Opinião

Representatividade coletiva do comitê de credores nos processos de recuperação e falência

Autor

  • Leonardo Gomes de Aquino

    É advogado e Mestre em Ciências Jurídico-Empresariais pós-graduado em Ciências Jurídico-Processuais e em Ciências Jurídico-Empresariais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal) e Pós Graduado em Direito Empresarial pela Fadom além de ser Especialista em Docência do Uniceuma e professor Universitário no Unieuro (DF)

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9 de outubro de 2024, 6h39

A possibilidade de um membro do comitê de credores dos trabalhadores representar os obreiros em ações judiciais sem a necessidade de procuração individual, apresentando apenas a ata de assembleia de nomeação e o ato de aceitação do cargo, pode ser analisada com base nas atribuições do Comitê de Credores conforme a Lei 11.101/2005 — Lei de Recuperação e Falências (LREF) — e o Código de Processo Civil de 2015 (CPC).

Funções e representatividade coletiva do comitê de credores

O comitê de credores é um órgão colegiado criado para garantir uma atuação mais efetiva dos credores no processo de falência e recuperação judicial, funcionando como um representante da coletividade. Como o processo de recuperação é complexo e muitos credores não conseguem se fazer presentes, o comitê surge como um meio de assegurar a defesa de seus interesses.

De acordo com Toledo e Pugliesi (2016), as atribuições do comitê são estabelecidas em um rol “não taxativo”, de modo que sua atuação visa, principalmente, ao interesse coletivo dos credores, fiscalizando tanto o administrador judicial quanto o devedor.

A constituição do comitê não é obrigatória, mas, uma vez instalada, sua atuação é fundamental no curso do processo. Esse órgão possui tanto funções fiscalizatórias quanto funções consultivas, devendo se manifestar nas hipóteses previstas pela lei, como por exemplo na alienação de bens do ativo permanente (artigo 27, I, “f”).

Conforme Braga (2015), “a nova lei de falências trouxe como mais uma de suas inovações, a previsão legal da possibilidade de instituição do comitê de credores com função fundamentalmente administrativa”.

Como se nota, sua instituição é facultativa pelos credores e, em caso de sua inexistência, caberá ao administrador judicial exercer suas funções legalmente estipuladas e, no caso de impedimento deste, suas funções serão exercidas pelo juiz. Além disso, ele pode ser composto não apenas pelos próprios credores, mas também por advogados em nome dos credores, desde que estes assumam os deveres e responsabilidades inerentes à função.

Representação judicial dos trabalhadores e dispensa de procuração individual

No que diz respeito à representação judicial, o Código de Processo Civil de 2015 (CPC) estabelece que a representação em juízo, em regra, exige procuração individual (artigo 103, CPC). Entretanto, considerando que o comitê de credores possui legitimidade para atuar de forma coletiva e que suas funções incluem a fiscalização, defesa de direitos e comunicação ao juízo de eventuais violações, é possível argumentar que o membro representante dos trabalhadores possa agir judicialmente em defesa da classe sem a necessidade de procuração individual, utilizando apenas a ata de nomeação e o ato de aceitação do cargo.

Essa atuação se justifica pela própria natureza do comitê, que tem legitimidade ativa para defender os interesses coletivos dos credores, incluindo a possibilidade de impugnar a relação de credores apresentada pelo administrador judicial (artigo 8º, caput, da LREF) e de ajuizar ações voltadas à retificação ou exclusão de créditos do quadro geral de credores (artigo 19, caput, da LREF) (Tomazette, 2024). Assim, o representante dos credores trabalhistas no comitê, em sua função de proteção do interesse coletivo, poderia atuar judicialmente em nome da coletividade dos trabalhadores.

