Opinião

Na briga de gigantes entre Supremo e X, quem paga o preço?

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1 de outubro de 2024, 16h20

Mais um capítulo da queda de braço entre o Supremo Tribunal Federal e a plataforma X foi vivenciado nos últimos dias.

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Ao que parece objetivando burlar a decisão do ministro Alexandre de Moraes que determinou o bloqueio do X no Brasil, a plataforma alterou seus servidores e colocou a rede novamente no ar. A resposta veio rápido. Além de impor multa diária de R$ 5 milhões para o X, Alexandre  determinou que a Polícia Federal fizesse o “monitoramento de casos extremados do uso do ‘X’, para que, identificado o usuário, seja, em um primeiro momento, notificado da decisão desta Suprema Corte que suspendeu a referida plataforma, dando margem a que, mantido ou reiterado o comportamento, a multa seja aplicada”. Ou seja, aqueles que fizerem “uso extremado” — seja lá o que isso queira dizer — da rede também estão sujeitos à sanção.

Será mesmo que faz sentido penalizar os usuários (ainda que contumazes) da rede? Para responder essa pergunta, algumas premissas merecem ser estabelecidas.

Não há dúvidas de que a livre manifestação de pensamentos e opiniões é um dos pilares centrais de qualquer Estado democrático, garantindo aos cidadãos o direito de expressar suas ideias, crenças e sentimentos sem medo de censura ou represálias. Além disso, a liberdade de expressão é importante mecanismo de controle social. Quando os cidadãos podem criticar o governo e outras instituições — inclusive o STF —, fomenta-se o ambiente de responsabilidade e transparência.

Assim como qualquer direito, contudo, a liberdade de expressão não é absoluta, encontrando limites especialmente quando em conflito com outros direitos. Isso não é novidade e nem foi criado pelo ministro Alexandre de Moraes.

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Bem por isso a propagação de discursos de ódio, desinformação ou informações que possam incitar violência não pode ser justificada sob a égide da liberdade de expressão, merecendo resposta estatal firme.

Monitoramento de usuário é patente violação

As redes sociais têm papel importante no combate a tais práticas, tendo responsabilidade de monitorar e moderar o conteúdo que circula em suas plataformas, por meio da implementação de políticas eficazes para a verificação de fatos e para a remoção de informações falsas. Não se trata de censura, mas da necessária proteção de direitos fundamentais e da devida responsabilização por atos que infringem a legislação vigente.

Assim e em que pese as muitas (e justas) críticas que se possa ter ao chamado Inquérito das Fake News — a heterodoxa forma como foi instaurado, a duvidosa distribuição ao ministro Alexandre de Moraes, o agigantamento de seu objeto etc. —, é fato que a atuação judicial frente à propagação de fake news é legítima e necessária.

Também não há dúvidas de que as decisões do STF têm autoridade e devem ser cumpridas. Nesse contexto, poder-se-ia dizer “compreensível” — apesar de passível de fundamentadas críticas — a decisão do ministro Alexandre de Moraes de bloquear a plataforma X no Brasil, diante das alegadas negativas de cumprimento de suas decisões anteriores.

O que não faz qualquer sentido e não encontra fundamento legítimo algum é a determinação de monitoramento e, no limite, de sanção do mero usuário da rede.

Primeiro, não custa lembrar que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (artigo 5°, II, CF/88). Assim, a imposição, por meio de decisão judicial, de uma proibição “erga omnis” – ou seja, que atinge todos, indiscriminadamente – para deixar de acessar determinada plataforma é, por si, problemática. A situação se agrava quando a proibição vem seguida da imposição de punição também não prevista em lei. Há patente violação do princípio da legalidade, além de preocupante desvio de funções do Judiciário a quem incumbe interpretar leis e não criar proibições e punições.

Também há claro desrespeito ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório. Lembremos que os usuários da rede social, diferentemente do X, não são “parte” do procedimento investigativo.

Embora a determinação do ministro Alexandre Moraes esteja inserida num louvável contexto de combate à desinformação e de defesa democrática, é preciso muita cautela para que medidas excepcionais não se tornem práticas habituais, levando à normalização de um estado de vigilância que compromete direitos fundamentais. Quando as exceções viram a regra, é o Estado que vira de exceção e aí quem paga o pato somos nós, os reles mortais.

Autores

  • é advogada criminalista, mestre em Direito Penal pela New York University, conselheira estadual da OAB-SP e sócia do escritório Toron Advogados.

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