Destinação dos valores das multas e de condenações genéricas na tutela coletiva
29 de novembro de 2024, 8h00
A ação civil pública é o principal instrumento de tutela coletiva em juízo, buscando-se, por meio dela, o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer com relação à observância das normas trabalhistas, mediante cominações (multas), chamadas de astreintes (artigo 11 da Lei nº 7.347/85), pelo descumprimento do comando judicial.
As cominações (multas), para o caso de descumprimento das normas trabalhistas, são fixadas em valores cumulativos, com o objetivo de desestimular o descumprimento da ordem emanada do Poder Judiciário, ao contrário das penalidades aplicadas administrativamente pela inspeção do trabalho, cujos montantes, em certas situações, são irrisórios a ponto de “incentivar” o descumprimento das normas legais. A natureza das cominações é de sanção econômica desencorajadora do descumprimento da ordem jurídica.
Assim, na ação civil pública podem ser feitos os seguintes pedidos:
- a) de obrigações de fazer ou não fazer;
- b) de cominação (multa/astreintes);
- c) de condenação por danos genéricos já causados;
- d) de tutelas de urgência e evidência;
- e) de tutelas de execução.
Com relação aos danos genéricos e pretéritos, tem sido comum na área trabalhista a condenação do réu por dano moral coletivo, que é definido como a injusta lesão a direitos e interesses metaindividuais socialmente relevantes para a coletividade (grupos, classes, categorias ou a coletividade difusamente considerada).
Essa condenação tem base na Constituição (artigo 5º, incisos V e X), na Lei nº 7.347/85 (artigo 1º) e no CDC (artigo 6º, inciso VI).
O artigo 13 da Lei nº 7.347/85 (“Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados”).
Como estabelece a lei, a finalidade da condenação coletiva é fazer a reconstituição dos bens lesados, podendo os valores ser alternativamente destinados a órgãos e entidades públicos e privados, desde que atuem na proteção dos interesses metaindividuais violados no caso concreto.
Problema que vinha sendo enfrenta na Justiça do Trabalho era sobre a destinação desses valores, uma vez que não há um fundo próprio na área trabalhista, como noutros ramos do Poder Judiciário. Inicialmente eram destinados quase que exclusivamente para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que não é um fundo adequado, na forma do artigo 13 da Lei nº 7.347/85.
Como não havia um fundo próprio para receber esses valores, nem a obrigação legal de remeter os valores das reparações e multas para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), magistrados e membros do Ministério Público tinham maior liberdade para mandar “x” para o FAT (ou não mandar nada) e “y” ou a totalidade para uma entidade de proteção a determinado interesse coletivo e/ou difuso na sociedade. Às vezes destinavam valores especificamente para a construção de um hospital, de uma creche, para pagar cursos de formação etc., desde que com destinação para a coletividade atingida, dando-se aplicação ao artigo 13 da Lei nº 7.347/85.
A resolução do CNJ e do CNMP
Para sanar divergências, a Resolução Conjunta nº 10 de 29/5/2024, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), dispôs sobre os procedimentos e as medidas para a destinação de bens e recursos decorrentes de decisões judiciais e instrumentos negociais de autocomposição em tutela coletiva, incluindo multas pelo descumprimento das obrigações impostas ou pactuadas, bem como estabelece sobre medidas de transparência, impessoalidade, fiscalização e prestação de contas.
Essa resolução conjunta diz que os valores decorrentes de condenação em indenização pecuniária genérica reverterão para um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados, na forma do artigo 13 da Lei nº 7.347/1985.
Deixa claro essa resolução conjunta que a reparação ou compensação pecuniária deverá: I – ser proporcional à dimensão do dano; II – beneficiar, preferencialmente, os locais e as comunidades diretamente atingidos pela lesão ou ameaça de lesão; e III – ser aplicada em finalidades que guardem pertinência temática com a natureza do bem jurídico lesado ou ameaçado.
Ademais disso, permite essa resolução conjunta que magistrados e membros do Ministério Público possam indicar como destinatários desses valores instituições, entidades e órgãos públicos federais, estaduais, distritais ou municipais que promovam direitos diretamente relacionados à natureza do dano causado, mediante medidas de transparência, impessoalidade, fiscalização e prestação de contas da sua efetiva aplicação.
Em resumo, o CNJ e o CNMP, finalmente, regularam sobre a destinação de valores decorrentes de condenação em indenização pecuniária genérica e multas, que reverterão para um fundo Federal ou Estadual, desde que seus recursos sejam destinados à reconstituição dos bens lesados com a promoção de direitos diretamente relacionados à natureza do dano causado.
Também ficou permitida sua destinação para instituições, entidades e órgãos públicos federais, estaduais, distritais ou municipais, que promovam direitos diretamente relacionados à natureza do dano causado, mas, em qualquer hipótese, mediante medidas de transparência, impessoalidade, fiscalização e prestação de contas da sua efetiva aplicação.
Por fim, essa resolução vedou a destinação de bens, recursos e multas para manutenção ou custeio de atividades do Poder Judiciário e do Ministério Público, para remuneração ou promoção pessoal de membros ou servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público ou de integrantes das instituições, entidades ou órgãos beneficiários, para atividades ou fins político-partidários, para pessoas jurídicas de direito privado não regularmente constituídas ou constituídas há menos de três anos, para pessoas físicas, para destinatários de bens ou recursos que os tenham recebido anteriormente, mas tenham deixado de prestar integralmente as contas nos prazos assinalados no respectivo acordo, para destinatários de bens ou recursos que tenham deixado de aplicá-los na finalidade prevista, para pessoas jurídicas que não estejam em situação regular na esfera tributária, previdenciária e de contribuições ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), para destinatários em que membros e servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público, seus cônjuges, companheiros ou parentes em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, participem da administração, de forma direta ou indireta e para destinatários que representem um conflito entre o interesse público e interesses privados.
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