Festa da democracia

Eleições ocorrem em contexto jurídico ajustado à realidade e com maior controle sobre big techs

 

6 de outubro de 2024, 7h55

Mais de 155 milhões de brasileiros estão aptos a votar nas eleições municipais que ocorrerão neste domingo (6/10) para eleger os prefeitos, vice-prefeitos e vereadores das 5.569 cidades do país.

Eleições deste domingo elegem prefeitos, vice-prefeitos e vereadores

Em comparação com as últimas disputas, as eleições deste ano ocorrerão em um contexto jurídico mais ajustado à realidade tecnológica e com a Justiça Eleitoral munida de maior controle sobre as big techs e com novas armas contra notícias falsas e deep fake.

A maioria das mudanças chegou com as atualizações feitas neste ano na Resolução 23.610/2019, que trata de propaganda eleitoral. O texto impõe uma série de obrigações às big techs, que na disputa de 2022 tiveram de se aproximar mais do TSE.

Antevendo riscos

Parte do objetivo das medidas é antever riscos envolvendo o uso de novas tecnologias para a disseminação de desinformação com a intenção de desequilibrar a disputa eleitoral.

Nas eleições presidenciais de 2018, por exemplo, a Justiça Eleitoral foi pega de surpresa pelo potencial de disseminação de desinformação de aplicativos de mensagens como o WhatsApp.

Em 2022, o TSE passou a firmar acordos com plataformas digitais para tentar conter a divulgação de fake news. Hoje, há acordos com empresas como Facebook, Instagram, TikTok, Google e Telegram. Neles, as big techs se comprometem a adotar medidas céleres para conter notícias falsas e cooperar com o tribunal.

As parcerias não aconteceram por mera boa vontade das empresas, mas após pressão do TSE para que elas se adequassem ao ordenamento jurídico brasileiro em matéria eleitoral. Algumas delas, como o Telegram, recusavam-se a cumprir ordens judiciais de remoção de conteúdos e chegaram a ter o bloqueio determinado no Brasil.

As medidas em curso neste ano buscam evitar que a desinformação seja anabolizada pela inteligência artificial e tem como base legislações estrangeiras, como as da União Europeia, da Austrália e do Canadá.

Canais de denúncias e identificação de riscos

Entre as novas imposições às redes sociais e aos aplicativos de mensagens, estão a obrigação de criar canais eficazes de denúncias, a avaliação de impacto nas eleições e medidas para identificar e mitigar a disseminação de conteúdo político-eleitoral ilícito.

Segundo as alterações na resolução, as empresas que forem notificadas sobre irregularidades devem adotar providências imediatas para barrar, por exemplo, o impulsionamento, a monetização e o acesso a publicações ilícitas.

O descumprimento dessas normas tem consequências. Segundo a resolução, as big techs serão solidariamente responsáveis, civil e administrativamente, quando não derrubarem imediatamente conteúdos e contas durante o período eleitoral em casos de risco.

Isso vale para atos antidemocráticos, compartilhamento de fatos descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, incitação à violência contra membros da Justiça Eleitoral, discurso de ódio e conteúdo de inteligência artificial em desacordo com as normas.

Segundo o texto, em caso de conteúdo ilegal feito por inteligência artificial, a remoção tem de ser imediata, por iniciativa própria da plataforma ou por ordem judicial. Se houver divulgação de fatos inverídicos, as plataformas devem agir para remover o conteúdo assim que detectarem sua existência ou forem avisadas por terceiros.

O TSE também estabeleceu que as obrigações criadas são “de cumprimento permanente, inclusive em anos não eleitorais e períodos pré e pós-eleições”.

Poder de polícia

A resolução também incentivou juízes e juízas a usar o poder de polícia na disputa deste ano. O poder de polícia, em si, não é novidade, pois está previsto desde 2009 na Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) para inibir práticas ilegais.

Em 2022, diante da explosão de desinformação na reta final do primeiro turno das eleições, o TSE avançou e autorizou o uso do poder de polícia sobre o conteúdo da propaganda eleitoral para derrubar conteúdo ilícito que já tivesse sido atacado por outras decisões.

Neste ano, a lógica será a mesma, mas com mais transparência. O juiz eleitoral, em sua localidade de competência, poderá derrubar propaganda eleitoral com base no poder de polícia, mas estará necessariamente vinculado a um repositório de decisões colegiadas do TSE sobre o tema.

Para partidos e candidatos, será possível usar a reclamação administrativa eleitoral para contestar atos de poder de polícia que contrariem ou exorbitem decisões do TSE sobre a remoção de conteúdos desinformativos. Essa previsão está na Resolução 23.608/2019.

Inteligência artificial e deep fake

A mudança na resolução da corte eleitoral também determina que candidatos rotulem o uso de inteligência artificial na campanha e proíbe deep fake, conteúdo que simula digitalmente a imagem ou a voz de uma pessoa.

Com a alteração, os partidos terão de informar quando houver “conteúdo sintético multimídia” feito por inteligência artificial, para que o eleitor tenha pleno conhecimento disso.

Já a vedação a deep fake é absoluta. Trata-se da tecnologia que permite trocar o rosto de uma pessoa em vídeo ou sua voz, de maneira a sincronizar movimentos para dar a impressão de que ela está realmente passando determinada mensagem ou fazendo algo.

Mesmo que a pessoa alvo de deep fake tenha autorizado esse uso, a medida está vedada. A utilização dessa tecnologia causou polêmica durante a recente campanha eleitoral nas eleições presidenciais argentinas.

Crime organizado

Em entrevista ao jornal O Globo, a ministra Cármen Lúcia, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, citou como um grande risco nas eleições deste ano a possibilidade de o crime organizado se infiltrar no meio político para reformular leis.

Segundo ela, é preciso dar uma resposta rápida, o que já começa a ser feito no âmbito do Judiciário. De acordo com a ministra, a Justiça está cruzando dados para acompanhar o tema.

O trabalho é feito por um grupo de especialistas do Ministério Público e da Polícia Federal para verificar se pedidos de registro de candidatura foram feitos por pessoas envolvidas em processos ligados a organizações criminosas.

De acordo com a ministra, existe o risco de que a tentativa de infiltração dos criminosos na política alcance as esferas estaduais e até nacionais. “É grave esse atrevimento criminoso”, disse ela.

Ainda sobre a atuação das facções, a magistrada afirmou que a Justiça traçou uma “estratégia robusta” para garantir a segurança das eleições. O plano envolve todas as polícias estaduais e federais e conta ainda com o reforço das Forças Armadas.

Ela acrescentou que nestas eleições, pela primeira vez, foi determinada a presença de um juiz em todas as cidades do país no dia do pleito. “Essa estratégia foi implementada para que os eleitores se sintam seguros e protegidos, tanto física quanto legalmente, em todo o território nacional.”

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!