GROSSERIA IMPUNÍVEL

Sem intenção de atingir honra alheia, declaração ofensiva não é difamação

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28 de novembro de 2024, 19h57

Sem a intenção de atingir a honra de outra pessoa, uma declaração ofensiva não é suficiente para caracterizar o crime de difamação. Além disso, a conduta também é atípica se o agente a pratica sob a proteção de alguma causa excludente de responsabilização jurídica, como é o caso da imunidade parlamentar.

câmara municipal de Piracicaba

As ofensas aconteceram durante sessão da Câmara Municipal de Piracicaba

Com esses fundamentos, a 1ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento ao recurso de apelação da deputada estadual Professora Bebel (PT) contra sentença que julgou improcedente queixa-crime de difamação. O acusado desse delito foi o vereador Fabricio Polezi (PL), de Piracicaba.

“Ainda que indecorosas e grosseiras, não se extrai das expressões utilizadas pelo querelado intento deliberado de lesar a honra da querelante; embora desconfortáveis, balizam-se dentro do limite da crítica política de grupos antagônicos (animus criticandi)”, pontuou a desembargadora Ana Zomer, relatora da apelação.

A deputada narrou na queixa-crime que o vereador tentou manchar a sua reputação pessoal e profissional construída ao longo de anos. “Para tanto, o querelado se socorreu a uma linguagem totalmente indecorosa, distanciando-se de qualquer debate político que porventura estivesse em pauta naquele momento.”

As declarações do acusado ocorreram durante sessão virtual da Câmara Municipal de Piracicaba, no dia 14 de março de 2022. No dia seguinte, conforme a inicial, o vereador postou mensagem e vídeo em suas redes sociais no Facebook e no Instagram sobre a manifestação feita na véspera.

Por esse motivo, a deputada postulou na queixa-crime a aplicação do parágrafo 2º do artigo 141 do Código Penal, que prevê a triplicação da pena da difamação se ela é cometida ou divulgada em quaisquer modalidades das redes sociais.

O vereador admitiu as falas que a deputada lhe atribuiu, mas alegou que elas tiveram “cunho político” e ocorreram em um debate na sessão da Câmara de Piracicaba, da qual a parlamentar da Assembleia Legislativa não participou. Ao defender uma escola cívico-militar no município, cuja implantação Professora Bebel era contrária, Polezi a criticou.

Atipicidade material

De acordo com a relatora, as provas dos autos evidenciam que o objetivo do vereador foi o de criticar, inicialmente na sessão virtual, e, depois, em suas redes sociais, a atuação da deputada no desempenho de suas funções públicas, “censura esta que se deu no seio de debate político envolvendo a instalação da escola cívico-militar em Piracicaba”.

“Para ser o fato considerado criminalmente relevante, não basta a mera subsunção (enquadramento) formal a um tipo penal, devendo ser avaliado o desvalor representado pela conduta humana, bem como a extensão da lesão causada ao bem jurídico tutelado, com o intuito de aferir se há necessidade e merecimento da sanção”, frisou Ana Zomer.

Com esse entendimento, a magistrada não vislumbrou “afetação relevante” do bem jurídico (honra) a exigir a atuação punitiva estatal, “de modo que não se evidencia a necessidade de pena, consoante os princípios da fragmentariedade, subsidiariedade e proporcionalidade”.

Além disso, como a suposta prática delitiva ocorreu em sessão virtual da Câmara Municipal, a relatora acrescentou que é o caso de incidir a garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material, a qual consiste em preceito de ordem pública, prevista no artigo 53, caput, da Constituição Federal.

“As críticas prolatadas pelo querelado detinham, unicamente, matiz político e, ainda que divulgadas nas plataformas sociais da rede mundial de computadores, guardavam relação com o exercício do mandato”, concluiu Ana Zomer. Os desembargadores Mário Devienne Ferraz e Flavio Fenoglio endossaram o voto da relatora.

O colegiado manteve a sentença da juíza Ana Claudia Madeira de Oliveira, da 1ª Vara Criminal de Piracicaba, que absolveu o vereador do crime de difamação com base no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal (não constituir o fato infração penal). Para ela, o acusado se manifestou em um contexto político e dentro dos parâmetros da liberdade de expressão.

Processo 1004875-35.2022.8.26.0451

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