Opinião

Novidades no conceito de alienação de controle para realização de OPA

Autor

  • Lucas F. G. Bento

    é sócio consultivo e de estratégia de negócios do Thielmann Nogueira Advogados com experiência em governança corporativa Direito Societário e fusões e aquisições mercados capitais sistemas bancário e de pagamentos pesquisador e doutorando na Universidade de Hamburgo com financiamento Albrecht Mendelssohn Bartholdy Graduate School of Law e vinculado à cadeira de Law & Economics do Institut für Recht und Ökonomik e treinador do Núcleo de Arbitragem e Mediação da USP-Ribeirão Preto.

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1 de outubro de 2024, 15h22

Instituto da OPA e proteção aos acionistas minoritários

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Desde a reforma da Lei 6.404/76 pela Lei 10.303/01, a venda de controle em companhias abertas requer uma ofertas públicas de aquisição de ações (OPA) para os acionistas minoritários. Isso garante a esses acionistas o direito de vender suas ações por um preço proporcional ao pago pelos controladores, preservando a equidade no mercado.

O artigo 254-A da Lei das S.A. determina que o comprador de controle deve oferecer, aos demais acionistas com ações votantes, pelo menos 80% do valor pago pelas ações do bloco de controle. Já a B3, em certos segmentos de listagem, assegura um tratamento igualitário entre controladores e minoritários, estendendo a OPA a ações preferenciais.

Essa exigência visa garantir uma proteção adequada aos acionistas não controladores, permitindo que estes possam vender suas ações a um preço proporcionalmente similar àquele pago pelos controladores.

A OPA por alienação de controle é um instrumento de extrema importância para garantir a equidade no mercado de capitais. Ao exigir que o adquirente do controle de uma companhia aberta estenda a oferta aos minoritários, assegura-se que esses investidores não sejam prejudicados em transações que alterem a dinâmica de poder dentro da empresa.

Em contrapartida, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) estabeleceu ao longo dos anos uma interpretação consolidada de que o gatilho da OPA não se ativaria em qualquer situação de venda de ações do bloco de controle, mas apenas quando fosse alienada mais da metade das ações com direito a voto que compõem o controle acionário.

Essa visão normativa buscava evitar a pulverização de alienações que, mesmo sem alterar o controle efetivo da companhia, pudessem gerar insegurança no mercado.

Decisão do STJ: ampliação do conceito de alienação de controle

Em recente julgamento, o Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.837.538/SP [1] trouxe uma nova perspectiva sobre o tema. Diferentemente do entendimento adotado pela CVM, o STJ considerou que a mera alienação quantitativa das ações do bloco de controle não seria o único fator relevante para determinar a necessidade de OPA.

A corte, ao analisar o caso concreto, entendeu que a modificação substancial do controle de fato, ainda que sem transferência da maioria das ações, poderia ensejar o direito de tag along para os acionistas minoritários.

A decisão, ao reconhecer que a titularidade do controle é, na verdade, uma situação de fato, sinaliza uma nova abordagem, mais preocupada com a análise do efeito prático da transação sobre o poder político e gerencial da companhia.

Segundo o STJ, o que deve ser considerado é se houve, de fato, uma mudança relevante na gestão e no centro decisório da empresa, independentemente de ter havido a alienação de uma maioria formal de ações.

Este entendimento inova ao afastar a visão puramente quantitativa da CVM e impõe uma análise mais profunda e casuística das mudanças no controle acionário. Com isso, negócios jurídicos complexos, como as aquisições em etapas ou as multistep acquisitions, podem vir a acionar o direito de tag along dos minoritários, se resultarem na alteração prática do controle.

Precificação da OPA

O preço da OPA por alienação de controle é tema amplamente discutido pela doutrina e tem sido objeto de análise pelo colegiado da CVM ao longo dos anos.

Uma das questões controversas envolve a extensão dos ajustes de preço. Isso se deve ao fato de que o preço por ação decorre de um negócio jurídico privado, formalizado em contrato de compra e venda de participação societária.

Nessas operações, podem ser previstos mecanismos contratuais que aumentem ou reduzam o preço tais como cláusulas de ajuste de preço, retenção, earn-out, indenização e superveniência ativa, entre outros.

