Honorários por equidade conforme tabela da OAB: vencemos a batalha, mas perdemos a guerra
7 de outubro de 2024, 6h42
A inclusão do §8º-A no artigo 85 do Código de Processo Civil foi uma conquista muito festejada por toda advocacia, tendo sido um avanço legislativo significativo por fixar limites objetivos para o arbitramento de honorários sucumbenciais nas causas de valor irrisório ou inestimável, tentando trazer luz para clarear a subjetividade e disparidade que acontecia nos tribunais:
“Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
§8º. Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.
§8º-A. Na hipótese do § 8º deste artigo, para fins de fixação equitativa de honorários sucumbenciais, o juiz deverá observar os valores recomendados pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil a título de honorários advocatícios ou o limite mínimo de 10% (dez por cento) estabelecido no § 2º deste artigo, aplicando-se o que for maior.” (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)
Acontece, que no plano prático, o que se vê são malabarismos interpretativos, impulsionados por uma jurisprudência defensiva, fazendo com que a redação do referido artigo fique inaplicável, tornando-se, como diria Ferdinand Lassalle, uma “mera folha de papel”.
Segundo a jurisprudência mais recente do STJ, a fixação da verba honorária com base no artigo 85, § 8º, do CPC/2015 estaria restrita às causas em que não se vislumbra benefício patrimonial imediato, como, por exemplo, as de estado e de Direito de Família, nesse sentido é a tese fixada no Tema 1.076/STJ:
“i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC — a depender da presença da Fazenda Pública na lide —, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa.
ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo.”
Em julgados do Superior Tribunal de Justiça, observou-se uma postura combativa ao referido artigo, não o aplicando em causas com proveito econômico baixo sob as seguintes justificativas: ofensa ao princípio da proporcionalidade, ausência do caráter vinculativo da tabela da OAB e para se evitar o enriquecimento sem causa do advogado, nesse sentido (REsp 2.161.210, ministro Marco Buzzi, 30/8/2024):
“2. No mérito, cinge-se a controvérsia acerca da alegada vulneração do art. 85, § 8º-A, do CPC, ao argumento de que o arbitramento de honorários advocatícios estaria vinculado à tabela da OAB. Acerca da controvérsia, o Tribunal local assim decidiu (fls. 384, e-STJ): Não é caso de aplicação da Tabela da OAB, mas de aplicar, como ocorreu, o preceito do CPC a tal respeito (art. 85, § 8ºA) em sintonia com o art. 8º e com o § 2º do próprio art. 85. Não se admite que uma causa envolvendo valor líquido (R$ 3.243,98) gere honorários superiores a esse montante, justamente o proveito econômico conseguido ao cliente pelo advogado. Não seria razoável, violaria a proporcionalidade. Aliás, a pretensão infringe a própria essência da equidade (justiça concreta, expressada, nesse aspecto, na razoabilidade da fixação da verba honorária em face da vantagem que o advogado, com seu valioso trabalho, conseguiu para o cliente).
Na hipótese, a Corte de origem concluiu que a tabela da OAB, apesar de servir de parâmetro para o arbitramento dos honorários contratuais, não possui caráter vinculativo, devendo ser observadas as circunstâncias do caso concreto para evitar o enriquecimento sem causa do advogado. Com efeito, verifico que o acórdão recorrido está em conformidade com a orientação firmada na jurisprudência desta Corte, para a qual o magistrado não está vinculado aos valores de honorários estabelecidos pela tabela da Ordem dos Advogados do Brasil. Confiram-se, a propósito: (…) PROCESSUAL CIVIL. DIREITO À SAUDE. RECLAMAÇÃO. IAC 14 DO STJ. DESRESPEITO AO JULGADO DESTA CORTE SUPERIOR. RECONHECIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO. CRITÉRIO DA EQUIDADE. 1. A Segunda Seção desta Corte, no julgamento do REsp 1.746.072/PR, ao interpretar as regras do art. 85 do CPC/2015, pacificou o entendimento de que a fixação de honorários de sucumbência deve seguir a uma ordem decrescente de preferência, sendo o critério por equidade a última opção alternativa, que só tem lugar quando se tratar de causa cujo valor seja inestimável ou irrisório o proveito econômico, ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo. 2. Em 15/03/2022, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao referendar a aludida orientação em sede de recurso representativo da controvérsia (REsps 1.850.512/SP, 1.877.883/SP e 1.906.623/SP – Tema 1.076), decidiu pela impossibilidade de fixação de honorários de sucumbência por apreciação equitativa, ainda que o valor da causa, da condenação ou o proveito econômico sejam elevados. 