Opinião

Exposição ao ruído e cobrança de adicionais trabalhista e previdenciário

Autores

  • é doutor e mestre em Direito Público pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) diretor titular do Departamento Jurídico da Fiesp presidente do Instituto de Direito Administrativo do Distrito Federal professor do mestrado profissional do IDP (São Paulo) e sócio do Silveira e Unes Advogados.

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  • é advogada especialista em Direito Tributário.

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2 de outubro de 2024, 9h17

Como se sabe, o trabalhador que é submetido a atividades penosas, insalubres ou perigosas previstas em lei tem direito ao recebimento de remuneração adicional. O agente nocivo que dá direito à percepção de adicional de remuneração pode ensejar, também, a adoção de critérios diferenciados de tempo de contribuição e idade para aposentação, quando elencado em norma expedida pelo Executivo. Trata-se do adicional de insalubridade e da aposentadoria especial, ambos assegurados na Constituição (artigos 7º, XXIII, e 201, § 1º, II).

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Quando se trata de exposição a ruído em patamar acima do permitido, o empregador se sujeita ao pagamento do adicional de insalubridade e do adicional de contribuição previdenciária Gilrat [1], à alíquota de 6% [2], que custeia a aposentadoria especial.

Importante ressalvar que a presença de agente nocivo, por si só, não caracteriza a insalubridade da atividade, tampouco as condições extraordinárias que garantem a aposentadoria especial do trabalhador. Tanto a percepção do adicional, quanto o direito à aposentadoria em condições especiais pressupõem a efetiva e permanente (não ocasional nem intermitente) exposição do trabalhador a agentes danosos à sua saúde ou integridade física.

Por essa razão (e por ser prática que representa aumento de produtividade e redução de outros custos), as empresas investem continuamente em medidas de proteção, coletivas e individuais, bem como em programas que promovem higiene e segurança no ambiente de trabalho.

EPI descaracterizaria tempo especial de aposentadoria

Em 2014, o Supremo Tribunal Federal julgou em repercussão geral o ARE 664.335, como leading case no Tema 555, em que se analisou se o fornecimento de equipamento de proteção individual (EPI) eficaz descaracterizaria o tempo especial para aposentadoria.

Nesse julgamento, foram fixadas duas teses [3].

A primeira ratifica que o direito à aposentadoria especial decorre da efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de maneira que a “se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial”.

Spacca

A segunda tese tratou especificamente do agente ruído e estabeleceu que a declaração do empregador no perfil profissiográfico previdenciário (PPP) de uso de equipamento de proteção individual (EPI) eficaz não afasta a aposentadoria especial. Dado o efeito vinculante de tese firmada pelo STF em sede de repercussão geral, os tribunais do país passaram a replicar o entendimento.

Contudo, tem sobressaído interpretação equivocada de que a Corte Constitucional teria estabelecido que a mera presença de ruído acima dos patamares permitidos pela legislação autoriza a percepção de adicional de insalubridade e a adoção dos critérios diferenciados para aposentadoria especial. É o que se observa de decisões proferidas no âmbito da justiça trabalhista [4], bem como da atuação fiscalizatória por parte da Receita Federal, que inclusive editou o Ato Declaratório Interpretativo RFB 2/2019 para amparar o lançamento do Gilrat contra as empresas.

Exposição permanente ao risco para os adicionais

Aqui cabe pontuar que o pagamento dos adicionais trabalhista e previdenciário é medida de justiça, sempre que o trabalhador for exposto a agente nocivo que prejudique sua saúde e lhe cause danos, dentre eles o ruído acima do patamar permitido.

Entretanto, o ordenamento jurídico estabelece a efetiva e permanente exposição do trabalhador ao agente nocivo como circunstância antecedente necessária à obrigação de pagamento do adicional de insalubridade e do adicional previdenciário.

Assim, a aplicação das teses fixadas pelo STF no Tema 555, especialmente aquela quanto ao ruído, deve observar a imprescindibilidade da comprovação dessa efetiva e permanente exposição do trabalhador ao agente nocivo, que não pode ser substituída por simples presunção.

O relatório técnico da eficácia do protetor auditivo, elaborado pela Comissão de Estudo — Equipamentos de Proteção Auditiva da ABNT, por exemplo, apresenta conclusão técnica de que o ruído transmitido pelo ar não tem uma contribuição significativa para o ser humano, bem como que todos os efeitos extra-auditivos comumente atribuídos à exposição ao ruído têm nexo causal com diversas doenças que não estão relacionadas com tal exposição e dependem do histórico médico da pessoa e seu modo de vida.

Com menção a outro estudo, esse mesmo relatório esclarece que a parcela de ruído transmitida via ossos e tecidos é desprezível em ambientes em que o nível de ruído é inferior a 120 dB, uma vez que a parcela transmitida por tais vias é de 40 a 50 dB menor que o ruído transmitido por via área, de modo que a informação de que o protetor auditivo não protege devido ao ruído que é transmitido via ossos e tecidos não procede.

Avaliação para presença de agentes nocivos

Existem, ainda, outros estudos científicos que revelam dados e informações imprescindíveis à avaliação da nocividade do ruído e da eficácia de medidas de proteção, como o EPI.

Tal avaliação, aliás, deve, necessariamente, ser de caráter técnico.

A análise das condições do ambiente do trabalho passa, primeiro, pela aferição da presença de agentes nocivos no local e, em segundo lugar, da verificação da exposição dos trabalhadores a tal agente.

A presença do ruído não implica, automaticamente, que o trabalhador esteja a ele exposto. A exposição do trabalhador a agente nocivo pode não se verificar em razão de medidas de prevenção e elaboração do plano de ação pelo empregador.

