Fusões e aquisições concentram varejo, consumo, saúde e tecnologia
29 de novembro de 2024, 11h49
*Reportagem publicada no Anuário da Justiça Direito Empresarial 2024, lançado na última segunda-feira, na Fiesp. A versão impressa está à venda na Livraria ConJur (clique aqui). Acesse a versão digital pelo site do Anuário da Justiça (anuario.conjur.com.br).
Expandir a participação ou estrear em um determinado mercado, ampliar a presença da empresa ou chegar em lugares onde a marca ainda é desconhecida, buscar sinergias com concorrentes – ou não – para aperfeiçoar a competitividade e, claro, aumentar o faturamento são alguns dos objetivos das operações de fusões e aquisições (mais conhecidas pela sigla em inglês M&A e menos pelo acrônimo em português F&A).
Mas para que a compra ou o incremento de market share não ofereça risco à livre concorrência, as transações são regidas pela Lei Antitruste (Lei 12.529/2011) e reguladas pelo próprio Estado, por meio do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), vinculado ao Ministério da Justiça.
Antes de consumar o negócio, as empresas devem notificar as operações, através de atos de concentração, ao Cade, a quem cabe avaliar eventuais prejuízos concorrenciais para dar ou não aval à fusão/aquisição. Esse controle deve ser feito quando uma das partes envolvidas tenha faturamento anual no Brasil de, pelo menos, R$ 750 milhões e a outra, de R$ 75 milhões.
O artigo 90 da Lei Antitruste dispõe que atos de concentração vão além da fusão de duas ou mais empresas independentes ou da aquisição de controle total ou parcial de companhias. A legislação também considera como ato de concentração as incorporações de uma ou mais empresas por outras; celebração de contrato associativo, consórcios ou joint ventures (união entre duas ou mais empresas para a criação de novo agente econômico, sem a extinção dos agentes que lhe deram origem). Consórcios ou associações destinados à participação em licitações públicas ficam de fora do exame antitruste.
No Brasil, o cenário das M&As no último ano não foi dos melhores. A manutenção da taxa de juros elevada nos Estados Unidos, conflitos geopolíticos e instabilidades políticas e econômicas aqui no país têm reduzido o apetite dos investidores, segundo especialistas do setor ouvidos pelo Anuário da Justiça.
“São todos esses elementos em conjunto que vão gerando um movimento de menos apetite para transações, mas principalmente de investimento com capital estrangeiro, que sempre foi a maior parte das nossas transações. Essas operações, principalmente com players financeiros que envolvem capital externo, estão acontecendo em número bem menor se você comparar com anos anteriores”, explicou a advogada Sabrina Naritomi, da área de M&A do Mattos Filho.
Dados da PwC, multinacional de consultoria empresarial e auditoria, revelaram que o volume de fusões e aquisições no Brasil em 2023 caiu ao menor nível desde a pandemia (2020). Foram contabilizadas 1.287 operações no país no último ano, ante 1.556 em 2022 – redução de 17%; em 2021 foram 1.659 e, em 2020, 1.038. “Passada a onda de extrema liquidez causada durante e imediatamente após a pandemia, os investidores encontraram um cenário em que o dinheiro está mais caro (juros altos) e o futuro, mais incerto. O cenário global também impacta o mercado brasileiro, seja por conta das crises geopolíticas ou, em alguns casos, pela maior atratividade de outros países”, explicou Jefferson Nesello, cofundador e sócio da boutique de M&A Zaxo, uma empresa especializada em prestar serviços de assessoria financeira para fusões e aquisições.
Apesar da desaceleração recente do número de M&As, dos últimos anos para cá, grandes empresas – em boa parte estrangeiras – têm abocanhado concorrentes e se transformado em gigantes de diversos setores da economia brasileira, como varejo, consumo, saúde e tecnologia.
A desvalorização do Real frente ao Dólar, explica o advogado Ricardo Thomazinho, especialista em fusões e aquisições do Urbano Vitalino Advogados, atrai investimentos estrangeiros e deve dar o tom das operações em 2024. “A percepção sobre a economia brasileira fica prejudicada, mas nossos ativos ficam mais baratos aos olhos dos estrangeiros. Nossa impressão é de que o mercado reagirá e o Brasil certamente oferece oportunidades, especialmente no campo da infraestrutura, energias renováveis, agronegócio e tecnologia da informação”, prevê.