Competências consultivas e fiscalizadoras do comitê de credores

O comitê de credores tem competências amplas e relevantes no processo de falência e recuperação judicial e falência. Além de fiscalizar as atividades do administrador judicial e do devedor, o comitê deve ser ouvido em diversos momentos do processo, como por exemplo nas impugnações de créditos (artigo 12, LREF). Ele também tem o poder de emitir pareceres sobre reclamações de interessados e de requerer a convocação de assembleia-geral de credores (artigo 27, LREF). Dessa forma, sua atuação vai além de simples fiscalização, cumprindo um papel consultivo que reforça sua importância no andamento do processo.

Spacca

No processo de falência, o comitê tem poder para aprovar os honorários dos advogados da massa falida, assim como para autorizar alienações de bens, contratos de locação e a continuação de contratos bilaterais (artigos 22 e 114, LREF) (Bezerra Filho, 2016). No contexto da falência e recuperação judicial, ele exerce a fiscalização da execução do plano e pode requisitar informações ao devedor, conforme artigo 64, V, da LREF.

O comitê também deve ser consultado em casos de alienação de bens do ativo permanente (artigo 66, LREF), demonstrando sua importância no controle das ações do devedor e no acompanhamento do plano de recuperação.

Capacidade judicial do comitê e a defesa coletiva dos credores

A capacidade judiciária do comitê de credores não é meramente simbólica. Ele possui legitimidade para atuar em defesa dos interesses dos credores, podendo impugnar créditos ou ajuizar ações que busquem a exclusão ou retificação de créditos lançados no quadro geral (Scalzilli, 2023). Embora o comitê de credores seja um órgão colegiado e despersonalizado, sua legitimidade para atuar em prol da coletividade credora está assegurada pela Lei 11.101/2005, e seu papel é atuar com parcialidade no interesse da massa de credores.

A atuação do comitê se estende ao longo de todo o processo, e, conforme destacam Toledo e Pugliesi (2016), suas atribuições não são limitadas de forma taxativa. Ele pode intervir em diferentes momentos, seja através da fiscalização do administrador judicial, seja propondo impugnações, emitindo pareceres ou consultando o devedor (Verçosa, 2007). Essa flexibilidade reforça a importância do comitê como um órgão que não apenas acompanha o processo, mas que também o agiliza e assegura a proteção dos direitos dos credores.

Atuação dentro do processo de recuperação judicial e falência

Dentro do processo de recuperação judicial ou falência, o comitê de credores possui atribuições específicas, mas de forma exemplificativa, conforme estabelecido pela Lei 11.101/2005 (Andrade, 2005). Essas atribuições incluem, por exemplo, fiscalizar as atividades do administrador judicial, apresentar impugnações relacionadas ao quadro geral de credores e defender os interesses coletivos dos credores (incluindo os trabalhistas). Nesses casos, a atuação do comitê não depende de procuração individual dos trabalhadores, uma vez que ele é um órgão colegiado com legitimidade para representar a coletividade de credores.

Em ações que tratam da verificação e habilitação de créditos no processo de recuperação ou falência, o comitê pode impugnar créditos trabalhistas ou agir para retificar ou excluir créditos já lançados, sem necessidade de procuração específica de cada trabalhador. A própria legislação (artigo 27, I, “c” da Lei 11.101/2005) confere ao comitê o poder de comunicar ao juiz qualquer violação de direitos ou prejuízo aos credores, permitindo uma atuação coletiva.

Atuação em ações judiciais coletivas fora do processo de recuperação ou falência

Reprodução

Quando se trata de ações judiciais coletivas fora do âmbito da recuperação judicial ou falência, especialmente no contexto do direito do trabalho, a situação é diferente. O comitê de credores não possui uma legitimidade automática para atuar em ações judiciais trabalhistas que tratem de direitos individuais ou individuais homogêneos (como o pagamento de salários atrasados ou de horas extras) sem que haja uma procuração individual outorgada pelos trabalhadores.

Para ações judiciais coletivas que envolvem direitos individuais homogêneos (ou seja, direitos que são comuns a todos os trabalhadores, mas que ainda são personalíssimos, como o direito ao pagamento de um adicional ou a indenização devida a um grupo de empregados), a representação em juízo segue as normas do Código de Processo Civil de 2015 e da Constituição, que, em regra, exigem procuração específica ou a atuação de entidades sindicais ou do Ministério Público do Trabalho (artigo 8º, III da CF).