Conforme disposto no item 15.4.1, da NR-15 do Ministério do Trabalho e Emprego, a eliminação ou neutralização da insalubridade e nocividade do ruído é alcançada com medidas de ordem geral que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância, bem como por meio da utilização de EPI, aprovado pelo órgão nacional competente, adequado aos níveis de ação, concentração e intensidade do ruído aferido, com higienização e manutenção periódica e substituição, sempre que preciso.

Em linha com o que estabelece a NR-1, o empregador deve implementar medidas de prevenção, dentre elas a eliminação dos fatores de risco, a minimização e controle desses fatores, com a adoção de medidas de proteção coletiva, medidas administrativas ou de organização do trabalho, e, também, a adoção de medidas de proteção individual.

Monitoramento da exposição ao ruído

Algumas ações preventivas que podem ser adotadas é o monitoramento regular da exposição ao ruído, a informação, capacitação e treinamento dos trabalhadores, o acompanhamento médico da saúde ocupacional, e a análise dos acidentes e das doenças relacionadas ao trabalho.

A capacitação deve incluir o treinamento inicial e periódico, além do treinamento eventual, nas hipóteses previstas no item 1.7.1.2.3 da NR-1. Pode incluir, ainda, estágio prático, prática profissional supervisionada, orientação em serviço, exercícios simulados, habilitação para operação de máquinas e equipamentos, dentre outros.

A implementação das medidas de prevenção, eliminação do risco, sua neutralização ou mitigação deve ser registrada e devidamente documentada, para respaldar a empresa em caso de fiscalização ou litígio.

Portanto, todo o conjunto de medidas e ações adotadas deve ser analisado e considerado, quando se trata de averiguar, administrativamente ou em juízo, se há efetiva exposição a agente nocivo no ambiente de trabalho.

A verificação fática de que o trabalhador tenha se sujeitado, de fato, à ação prejudicial de fator agressivo no ambiente de trabalho, como condição à concessão do benefício do adicional remuneratório e da aposentadoria especial, não só é incontornável, como representa a melhor aplicação do precedente estabelecido pelo STF.

Isso porque constou expressamente do voto do relator do ARE 664.335, ministro Luiz Fux, que a tese firmada para o ruído se tratou de solução provisória e sujeita à revisão à luz do conhecimento científico [5].

Plano de ação para melhores práticas

Para que se proceda à reavaliação do entendimento alcançado pelo STF no Tema 555, é indispensável que a tese firmada não seja transformada em presunção absoluta de que o EPI não é capaz de eliminar a nocividade do ruído presente no ambiente de trabalho, isto é, os elementos de prova produzidos que atestem a neutralização ou redução dos efeitos desse agente a patamares permitidos (inclusive por EPI) não podem ser suplantados por um axioma.

A partir da apreciação casuística dos casos concretos, aliás, que será oportunizada ao STF a necessária revisão da tese firmada no Tema 555, manifestada pelo relator Luiz Fux em seu voto. [6]

Dado o cenário atual de litigiosidade e insegurança jurídica, as empresas devem elaborar e implementar um plano de ação embasado nas melhores práticas e no que preveem as normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego [7].

A presente discussão terá novos desdobramentos a partir do julgamento de embargos em recurso de revista, pela Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais do TST (SDI 1) [8] e da Controvérsia 274 [9], pelo Superior Tribunal de Justiça, em que se definirá se o que consta do PPP, por si só, é suficiente para provar a eficácia ou ineficácia do EPI, na neutralização de agentes nocivos à saúde, para fins de reconhecimento de tempo especial para aposentação.

O que se espera é que nossos tribunais superiores prestigiem a segurança jurídica e o equilíbrio nas relações de trabalho e do sistema previdenciário vislumbrado na instituição do adicional de remuneração e da aposentadoria especial.

 


[1] Grau de Incidência de Incapacidade Laborativa decorrente dos Riscos Ambientais do Trabalho.

[2] Conforme artigo 57 da Lei 8.213/1991, cumulado com o item 2.0.1 do Anexo IV do Decreto 3.048/2999.

[3] A transcrição das teses fixadas pelo STF no Tema 555 é a seguinte:

“I – O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial;

II – Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.”

[4] A exemplo do acórdão proferido no AIRR 1548-65.2012.5.15.0012, 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, relator ministro Mauricio Godinho Delgado, Dje. 29/06/2018.

[5] Cita-se o seguinte trecho do voto do ministro relator: “A segunda tese a ser firmada é a seguinte: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. Adequando as duas teses ora firmadas, temos, nesta segunda, solução evidentemente provisória. Se atualmente prevalece o entendimento que não há completa neutralização da nocividade no caso de exposição a ruído acima do limite legal tolerável, no futuro, levando em conta o rápido avanço tecnológico, podem ser desenvolvidos equipamentos, treinamentos e sistemas de fiscalização que garantam a eliminação dos riscos à saúde do trabalhador, de sorte que o benefício da aposentadoria especial não será devido. Caso as inovações citadas sejam efetivamente criadas e implementadas, esta Suprema Corte poderá, então, rever a validade da tese para o caso específico do agente nocivo ruído.”

[6] Um dos instrumentos para a revisitação de tese jurídica formada em sede repercussão geral foi abordada por artigo de coautoria de um dos autores da presente análise, disponível em https://www.jota.info/artigos/revisao-de-tese-constitucional-vinculante.

[7] Em especial a NR-1, NR-6, NR-9 e NR-15 do MTE.

[8] Citam-se o E-RR nº 1730-98.2014.5.12.0033, E-Ag-ARR-47-46.2017.5.17.0012 e E-RR-122400-34.2007.5.17.0014.

[9] Em que foram afetados o REsp 2.080.584/PR, REsp 2.082.072/RS e REsp 2.116.343/RJ, sob relatoria da ministra Maria Thereza de Assis Moura.

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