No varejo alimentar, uma das mais relevantes aquisições dos últimos anos foi a compra do Grupo Big (ex-Walmart) pelo Carrefour. O negócio, fechado inicialmente em R$ 7 bilhões e aprovado pelo tribunal do Cade em 2022, consolidou a varejista francesa como líder isolada no varejo brasileiro, em termos de faturamento, e transformou a empresa em um colosso do setor supermercadista.
A aquisição, somada à cisão do Assaí do Grupo Pão de Açúcar, em 2021, e ao crescimento do Grupo Mateus (presente no Norte e Nordeste), tirou a supermercadista fundada pela família Diniz do topo do ranking das maiores varejistas alimentares do país.
Ainda no setor de varejo de alimentos, apenas três meses depois de vencer uma batalha de duas décadas no Cade e precisar ir à Justiça para concluir a compra da Chocolates Garoto, a Nestlé foi novamente às compras e adquiriu o controle do Grupo CRM, dona da Kopenhagen e da Brasil Cacau. Estimada extraoficialmente no mercado em R$ 4,5 bilhões, a transação foi avalizada pela superintendência-geral do órgão antitruste em fevereiro de 2024, sem restrições.
Na área da saúde, a operadora de planos de saúde Amil e o grupo Dasa, companhia de medicina diagnóstica, assinaram acordo para criação de joint venture. A combinação dos negócios, que ainda precisa passar pelo Cade, resultará na segunda maior rede de hospitais, em termos de tamanho, perdendo apenas para a Rede D’Or. Em janeiro, a superintendência-geral do órgão antitruste já havia aprovado a compra da Amil pelo empresário José Seripieri Filho, fundador da Qualicorp, por R$ 11 bilhões.
Já no setor de aviação comercial, o acordo de compartilhamento de voos firmado em maio de 2024 entre Azul e Gol (em recuperação judicial nos Estados Unidos) aumentou as expectativas sobre uma possível fusão. O Cade, que não havia sido notificado sobre a codeshare (que envolve a operação de linhas uma da outra e até a união dos programas de fidelidade), decidiu instaurar procedimento para apuração de ato de concentração (Apac).
Pela legislação, a análise dos atos de concentração pelo Cade, órgão antitruste brasileiro ligado ao Ministério da Justiça, deve ser concluída em até 240 dias, prorrogáveis por mais 90 dias a critério do Tribunal Administrativo de Defesa Econômica do Cade (Tade) ou por mais 60 dias a pedido das partes.
Desde 2012, com o advento da nova Lei de Defesa da Concorrência, ou Lei Antitruste (Lei 12.529/2011), o Cade foi reestruturado e passou a adotar a análise prévia (rito sumário) dos atos de concentração de operações com menor potencial ofensivo à concorrência. Neste caso, o julgamento do ato de concentração é mais ágil, feito pela superintendência-geral (SG) do órgão. Desde 2016, o prazo para análise sumária é de 30 dias.
Atualmente, a esmagadora maioria dos julgamentos é feita sob o rito sumário. Em 2023, representou expressivos 91,3% das análises pelo Cade, em um tempo médio de tramitação de 12,6 dias.
Dentre os critérios considerados como simples pelo Cade para remeter o ato de concentração à análise sumária por parte da SG, estão: joint-ventures clássicas ou cooperativas; substituição de agente econômico; e baixa participação nos mercados relevantes analisados. A decisão de aprovação por parte da SG pode ser remetida ao tribunal do Cade, em até 15 dias, por meio de recursos interpostos por terceiros habilitados no processo. Os próprios conselheiros do Tade também podem decidir pela avocação do ato caso entendam pela existência de riscos concorrenciais.
Ao medir a presença de uma marca em um determinado mercado para identificar o impacto concorrencial de uma fusão/aquisição, o Cade considera três espécies de concentração: sobreposição horizontal, caracterizada quando há a junção de empresas que atuam em um mesmo segmento e, portanto, são concorrentes diretas (como no caso da compra da Garoto pela Nestlé); integração vertical, nos casos de fusões/aquisições entre empresas que atuam em diferentes etapas da cadeia produtiva (compra de uma loja de calçados por parte de uma fabricante do mesmo produto, por exemplo); e conglomerados, em que há a combinação de negócios completamente distintos.
