 13/12/2017).

potestativo da desconsideração e inexistência de prazo decadencial 7, a discussão pode ganhar ainda mais camadas se levado em conta o caráter de ação do IDPJ, prestigiando-se o instituto de maneira autônoma para todos os pressupostos, fins e consequências.

Outra repercussão que decorreria da natureza de ação do IDPJ seria a impossibilidade de desistência, sem anuência do requerido, após a apresentação de defesa (artigo 485, § 4º do CPC). Nesse cenário, ao efetuar análise econômica prévia à sua instauração, caberá ao advogado considerar não apenas a definição dos riscos financeiros ao momento final do processo (sob a perspectiva dos honorários sucumbenciais), mas também ao encerramento da fase postulatória, na medida em que não mais poderá desistir do IDPJ sem a aquiescência da contraparte.

É certo que o recente precedente do STJ não é vinculante e ainda é objeto de controvérsia: houve, inclusive, a oposição de embargos de divergência no feito sob comento, admitidos pelo Ministro Antônio Carlos Ferreira e pendentes de julgamento. Assim, não se pode afirmar que tenha havido adesão generalizada à tese de que o IDPJ seja ação incidental – embora esta, conforme já mencionado, nos pareça mesmo a tese mais correta.

Até porque, para além do preenchimento dos elementos caracterizadores da demanda (fundamento jurídico), há também uma questão de ordem econômica: o exercício da advocacia nos processos de IDPJ costuma ser de elevada complexidade, visto que as discussões sobre fraude e abuso da personalidade jurídica são amplas e frequentemente desafiadoras, envolvendo estruturas de grupos econômicos e alegadas estruturas sofisticadas de blindagem patrimonial. Ademais, não há dúvidas de que exista pretensão resistida em seu âmbito, não podendo ser ignorada a extensão do benefício econômico gerado ao cliente com a improcedência do pedido.

Esses aspectos tornam mais que justificável, no nosso sentir, a existência de sucumbência, que nada mais é que a retribuição pecuniária pelo resultado alcançado decorrente do trabalho desempenhado pelo advogado da parte vencedora. Ambos os elementos, trabalho e resultado, se colocam de forma marcante em discussões sobre desconsideração, nas quais, não raras vezes, o tema da extensão da responsabilidade

5 “A pretensão de redirecionamento veiculada pelo referido incidente consistir em direito potestativo do requerente, poder jurídico correspondente a um estado de sujeição da outra parte” (STJ, AgInt no REsp 1.864.961/SP, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª T., j. 24/10/2022) No mesmo sentido: STJ, AgInt no AREsp 2.020.825/MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª T., j. 20/6/2022; STJ, AgInt no REsp 2033259/PR, Rela. Mina. Maria Isabel Galotti, 4ª T., j. 26/2/2024, dentre outros.

patrimonial adquire maior relevo prático – do ponto de vista da solvabilidade dos agentes envolvidos – até que a discussão havida na causa subjacente.

Em conclusão, o recente entendimento do STJ sobre a possibilidade de fixação de honorários sucumbenciais no IDPJ, ao reconhecer sua natureza de ação, trouxe à tona diversas implicações que exigem cautela, como a possibilidade de atribuição de valor de causa, pagamento de custas processuais, a possível vinculação do IDPJ a prazos prescricionais ou decadenciais, dentre possíveis outras consequências. Assim, é fundamental que o advogado considere esses fatores ao recomendar a instauração do IDPJ, visando resguardar tanto seus interesses quanto os de seus clientes.

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