Absolvição de acusado de execução é estendida a outros réus
29 de novembro de 2024, 20h57
Um crime, quatro réus, nenhum culpado. Após 12 anos e oito meses, esse foi o desfecho da execução do ex-secretário municipal de Guarujá (SP) Ricardo Augusto Joaquim de Oliveira, cometida durante reunião político-partidária. Em sentença prolatada na última sexta-feira (22/11), o juiz Antonio Carlos Pontes de Souza, da 1ª Vara do Júri de São Paulo, aplicou o princípio da correlação ou congruência para estender os efeitos da absolvição do único acusado de atirar na vítima aos outros três denunciados.
O suposto atirador absolvido é um policial militar. Conforme a denúncia, os demais réus e as suas respectivas participações no crime são: um ex-policial militar, que deu cobertura ao autor dos disparos e depois fugiu com ele em duas motos; e dois empresários acusados de contratarem o assassinato. Segundo o Ministério Público, os mandantes agiram por vingança porque a vítima não cumpriu pretenso acordo para “anistiá-los” de vultosa dívida de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).
Na fundamentação de sua sentença, Souza aplicou analogicamente o artigo 580 do Código de Processo Penal (CPP), conforme o qual, “no caso de concurso de agentes, a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros”. Segundo ele, essa regra garante a eficácia erga omnes (para todos) do caso julgado e dá coesão ao ordenamento, evitando decisões logicamente inconciliáveis entre si.
Segundo o juiz, o Superior Tribunal de Justiça admite a aplicação analógica do artigo 580 em pedido de extensão da coisa julgada no Tribunal do Júri. Ele também citou o promotor Walfredo Campos, que no livro Tribunal do Júri — Teoria e Prática sustenta: “Absolvido o autor material do fato, por negativa de materialidade/autoria, ou reconhecimento de causa excludente de ilicitude, automaticamente estão absolvidos os partícipes por decisão motivada absolutória do juiz presidente”.
Acessório segue o principal
“A sorte do partícipe segue o destino do autor material do delito”, observou o julgador, invocando que a sua decisão tem amparo de direito material no artigo 29 do Código Penal. “O réu absolvido era o suposto executor (autor imediato) do delito. […] Nesses termos, se o tribunal do júri, soberanamente, reconheceu que o autor material do delito não cometeu crime nenhum (pois negou sua autoria), o partícipe mandante, instigador, não pode ser punido”.
De acordo com o julgador, o fundamento de direito processual da sua sentença se extrai do princípio da correlação, adstrição ou congruência. Com a absolvição do suposto autor dos disparos, a narrativa acusatória, sob o ponto de vista global, não se sustenta mais e “não tem mais qualquer razão de existir”. Souza observou que, se os mandantes fossem levados a júri, não seria possível acusá-los de contratar outra pessoa que não o réu absolvido, pois isso não consta da denúncia e pronúncia.
O pedido de extensão foi feito pelo advogado Eugênio Carlo Balliano Malavasi em favor de um dos réus. Alegando falta de amparo legal, o MP se manifestou pelo seu indeferimento. Porém, para o juiz, é caso de se estender os efeitos da absolvição definitiva do policial militar para os outros réus, absolvendo-os dos delitos a eles imputados no mesmo processo. Com essa decisão, o juiz determinou a cessação imediata de eventuais medidas cautelares pendentes contra eles.
Malavasi defendeu a extensão ao cliente dos efeitos da absolvição do suposto executor, “sob pena de violação ao princípio da isonomia”, porque ambos se encontram em idêntica situação fático-processual. “Não há que se falar em ofensa à competência constitucionalmente atribuída ao tribunal do júri, uma vez que a decisão que absolveu um dos acusados foi proferida regularmente pelo conselho de sentença ao analisar o mesmíssimo fato criminoso imputado a todos os réus denunciados.”
Caminho pavimentado
A absolvição dos quatro réus foi pavimentada a partir da decisão que inocentou o policial militar. Esse acusado foi levado a júri em 20 de outubro de 2017. A sessão durou três dias e os jurados acolheram a tese de negativa de autoria do advogado Alex Sandro Ochsendorf. O defensor sustentou que o cliente não poderia ser o autor dos três tiros de pistola calibre 45 que atingiram a vítima porque ele estava em um supermercado no momento do crime.
O MP apelou e, em fevereiro de 2022, por 2 votos a 1, a 5ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento ao recurso. O júri dos demais réus estava marcado para maio de 2025, mas com o trânsito em julgado da absolvição do acusado de ser o executor, Ochsendorf impetrou Habeas Corpus substitutivo a recurso especial no STJ, pleiteando a despronúncia de outro cliente seu no processo.
Antes que o Habeas Corpus fosse pautado para julgamento, o juízo da 1ª Vara do Júri de São Paulo apreciou o pedido de extensão formulado por Malavasi. O processo tramitou pela 2ª Vara Criminal de Guarujá até a decisão de pronúncia. Em maio de 2016, a 5ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP desaforou a ação para a Capital. As defesas dos réus colocaram em dúvidas a imparcialidade dos jurados guarujaenses para apreciar o caso porque a vítima era bastante conhecida e bem-quista na comarca.
Processo 0006180-28.2012.8.26.0223
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