3. Na hipótese, os honorários advocatícios foram arbitrados em R$ 2.000,00 (dois mil reais), com base no critério da equidade, considerando a ausência de condenação, a impossibilidade de mensurar o proveito econômico obtido pelo ora agravante com a procedência da reclamação, em que se objetivou somente compelir o Tribunal de origem a cumprir a decisão exarada por esta Corte de Justiça no IAC 14 do STJ, a fim de se manter a competência do Juízo estadual para o julgamento da demanda. 4. A parte agravante defende a aplicação da verba honorária nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/2015, sob o valor atribuído à presente reclamação, qual seja, R$ 424.608,00 (quatrocentos e vinte e quatro mil, seiscentos e oito reais), correspondente ao valor anual do tratamento home care pleiteado na ação originária. 5. A utilização do valor da causa, como referência para o cálculo dos honorários sucumbenciais, ofende os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, pois não se pode confundir o mérito da ação originária, que versa sobre à dispensação de tratamento/medicamento não incluído nas políticas públicas, que, certamente, envolve temas de maior complexidade e dimensão, abrangendo tanto o direito material como o processual, com a controvérsia analisada nesta reclamação, cujo caráter é eminentemente processual e de simples resolução. 6. De notar também que, segundo a jurisprudência desta Corte de Justiça, a previsão contida no § 8º-A do art. 85 do CPC, incluída pela Lei n. 14.365/2022 – que recomenda a utilização das tabelas do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil como parâmetro para a fixação equitativa dos honorários advocatícios -, serve apenas como referencial, não vinculando o magistrado no momento de arbitrar a referida verba, uma vez que deve observar as circunstâncias do caso concreto para evitar o enriquecimento sem causa do profissional da advocacia ou remuneração inferior ao trabalho despendido. 7. Em atenção ao disposto no art. 85, §§ 2º e 8º, do CPC/2015, à natureza da presente ação, à ínfima complexidade da causa, à curta tramitação do feito e ao trabalho desenvolvido pelos patronos da parte reclamante, que não necessitaram empreender grandes esforços para finalizar a demanda de forma satisfatória, impõe-se a manutenção da verba honorária no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), visto que arbitrada em critérios legalmente permitidos, dentro da razoabilidade e em conformidade com a jurisprudência desta Casa. 8.
Agravo interno desprovido” (AgInt no AgInt na Rcl n. 45.947/SC, relator ministro Gurgel de Faria, 1ª Seção, julgado em 18/6/2024, DJe de 26/6/2024) [grifo do articulista].
Jurisprudência defensiva prevalece
Ao se debruçar na jurisprudência dos tribunais locais, observa-se que o posicionamento é no sentido de “facilitar o acesso à justiça” e que os valores recomendados pelo órgão de classe devem ser tomados apenas como um norte para a fixação equitativa de honorários sucumbenciais, sob pena de subtrair do magistrado a possibilidade de analisar, no caso concreto, os elementos previstos nos incisos do artigo 85, § 2º, do CPC, podendo ele deixar de aplicar os valores constantes da tabela da OAB:
“No julgamento do recurso de embargos de declaração, o Tribunal de origem consignou que “o Juízo não está vinculado à tabela de honorários da OAB para a fixação das verbas de sucumbência e que o artigo 85, § 8º-A, do CPC deve ser interpretado em conformidade com o princípio do livre convencimento motivado” (fl. 255). Confira-se: O valor dos honorários advocatícios do patrono da autora, fixado em R$ 500,00, corresponde a montante razoável e adequado, sem se mostrar excessivo, para remunerar condignamente o causídico, em razão do zelo do trabalho por ele apresentado e da natureza e importância da causa, de baixa complexidade.
Ressalte-se que o Juízo não está vinculado à tabela de honorários da OAB para a fixação das verbas de sucumbência. O artigo 85, § 8º-A, do CPC deve ser interpretado em conformidade com o princípio do livre convencimento motivado […] (e-STJ, fls. 254/255) Como demonstra a decisão agravada, a hipótese dos autos subsume-se ao comando do art. 85, § 8º, do CPC/2015, segundo o qual, “nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º”. Isso, porque, apesar da cobrança ilícita, não foi reconhecido o dano moral. Assim, esse entendimento está em perfeita consonância com a orientação que emana das teses firmadas no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.076” (AgInt no REsp 2104174, ministra Maria Isabel Gallotti, 2/8/2024).
