Opinião

Distinguishing necessário e a indiscriminada aplicação do Tema 247 do STF

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  • é advogado criminalista especialista em Direito Processual Penal pós-graduando em Tribunal do Júri membro do Clube Meta Jurídico de comissões temáticas de ciências criminais da OAB/SC e redator de artigos jurídicos.

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3 de outubro de 2024, 21h34

Não se esgotaram as discussões a respeito do alcance da decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Tema 247 de Repercussão Geral, que fixou a seguinte tese: “o artigo 9º, § 2º, do DL nº 406/1968 foi recepcionado pela ordem jurídica inaugurada pela Constituição de 1988“.

Antonio Augusto/STF
Fachada do Supremo Tribunal Federal, sede do STF

Contudo, necessário consignar que, quando do julgamento do RE nº 603.497, o Pretório Excelso discutia, naquele caso, a incidência valor dos materiais utilizados para o fornecimento de concreto, por empreitada, para construção civil na base de cálculo do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza.

A ministra Rosa Weber, ainda, expressou que a Súmula nº 167 trata especificamente sobre serviços de concretagem. Neste ponto, analisando o teor do mencionado artigo 7º, § 2º, inciso I, da LC nº 116/2003, o legislador foi claro ao destacar que o valor relativo ao fornecimento de materiais (por qual modo que seja, como a fabricação, o transporte de material preexistente no inventário do prestador de serviço ou afins), quando da prestação dos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 do anexo do diploma legal deve ser deduzido da base de cálculo do imposto em discussão.

Os respectivos itens, em sua parte final, destacam e criam condicionante, com base na boa hermenêutica, que o fornecimento decorrente da produção própria fica sujeito à incidência do ICMS. A incidência deste, contudo, de modo algum possibilita a exclusão da dedução quanto ao ISS.

Princípio da legalidade

Tal interpretação viola flagrantemente o princípio da legalidade, visto que deixa de aplicar hipótese de redução tributária em flagrante oposição ao texto legal e por meio de decisão judicial, em violação ao artigo 97, inciso II e § 1º, do Código Tributário Nacional[1].

Spacca

Isto porque, se o comando legal, editado pelo Poder Legislativo, estabelece a não inclusão, a interpretação judicial de inclusão importa na violação do princípio da separação dos Poderes.

Ademais, em análise atenta à redação do artigo 7º, caput, e seu § 2º, percebe-se que tal dispositivo legal trata especificamente da base de cálculo do Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza:

Art. 7º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço
(…)
§ 2ºo Não se incluem na base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza:
I – o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa a esta Lei Complementar;

No caso, conforme exprime-se pela leitura do caput do artigo 1º, o ISS, da mesma forma, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa.

Portanto, percebe-se que a leitura e interpretação da parte final dos itens 7.02 e 7.05 não deve ser realizada de maneira conjunta com o artigo 7º, § 2º, inciso I, todos da Lei Complementar nº 116/2003, tendo em vista que a previsão de serviços se trata da hipótese de incidência do referido imposto.

Ou seja: quando da execução daqueles serviços, incide o ISS, considerando a previsão por meio legal adequado, excetuando o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS.

Geração de obrigação tributária

Rememora-se que o artigo 113, § 1º, do CTN, quando prevê que a obrigação tributária surge com a ocorrência do fato gerador, simboliza que, para que seja gerada obrigação tributária, deve existir um evento, no plano de experiência, deve se subsumir aos critérios da hipótese de incidência da norma jurídica tributária.

No caso, os itens da lista anexa à LC nº 116/2003, quando se trata da regra matriz de incidência, se referem ao critério material.

Já a base de cálculo, conforme a previsão legal do artigo 7º, é o preço do serviço, cuidando-se do aspecto quantitativo do ISS, de modo que o seu § 2º trata especificamente das hipóteses em que se exclui da base de cálculo.

Interpretar de maneira diferente seria violar o princípio da estrita legalidade, visto que não se nega a prática do evento hipotético (serviço), contudo a própria lei afasta a aplicação do valor dos materiais na base de cálculo após a ocorrência do fato gerador, quando da prestação dos serviços previstos nos subitens 7.02 e 7.05. Fosse o caso, por exemplo, estaria a própria atividade prevista no artigo 2º da LC que trata do ISS, nas hipóteses de não incidência do tributo.

Vocábulos diferentes

É necessário aplicar tal diferenciação, inclusive pela escolha de vocábulos diferentes quando da parte final dos itens 7.02 e 7.05 da lista anexa à LC nº 116/2003, Excelência, e do inciso I do § 2º do artigo 7º do mesmo instrumento normativo.

Naquele, utiliza-se o vocábulo “mercadorias”, enquanto neste, o legislador utilizou “materiais”. A mercadoria, por exemplo, é objeto de circulação do ICMS quando o sujeito passivo pratica sua circulação. Isto posto, entende a recorrida pela necessidade de ser diferenciado o conceito de material e mercadoria.

Segundo Hely Lopes Meirelles [2] “mercadoria é toda coisa oferecida ao consumidor através da circulação econômica; enquanto a coisa não é posta em circulação econômica, não é mercadoria. O que caracteriza a mercadoria é a existência de um bem material posto em circulação econômica, para o consumo, mediante remuneração”.

No mesmo sentido, lecionou o professor Kiyoshi Harada [3]:

As diversas atividades pertinentes à construção civil, para serem tributadas pelo ISS, devem, necessariamente, corresponder a uma obrigação de fazer por parte do sujeito passivo do imposto, isto é, deve haver por parte deste um esforço humano resultando em um bem imaterial destinado à satisfação de uma determinada necessidade ou à fruição de alguma utilidade ou comodidade para outrem (tomador de serviços), independentemente do emprego de maquinários ou equipamentos, ou, ainda, da aplicação de materiais adquiridos de terceiros pelo prestador de serviços que, nessa hipótese, passa a ter natureza de mercadoria sujeita à tributação pelo ICMS.

Portanto, para garantia da devida segurança jurídica aos contribuintes, entendemos que não pode o Judiciário remontar a ideia de fato gerador e realizar uma leitura deturpada do texto legislativo para adequação de uma tese generalizada. A própria ministra Rosa Weber, quando da reafirmação da tese fixada no Tema 247, frisou-se que não estava a “discutir a tributação da empreiteira que contrata os serviços da parte autora”.

O sistema de precedentes garante a segurança jurídica ao jurisdicionado, de fato, visto que garante a homogeneidade das decisões judicionais. Contudo, sua aplicação irrestrita, sem a devida observância acerca da aplicabilidade das decisões invocadas ao caso concreto em discussão pode gerar justamente o efeito contrário.

 


[1] Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

(…) II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65;

(…) § 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.

[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Imposto Devido por Serviço de Concretagem. Revista dos Tribunais. Ano 62, Julho/1973, vol. 453, pp. 45 a 52

[3] HARADA, Kiyoshi. ISS: doutrina e prática. 3ª ed. São Paulo: Editora Dialética, 2024, p. 236.

Autores

  • é advogado tributarista, associado ao escritório Basso, Cadore & Krahl Sociedade de Advogados, pós-graduando em Direito e Processo Tributário, autor de artigos jurídicos e membro de comissões temáticas da OAB-SC.

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