Entidades com legitimidade para ações coletivas trabalhistas

A legitimidade para propor ações coletivas trabalhistas em defesa de trabalhadores é, geralmente, atribuída a:

  • Sindicatos e outras entidades de classe que atuam na defesa de interesses coletivos ou individuais homogêneos dos trabalhadores;
  • O Ministério Público do Trabalho (MPT), especialmente em casos que envolvem interesse público ou direitos coletivos amplos;
  • Associações que defendem uma classe de trabalhadores, desde que expressamente autorizadas pelos representados.

Essas entidades, ao contrário do comitê de credores, têm poder para representar judicialmente os trabalhadores em demandas coletivas sem a necessidade de autorização individual de cada trabalhador.

Conclusão

O comitê de credores, em suas funções fiscalizatórias e consultivas, pode atuar em defesa dos interesses coletivos dos credores sem a necessidade de procuração individual, conforme a Lei 11.101/2005 e o Código de Processo Civil de 2015. A ata de nomeação e o ato de aceitação do cargo são suficientes para validar essa representação em situações que envolvam direitos coletivos.

No entanto, em casos de direitos individuais, como a execução de créditos trabalhistas específicos, é necessária a procuração individual, conforme o CPC. Mesmo em ações coletivas propostas pelo Ministério Público do Trabalho, o comitê de credores não possui legitimidade automática para participar sem a devida procuração, a menos que sua atuação esteja diretamente relacionada ao processo de recuperação ou falência e aos interesses coletivos dos credores. Assim, embora não seja obrigatório, o comitê de credores tem um papel essencial na defesa dos direitos da coletividade no processo de recuperação judicial e falência.

 


Referências:

ANDRADE, Ronaldo Alves de. Comentários aos artigos 35 ao 46. In: De Lucca, Newton; Filho, Adalberto Simão (coords.). Comentários à nova Lei de Recuperação de Empresas e de Falências. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 175-200.

AQUINO, Leonardo Gomes de. Recuperação de Empresas em Tabelas – Belo Horizonte – Editora Expert – 2024

BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e Falências comentada. 11 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

BRAGA, Afonso Henrique Alves. Comitê de Credores. Comentários completos à lei de recuperação de empresas e falências. Daniel Carnio Costa (coord). Curitiba: Juruá, 2015. Volume 1.

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à lei de falências e de recuperação de empresas: direito de empresa. 11. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023.

FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Comentários aos artigos 35 a 46. In. SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

SCALZILLI, João, P. et al. Recuperação de Empresas e Falência: Teoria e Prática na Lei 11.101/2005. Disponível em: Minha Biblioteca, (4th edição). Grupo Almedina, 2023.

TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de; PUGLIESI, Adriana V. Capítulo V: Disposições comuns à recuperação judicial e à falência: o administrador judicial e o comitê de credores. In: Carvalhosa, Modesto (coord.). Tratado de direito empresarial, v. V – recuperação empresarial e falência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 129-143.

TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial. São Paulo: Atlas, 2024.

VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Seção III: Do administrador judicial e do comitê de credores. In: Souza Junior, Francisco Satiro de; Pitombo, Antonio Sergio A. de Moraes (coord.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falências. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 163-185.

Autores

  • é advogado, administrador judicial, advogado, mestre em Direito, graduação em Direito Faculdades Integradas do Oeste de Minas, mestre em Ciências Jurídico-Empresariais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, autônomo na ArSiriano Advogados, professor da Escola Superior de Advocacia do Distrito Federal, professor do Centro Universitário de Brasília e horista do Instituto Euro-Americano de Educação, Ciência e Tecnologia, com experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Comercial, atuando principalmente nos seguintes temas: sociedade, Direito Empresarial, Comercial, Empresa e Arbitragem.

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