Estado teocrático

Republicanos sustentam petição à Suprema Corte contra transgêneros em passagens da Bíblia

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12 de outubro de 2024, 11h01

Um grupo de 82 parlamentares republicanos, de 23 estados, protocolou uma petição de amicus curiae na Suprema Corte dos Estados Unidos, em defesa de uma lei do Tennessee que proíbe tratamentos de disforia de gênero — ou de afirmação de gênero — para menores de 18 anos.

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Os peticionários se fundamentam na “lei divina” e em 11 passagens da “Bíblia Sagrada”, sem especificar de qual versão, para sustentar seus argumentos: “Gálatas 5, Gênesis 1, Gênesis 3, Gênesis 4, João 14, Mateus 22, Filipenses 2, Filipenses 3, Provérbios 22 e Romanos 13.

Também assinou a petição de amicus curiae o grupo cristão American Family Association, que se dedica a combater o aborto e direitos da comunidade LGBTQ+. O grupo argumenta que várias passagens da Bíblia descrevem a necessidade de reconhecer a autoridade e o poder supremo de Deus.

O grupo argumenta ainda que os fundadores da nação [os constituintes] exortaram os americanos a viver de acordo com os ensinamentos bíblicos. E que, “com a ajuda do Espírito Santo, podemos crescer em fé e maturidade e ganhar o autocontrole para viver com maior obediência à lei divina e à autoridade governamental legítima”.

Para eles, a defesa do tratamento de afirmação de gênero é um tipo de “política de identidade” – uma visão de política pública que está “fundamentalmente em desacordo com o significado original da Constituição e com a tradição bíblica e clássica que influenciaram os Fundadores”.

Tais argumentos religiosos estão na linha do que expressa o movimento jurídico-conservador de que não há garantia inerente da separação igreja-estado nos EUA. E um desejo de grupos cristãos de transformar os EUA em um estado teocrático.

Os peticionários admitem a falta de respaldo científico para suas alegações, mas argumentam que as autoridades médicas (que defendem o tratamento da  disforia de gênero, não seguem diretrizes éticas. Defendem, em vez disso, o “autocontrole” em relação a “paixões” e “impulsos”, de forma que os jovens trans devem ser impedidos de “transicionar” ou forçados a “destransicionar”.

Os peticionários alegam, finalmente, que “a visão dos oponentes da lei não é consistente com a história e tradições do país” — tal como argumentou o ministro Samuel Alito na decisão de 2022 da Suprema Corte (Dobbs v. Jackson Women’s Health Organization ), que revogou Roe v. Wade, o precedente de 1973 que legalizou o aborto em todo o país.

Nessa decisão, Alito, que foi o relator do voto vencedor, declarou que outros direitos da comunidade LGBTQ+ não estavam em risco: “Nada nesta decisão deve ser entendido como um risco a outros precedentes que não se referem a aborto”, ele escreveu.

No entanto, o Tribunal Superior de Alabama, ao decidir em fevereiro de 2024 que embriões devem ser considerados pessoas, citou “Dobbs” múltiplas vezes. E o procurador-geral de Tennessee, Jonathan Skrmetti, citou “Dobbs” mais de dez vezes, para defender a posição do estado de que “a lei é uma mera regulamentação do tratamento de saúde e não discrimina com base em sexo”.

Afirmação de gênero

E isso é exatamente o que se discute no caso United States v. Skrmetti perante à Suprema Corte. A questão principal é se a lei que proíbe tratamentos de afirmação de gênero é inconstitucional por se basear em sexo. E se, por isso, viola a cláusula da proteção da igualdade perante a lei, prevista na 14ª Emenda da Constituição dos EUA e o direito ao devido processo, previsto na 5a Emenda.

Tratamentos, no caso, incluem a administração, pelos médicos, de bloqueadores de puberdade, terapia hormonal com estrogênio e testosterona e cirurgias de transição de sexo para menores de 18 anos, “com o propósito de alterar a aparência ou validar suas identidades de gênero, quando inconsistentes com seus sexos biológicos”, segundo o site Oyez, que resume o caso.

A lei do Tennessee abre exceções. Permite a hormonioterapia para pacientes cisgêneros (por exemplo, para aqueles cuja puberdade se iniciou cedo demais) e para pacientes transgêneros que já faziam o tratamento antes de 31 de março de 2024. Além disso, pode ser administrado estrogênio a menores do sexo feminino, mas não a do sexo masculino.

De acordo com o Legal Information Institute, a Equal Protection Clause se refere à ideia de que os governos não podem negar a determinadas pessoas os direitos que concede a outras em condições e circunstâncias similares. O governo federal e os estaduais devem governar com imparcialidade.

A ação contra a lei do Tennessee foi movida por três menores transgêneros e suas famílias, bem como por instituições médicas. Elas pediram a emissão de liminar para impedir a entrada em vigor da lei, o que foi concedido em primeira instância, mas negado em segunda. O Tribunal Federal de Recursos da 6ª Região permitiu a entrada da lei em vigor até que o mérito seja julgado em todas as instâncias.

O Departamento de Justiça (DOJ) fez, em nome dos Estados Unidos, o pedido à Suprema Corte para rever a decisão do tribunal de recursos e julgar o caso.

A decisão, pela Suprema Corte, do caso United States v. Skrmetti irá afetar leis semelhantes de 25 estados republicanos dos EUA. Se for favorável aos republicanos, poderá abrir caminho para uma tentativa de revogação de outros precedentes.

O ministro Clarence Thomas citou precedentes que se fundamentaram no “devido processo substantivo” e que deveriam ser reexaminados pela corte, em um voto concorrente na decisão de Dobbs tais como: Griswold v. Connecticut sobre controle de natalidade, Lawrence v. Texas sobre intimidades do mesmo sexo e Obergefell v. Hodges sobre casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Curiosamente, Thomas não incluiu em sua lista de extinção o caso Loving v. Virginia, que protegeu casamentos interraciais. E há uma especulação óbvia sobre isso: Clarence Thomas, que é negro, é casado com uma mulher Branca.

 

*com informações adicionais do Huff Post, Yahoo News, MSN, LGBTQ Nation, The New Republic e do site Oyez.

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