“Todavia, a fixação do valor dos honorários conforme a tabela sugestiva da OAB/DF viola o princípio da proporcionalidade, pois não é razoável que o réu seja condenado ao pagamento de cerca de R$ 1.881,49 e tenha de pagar, a título de honorários sucumbenciais, valor acima de R$ 7.000,00. Adotar a tabela sugestiva de honorários da OAB também implicaria violação ao princípio de acesso à justiça, porque evidentemente desestimularia o ajuizamento de ações pelas partes quando o valor da causa ou do proveito econômico, que acreditam fazerem jus, for relativamente baixo, pois em caso de improcedência do pedido o valor do pagamento de honorários sucumbenciais seria muito superior ao da obrigação em si. Assim, por medo de pagar honorários sucumbenciais, haverá um desestímulo ao acesso à justiça. Não bastasse isso, a aplicação da tabela da OAB, no presente caso, implica evidente enriquecimento ilícito por parte dos patronos da parte vencedora, pois não é lógico que o proveito econômico da parte seja muito menor que o proveito econômico do advogado e, do mesmo modo, não é lícito que o sucumbente de valor relativamente baixo seja condenado ao pagamento de valores que ultrapassam muitas vezes os valores devido ao vencedor da demanda. Por fim, a Tabela de Honorários da OAB/DF é ato infralegal e não vincula o juiz, de modo que sua observância, no caso concreto, deve ser afastada (fls. 222/223).” (AREsp 2.700.394, ministro Herman Benjamin, 25/9/2024).
Infere-se no plano prático que apesar da advocacia ter vencido a batalha legislativa, com a inclusão merecida do artigo 85, §8-A do CPC, trazendo balizas objetivas para minorar a subjetividade no arbitramento de honorários, perdeu-se a guerra para a jurisprudência defensiva dos tribunais, que insistentemente torna a redação legal inaplicável, mantendo a tese de honorários pejorativos e indecorosos para toda a advocacia.
Não se pode esquecer que o tempo de tramitação de um processo leva em média 3.4 anos para se transitar, segundo relatório da “Justiça em Números” do CNJ.
Além do mais, o Judiciário vem enfrentando um aumento da litigiosidade nos últimos anos, buscando soluções para diminuir a sobrecarga nos magistrados como: inclusão do filtro de relevância nos recursos especiais, possibilidade de extinção das execuções fiscais de pequeno valor, dentre outras alternativas drásticas, que, efetivamente, dificultam o acesso à justiça.
Não se pode esquecer que os honorários são, indiscutivelmente, verbas de natureza alimentar, compondo parcela essencial dos proventos dos causídicos, desempenhando um papel crucial no sistema judiciário, contribuindo significativamente para a justiça e a eficiência dos processos judiciais, sendo sua valorização indispensável.
Ademais, um dos principais benefícios dos honorários sucumbenciais é o desencorajamento de litígios desnecessários, funcionando, inclusive, como inibidor de “loterias judiciais”, em que as partes entram com ações judiciais na esperança de obter ganhos fortuitos, sem uma base jurídica consistente.
É preciso rever a jurisprudência
Quando se sabe que em caso de derrota, terá que arcar com os honorários do advogado da parte vencedora, a parte potencialmente litigante pensa duas vezes antes de iniciar um processo sem fundamentos sólidos.
Além disso, os honorários sucumbenciais promovem o acesso à justiça, garantindo que os advogados sejam devidamente remunerados pelo seu trabalho, incentivando-os a representar clientes que, de outra forma, poderiam não ter condições de pagar pelos serviços advocatícios, como nas causas pro bono.
Não há o que se falar de obstrução das causas de baixo valor, haja vista que a lei já traz benesses como a previsão do artigo 99, §3º do CPC para os hipossuficientes, previsão dos juizados especiais com gratuidade da justiça.
Portanto, os honorários sucumbenciais não apenas recompensam o trabalho dos advogados, mas também desempenham um papel fundamental na manutenção de um sistema judiciário justo e eficiente, ajudando a evitar abusos e garantindo que todos, independentemente de sua condição econômica, tenham acesso à justiça.
A fim de se evitar a função simbólica processual dissociada do plano concreto e visando quebrar a inércia para não transformar o CPC numa mera folha de papel ou num mero texto nominativo, numa interpretação ontológica, sugere-se a revisão jurisprudencial para tornar o artigo 85, §8º-A do CPC aplicável e não uma mera disposição ilustrativa.
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