Em tais situações, os ofertantes frequentemente tentam aplicar a lógica desses mecanismos ao preço da oferta, o que geralmente resulta na apresentação de duas alternativas de preço aos acionistas minoritários:

  • pagamento à vista do preço da OPA, com determinado desconto; ou
  • pagamento integral do valor ofertado aos controladores na operação de compra e venda de controle, com uma parcela à vista e outras retidas para ajustes futuros, observando os termos do contrato.

No processo administrativo 19957.003983/2022-89 [2], julgado em junho de 2023, a CVM determinou que, quando houver parcelas futuras a serem pagas ou retidas aos acionistas minoritários, devem ser fornecidas informações detalhadas sobre os termos e condições para liberação ou retenção desses valores. Porém não definiu um método preciso para sua consideração no cálculo do preço para a OPA.

Outra questão controversa surge quando a companhia adquirida controla a companhia aberta, ou seja, quando a alteração de controle é indireta. O ofertante deve justificar o preço a ser pago pelas ações da companhia aberta, uma vez que o preço da transação pode envolver outros ativos da controladora. No processo administrativo CVM RJ 2007/96 [3], julgado em março de 2007, o colegiado afirmou que a CVM deve analisar se a justificativa para o preço foi realmente fundamentada.

Relação entre decisão do STJ e entendimento da CVM

O contraste entre o entendimento do STJ e o posicionamento tradicional da CVM levanta importantes questões sobre a segurança jurídica no mercado de capitais. Enquanto a comissão, historicamente, buscou manter uma linha mais rígida e objetiva para a identificação da alienação de controle, baseada em critérios quantitativos, o STJ abre espaço para uma abordagem mais flexível e empírica.

Essa divergência pode trazer incertezas tanto para os investidores quanto para as próprias companhias abertas, que precisarão reavaliar suas estratégias de aquisição e alienação de participações societárias. A segurança jurídica, um dos pilares do mercado de capitais, depende, em larga medida, da previsibilidade das regras.

Assim, a decisão do STJ, ao flexibilizar a interpretação do que constitui uma alienação de controle, ainda que traga uma maior proteção aos minoritários, também gera o desafio de estabelecer critérios claros e objetivos para a análise dessas operações.

Impacto prático nas reorganizações societárias

Com a decisão do STJ, as reorganizações societárias que envolvem a alienação de participações no bloco de controle precisarão ser cuidadosamente planejadas. A tradicional venda de participações de controle, que antes poderia não acionar o mecanismo de tag along caso não envolvesse a alienação de mais da metade das ações do bloco de controle, agora poderá ser vista sob uma nova ótica.

Os players do mercado precisarão avaliar não apenas o número de ações transferidas, mas também o impacto que essa transferência terá sobre a estrutura política e gerencial da companhia. Isso adiciona uma camada extra de complexidade aos negócios, especialmente em transações multinacionais ou que envolvam a sucessão gradual de controle, como no caso de aquisições por meio de consórcios ou fundos de private equity.

Considerações finais

A decisão do STJ no Recurso Especial nº 1.837.538/SP representa um marco na interpretação do artigo 254-A da Lei das Sociedades por Ações, ampliando a proteção aos acionistas minoritários e conferindo uma nova dinâmica ao mercado de capitais brasileiro. A flexibilização do conceito de alienação de controle, ainda que traga maior equidade para os minoritários, gera também novos desafios para as companhias e investidores, que deverão se adequar a essa nova realidade.

A relação entre o novo entendimento do STJ e as normas vigentes da comissão de valores deve ser harmonizada para garantir que o mercado continue a operar com previsibilidade e segurança jurídica. Assim, é fundamental que a CVM reveja suas instruções normativas e atualize suas orientações, à luz dessa decisão, para proporcionar maior clareza e segurança a todos os envolvidos no mercado de capitais.

 


[1] Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201900428671&dt_publicacao=25/06/2024

[2] Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/decisoes/2023/20230622_R1.html

[3] Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/export/sites/cvm/decisoes/anexos/0003/5443-0.pdf

Autores

  • é sócio das áreas de Societário e Mercado de Capitais do TN Advogados, advogado e estudante de Finanças e Negócios pela USP, com passagens pela University of Illinois e University of Chicago, (ambas nos EUA), pós-graduado, nível mestrado, em Direito Comercial na USP e doutorado em Direito Societário e Mercado de Capitais pela Universidade de Hamburgo (Alemanha).

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