Nas sobreposições horizontais, o Cade estabelece como patamar baixo de participação no mercado “situações em que a operação gerar o controle de parcela do mercado relevante comprovadamente abaixo de 20%”.
O órgão também usa o Índice Herfindahl-Hirschman (HHI, que mede a dimensão da empresa relativamente ao seu setor de atividade e indica o grau de concorrência entre ela e outras empresas) para calcular o impacto de uma transação no nível de concentração que um mercado já possui (nexo de causalidade).
“Operações que resultem em mercados com HHI acima de 2.500 pontos (altamente concentrados), e envolvam variação do índice (após o ato de concentração) acima de 200 pontos presumivelmente geram aumento de poder de mercado”, diz o guia Análise de Atos de Concentração Horizontal, uma publicação que norteia a jurisprudência do Cade.
O órgão antitruste entende como integrações verticais reduzidas “situações em que nenhuma das requerentes ou seu grupo econômico comprovadamente controlar parcela superior a 30% de quaisquer dos mercados relevantes verticalmente integrados”.
Já a jurisprudência do Cade no que diz respeito às concentrações com efeitos conglomerados ainda não é sólida. Entre 2012 e 2022, o órgão proferiu apenas 61 decisões em atos de concentração envolvendo efeitos conglomerados – desse total, 75,4% das transações foram aprovadas sem restrições. “A jurisprudência do Cade sobre fusões conglomerais ainda está em construção e tenderá a amadurecer conforme a autoridade antitruste avance na assimilação das novas teorias e acumule maior experiência na investigação dos efeitos conglomerados”, diz documento publicado pelo órgão em 2023.
Apesar disso, a autarquia tem aperfeiçoado seu entendimento no sentido de que há a possibilidade de uma operação gerar efeitos conglomerados quando envolver uma combinação de elementos horizontais, verticais e conglomerais. Nesses casos, a análise de poder de portfólio, um dos efeitos desse tipo de operação, é o controle mais comum.
Foi justamente essa a preocupação na análise do ato de concentração envolvendo Arezzo e o Grupo Soma que, após a combinação dos negócios, se tornaram um dos maiores players do varejo de vestuário e calçados do país, com 34 marcas sob seu controle e um faturamento de R$ 12 bilhões.
Em 2021, o Cade também levantou preocupações relacionadas ao acesso a informações privilegiadas em fusões com efeitos conglomerados, como no caso da aquisição da Hub Pagamentos por parte da Magalu Pagamentos. Levantou-se a hipótese de a empresa de pagamentos pertencente ao Magazine Luiza obter acesso à base de dados bancários da Hub, configurando um exemplo de data-driven merger, extraindo vantagens competitivas indevidas. O risco, porém, foi descartado pelo órgão, que considerou que haviam robustas salvaguardas contratuais existentes, além de obrigações regulatórias impostas pelo Banco Central que previnem acessos indevidos a informações.
Para o advogado Márcio Soares, da área concorrencial do Mattos Filho Advogados, o Conselho tem ampliado o olhar nas análises de atos de concentração, evidenciando uma postura menos permissiva. “No Brasil não há regras mais agressivas como na Europa e nos Estados Unidos, que levam em consideração a nacionalidade do investidor, o que é bom, pois mostra que o nosso país é receptivo ao investimento estrangeiro. Mas em relação a algumas indústrias específicas, vejo maior cautela por parte do Cade. Neste ano, houve uma operação bloqueada, o que não é tão comum. Inclusive, questionam se o Conselho não foi muito agressivo porque o grau de concentração gerado no mercado estava na casa dos seus 40%, algo que, em outras oportunidades, o Cade já aprovou”, afirmou, ao mencionar o veto do órgão, em abril de 2024, ao ato de concentração envolvendo a compra da planta de fabricação de placas de gesso drywall da Trevo Industrial de Acartonados por parte da Knauf do Brasil.
A operação foi reprovada porque, segundo o relator, conselheiro Victor Oliveira Fernandes, o mercado de placas de gesso drywall já é concentrado (possui apenas quatro players do produto) e não há registros de entrada de novos concorrentes nos últimos anos.
Anuário da Justiça Direito Empresarial 2024
2ª edição
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