Opinião

Estabilização da tutela antecipada em caráter antecedente

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1 de outubro de 2024, 20h47

A tutela antecipada em caráter antecedente é um mecanismo processual previsto nos artigos 303 e 304 do Código de Processo Civil [1], que visa a assegurar a proteção de direitos em situações de urgência.

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Quando a urgência coincide com o momento da propositura da ação, o autor pode apresentar uma petição inicial que se limite ao pedido de tutela antecipada e à indicação do pedido final. Nesta petição inicial, o autor deve expor os fatos, o direito que busca proteger e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Além disso, o autor deve indicar o valor da causa e manifestar a sua intenção de se beneficiar da tutela antecipada.

O juiz, ao analisar o pedido, poderá conceder a tutela antecipada quando constatar a presença dos requisitos legais, como a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. A decisão pode ser tomada de forma liminar, ou seja, sem a oitiva do réu, caso a urgência justifique esta medida. A tutela antecipada concedida terá caráter temporário e poderá ser revista a qualquer momento, conforme as circunstâncias do caso.

Após a concessão da tutela antecipada, o autor deverá complementar a petição inicial no prazo de 15 dias ou em outro prazo maior que o juiz determinar. Este aditamento deverá incluir novos argumentos, documentos adicionais e a confirmação do pedido de tutela final. O aditamento é realizado nos mesmos autos, sem a necessidade de novas custas processuais. Caso o autor não realize o aditamento no prazo estabelecido, o processo será extinto, sem resolução do mérito.

Com o aditamento da petição inicial, o réu será citado e intimado para comparecer à audiência de conciliação ou mediação. Se não houver acordo entre as partes, o réu deverá ofertar contestação. A partir da citação do réu, o processo seguirá o seu curso normal, com a produção de provas e demais atos processuais.

Tutela pode ser mantida ou modificada

Durante o trâmite processual, a tutela antecipada poderá ser mantida, modificada ou revogada, conforme as provas produzidas e as circunstâncias do caso. O juiz poderá reavaliar a necessidade da medida a qualquer momento e decidir pela sua continuidade ou cessação. A decisão final sobre a tutela antecipada será proferida na sentença que julgar o mérito da ação.

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A tutela antecipada se torna estável se não for interposto recurso pelo réu contra a decisão que a concedeu. Neste caso, o processo será extinto. No entanto, qualquer das partes poderá demandar a outra para revisar, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada. A tutela antecipada manterá os seus efeitos enquanto não for revista, reformada ou invalidada por uma decisão de mérito.

Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que a medida foi concedida, para instruir a petição inicial da ação de revisão, reforma ou invalidação da tutela antecipada. O direito de revisar, reformar ou invalidar a tutela antecipada se extingue após dois anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo. A decisão que concedeu a tutela antecipada não faz coisa julgada, mas a estabilidade dos seus efeitos somente pode ser afastada por uma decisão de mérito que a revise, reforme ou invalide.

Assim sendo, o procedimento da tutela antecipada em caráter antecedente é um instrumento fundamental para a proteção de direitos em situações de urgência, permitindo que medidas imediatas sejam tomadas para evitar danos irreparáveis ou de difícil reparação. A correta aplicação deste instituto garante a efetividade da justiça e a segurança jurídica das partes.

Estabilização da tutela antecipada

Nessa ordem de ideias, a estabilização da tutela antecipada em caráter antecedente é um tema de grande relevância no direito processual civil, especialmente após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015.

O artigo 304, caput, do aludido Código dispõe que a tutela antecipada, concedida nos termos do artigo 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto recurso. No entanto, a interpretação deste dispositivo tem gerado debates e controvérsias, como demonstrado no julgamento do Recurso Especial nº 1.797.365 – RS [2] pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

No referido julgamento, a 1ª Turma do STJ firmou o entendimento de que apenas a interposição de agravo de instrumento contra a decisão que conceder a tutela antecipada em caráter antecedente é capaz de impedir a sua estabilização. Este entendimento foi consolidado com base na interpretação literal do artigo 304, caput, do Código de Processo Civil, o qual menciona a necessidade de interposição de recurso para evitar a estabilização.

Por outro lado, no julgamento do Recurso Especial nº 1.760.966 – SP [3], a 3ª Turma do STJ firmou o entendimento de que a tutela antecipada em caráter antecedente somente se torna estável quando não houver nenhuma espécie de impugnação apresentada pelo réu. Neste caso, a oferta de contestação pelo réu é suficiente para impedir a estabilização da tutela antecipada em caráter antecedente.

De forma semelhante, no julgamento do Recurso Especial nº 1.938.645 – CE [4], realizado em 04/06/2024, a 4ª Turma do STJ também firmou o entendimento de que a tutela antecipada em caráter antecedente não se estabiliza quando houver impugnação pelo réu, mesmo que esta seja promovida por meio de contestação. Desse modo, a ausência de interposição de recurso contra a decisão concessiva da tutela antecipada em caráter antecedente não acarreta a sua estabilização, se a parte se opôs a ela mediante a oferta de contestação.

Logo, a posição atual e majoritária do Superior Tribunal de Justiça é a de que a estabilização da tutela antecipada em caráter antecedente pode ser impedida não apenas pela interposição de agravo de instrumento, mas também pela apresentação de contestação pelo réu.

Por conseguinte, a interpretação sistemática e teleológica do artigo 304, caput, do Código de Processo Civil, adotada pela maioria das Turmas do STJ, evita a sobrecarga dos tribunais com a interposição de agravos de instrumento e promove a economia processual.

A estabilização da tutela antecipada em caráter antecedente, portanto, somente ocorre na ausência de qualquer espécie de impugnação pelo réu, seja por meio de agravo de instrumento ou de contestação. Este entendimento garante a efetividade da justiça e a segurança jurídica das partes, promovendo um processo mais célere e eficiente.

 


[1] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm

[2] https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=101757569&num_registro=201900408487&data=20191022&tipo=5&formato=PDF

[3] https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=87842062&num_registro=201801452716&data=20181207&tipo=5&formato=PDF

[4] https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=5&documento_sequencial=248954722&registro_numero=202101489065&peticao_numero=&publicacao_data=20240906&formato=PDF

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