O regime de dedicação exclusiva para professores do magistério federal
30 de novembro de 2024, 13h28
O regime de dedicação exclusiva para professores do magistério federal está previsto no §2º do artigo 20 da Lei 12.772/2012. A norma prevê que o regime de 40 horas semanais com dedicação exclusiva implica o impedimento do exercício de outra atividade remunerada, pública ou privada, com as exceções previstas nesta lei. As exceções estão previstas no artigo 21 da lei, e logo voltaremos a elas.
Antes disso, é preciso dizer que a experiência na advocacia demonstra que a regra, aparentemente simples, é mais complexa do que se imagina. Não raro recebo docentes submetidos à dedicação exclusiva que respondem a processo administrativo disciplinar (PAD) ou até mesmo ação de improbidade administrativa em razão de suposta acumulação ilegal de funções. Isso normalmente acontece com professores universitários que, por sua grande expertise na respectiva área de atuação, também são reconhecidos no mercado privado, nacional ou internacional.
Nesse cenário, portanto, não é incomum que apareçam convites para que o profissional se apresente em palestras, conduza cursos de formação, auxilie colegas menos experientes, faça investimentos em empresas do ramo, etc. E aqui começa a grande dor de cabeça, embora ela se manifeste, na maioria dos casos, apenas no momento de registro da aposentadoria perante o Tribunal de Contas da União (TCU), que notifica o cliente a respeito da existência de vínculos incompatíveis com a dedicação exclusiva. Vamos, agora, para duas questões essenciais.
Apenas atividades remuneradas são proibidas?
Como disse, as consequências práticas advindas da lei são mais problemáticas do que imaginamos. Em sua redação (artigo 20, §2º), parece-nos que somente o exercício de “outra atividade remunerada”, pública ou privada, causaria complicações. Porém, mais de uma vez, atuei em casos cujo cliente não havia recebido sequer um centavo das empresas privadas às quais tinha o seu nome vinculado. Para o TCU, a simples identificação de vínculos distintos bastou para considerar a aposentadoria ilegal e determinar ao órgão de origem que corrigisse o ato.
Aqui temos dois problemas. O primeiro se traduz numa espécie de superficialidade do Tribunal de Contas ao analisar esses casos. Naqueles em que atuei como advogado, a Corte sequer solicitou documentos ou informações ao órgão de origem e muito menos ao servidor interessado. Por meio de uma análise puramente informatizada, constatou a existência de vínculos privados e julgou ilegal o ato de aposentadoria, o que não deixa de soar absurdo quando estamos diante de uma decisão de tamanha relevância na vida pessoal de alguém.
De outro lado, o segundo problema está na Súmula Vinculante 3 do STF, segundo a qual, nos casos de apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão, ainda que a decisão resulte em anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, é dispensável o contraditório e a ampla defesa. Ou seja: mesmo no cenário citado acima, em que o TCU quase nunca investiga de forma aprofundada as supostas acumulações ilegais de cargo, o servidor não possui direito de se manifestar ou de produzir explicações sobre o seu caso concreto.
Portanto, quando o servidor sob regime de dedicação exclusiva mantém qualquer espécie de vínculo com instituição privada ou pública, o simples fato de não receber remuneração não tem sido suficiente para evitar complicações perante o Tribunal de Contas, embora isso contrarie a literalidade da lei, gerando a necessidade de judicialização da questão.
Em quais hipóteses pode ser exercida outra atividade remunerada?
O rol de exceções à regra, conforme antecipei, está contido no art. 21 da mesma legislação e elenca 12 (doze) hipóteses em que o professor, mesmo submetido ao regime de dedicação exclusiva, poderá receber verbas de outra instituição, pública ou privada:
Art. 21. No regime de dedicação exclusiva, será admitida, observadas as condições da regulamentação própria de cada IFE, a percepção de:
I – remuneração de cargos de direção ou funções de confiança;
II – retribuição por participação em comissões julgadoras ou verificadoras relacionadas ao ensino, pesquisa ou extensão, quando for o caso;
III – bolsa de ensino, pesquisa, extensão ou estímulo à inovação paga por agência oficial de fomento, por fundação de apoio devidamente credenciada por IFE ou por organismo internacional amparado por ato, tratado ou convenção internacional;
IV – bolsa pelo desempenho de atividades de formação de professores da educação básica, no âmbito da Universidade Aberta do Brasil ou de outros programas oficiais de formação de professores;
V – bolsa para qualificação docente, paga por agências oficiais de fomento ou organismos nacionais e internacionais congêneres;
VI – direitos autorais ou direitos de propriedade intelectual, nos termos da legislação própria, e ganhos econômicos resultantes de projetos de inovação tecnológica, nos termos do art. 13 da Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004;
VII – outras hipóteses de bolsas de ensino, pesquisa e extensão, pagas pelas IFE, nos termos de regulamentação de seus órgãos colegiados superiores;
VIII – retribuição pecuniária, na forma de pro labore ou cachê pago diretamente ao docente por ente distinto da IFE, pela participação esporádica em palestras, conferências, atividades artísticas e culturais relacionadas à área de atuação do docente;
IX – Gratificação por Encargo de Curso ou Concurso, de que trata o art. 76-A da Lei nº 8.112, de 1990 ;
X – Função Comissionada de Coordenação de Curso – FCC, de que trata o art. 7º da Lei nº 12.677, de 25 de junho de 2012 ; (Redação dada pela Lei nº 12.863, de 2013)
XI – retribuição pecuniária, em caráter eventual, por trabalho prestado no âmbito de projetos institucionais de ensino, pesquisa e extensão, na forma da Lei nº 8.958, de 20 de dezembro de 1994 ; e (Redação dada pela Lei nº 12.863, de 2013)
XII – retribuição pecuniária por colaboração esporádica de natureza científica ou tecnológica em assuntos de especialidade do docente, inclusive em polos de inovação tecnológica, devidamente autorizada pela IFE de acordo com suas regras.
Tendo em vista que a maioria das possibilidades descritas na lei é autoexplicativa, destaco, em especial, as hipóteses previstas nos incisos VIII e XII.
No primeiro caso (inciso VIII), fica permitida a retribuição pecuniária por participação esporádica em palestras, conferências, atividades artísticas e culturais relacionadas à área de atuação do docente. Devemos nos atentar, antes de mais nada, à condicionante de “participação esporádica”. O §1º do artigo 21 vai dizer que considera-se esporádica a participação remunerada que, no total, não exceda 30 horas anuais. Portanto, a conclusão lógica é que o número de vezes que o docente participou dos referidos eventos externos à instituição importa menos do que a duração (em carga horária) de cada uma dessas participações.
Por fim, é importante frisar a exigência, contida na parte final do inciso, de que as colaborações esporádicas sejam necessariamente relacionadas à área de atuação do docente, não sendo permitida a remuneração por atividades que pouco ou em nada se relacionam com o campo de estudos do professor.
No segundo caso (inciso XII), a colaboração esporádica aparece novamente, mas agora com uma exigência mais específica, ou seja, de que a atuação seja de natureza científica ou tecnológica em assuntos de especialidade do docente. Embora se assemelhe ao caso anterior, parece-me que a lei optou por distinguir eventos mais abstratos ou genéricos daqueles com caráter mais técnico. Ainda, outro ponto relevante deste inciso é a expressa condição de que a IFE autorize a participação do docente na referida colaboração, de acordo com seu regimento — exigência que não está presente no caso do inciso VIII.
Sendo assim, antes de realizar qualquer atividade que não seja aquela vinculada ao órgão de origem, sugiro que todos os servidores públicos busquem aconselhamento jurídico com um advogado de confiança, a fim de que o “detalhe” de hoje não se torne uma complicação jurídica extenuante e injusta no futuro.
Anotação crítica à dedicação exclusiva
Destacados os pontos de cuidado que considero mais relevantes, arrisco uma reflexão crítica sobre esse regime de trabalho. Entendo que a dedicação exclusiva signifique, para o poder público, contar integralmente com a força de trabalho daqueles docentes com reconhecida qualidade em seu ensino, pesquisa e extensão. Dedicar-se 40 horas semanais à instituição revela uma maior capacidade de planejamento e distribuição das atividades acadêmicas.
Entretanto, julgo que a exigência legal não pode traduzir um isolamento dos docentes submetidos ao regime de DE. Se considerarmos o caso dos médicos, por exemplo, é necessário reconhecer que muitas especialidades exigem uma atuação prática, e um envolvimento com outros profissionais, a nível nacional e internacional, para que seja possível um nível de atualização compatível com o mercado, e que será revertido em favor dos próprios alunos. Porém, o limite de 30 horas anuais não parece permitir tamanho engajamento. Estamos falando de menos de três horas por mês, o que significa talvez menos do que um congresso ou seminário mensalmente.
É preciso refletir, portanto, em qual medida um suposto protecionismo ao patrimônio público não poderá gerar, talvez a longo prazo, um desinteresse e um distanciamento das raras e grandes inteligências em relação às universidades públicas.
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