Opinião

Princípio da segregação de funções na gestão dos regimes próprios de previdência

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  • é mestrando em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc) especialista em Direito Público pela Universidade Potiguar (UNP) e procurador da Foz Previdência (Fozprev).

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28 de novembro de 2024, 21h26

A Lei Federal nº 9.717, de 27 de novembro de 1998, dispõe sobre as regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. O seu artigo 8º-B [1] preceitua que os dirigentes do RPPS deverão atender a requisitos mínimos de qualificação, certificação e habilitação profissional.

O Conselho Monetário Nacional regulamentou a referida lei federal por meio da Resolução CMN n° 4.963, de 25 de novembro de 2021, dispondo acerca das aplicações dos recursos dos regimes próprios de previdência social. O artigo 1º, § 1º da mencionada resolução [2], estabelece alguns postulados e diretrizes que devem ser observados pelos respectivos gestores públicos, notadamente os princípios da segurança, motivação e transparência, além da necessidade do exercício da atividade com boa-fé, lealdade e diligência, zelando por elevados padrões éticos com a adoção de regras e procedimentos de controle interno.

Por sua vez, os §§ 2º e 6º do artigo 1º da Resolução CMN n° 4.963, de 25 de novembro de 2021 [3], preceituam, respectivamente, que para assegurar o cumprimento dos referidos princípios e diretrizes “os responsáveis pela gestão do regime próprio de previdência social e os demais participantes do processo decisório dos investimentos deverão comprovar experiência profissional e conhecimento técnico conforme requisitos estabelecidos nas normas gerais desses regimes”, bem como que o RPPS “deve definir claramente a separação de responsabilidades de todos os agentes que participem do processo de análise, avaliação, gerenciamento, assessoramento e decisão sobre a aplicação dos recursos, inclusive com a definição das alçadas de decisão de cada instância”.

No mesmo sentido, é o disposto no artigo 86, §§ 1º e 2º da Portaria MTP nº 1.467, de 2 de junho de 2022 [4], ao determinar que “deverão ser adotadas regras, procedimentos e controles internos que visem à promoção de elevados padrões éticos na condução das operações, bem como à eficiência dos procedimentos técnicos, operacionais e de controle das aplicações”, devendo ainda ser “claramente definidas as atribuições e a separação de responsabilidades de todos os órgãos e agentes que participem do processo de análise, avaliação, gerenciamento, assessoramento e decisão sobre as aplicações dos recursos do RPPS, inclusive com a definição das alçadas de decisão de cada instância”.

Depreende-se do contido na Lei Federal nº 9.717, de 27 de novembro de 1998; na Resolução CMN n° 4.963, de 25 de novembro de 2021; e na Portaria MTP nº 1.467, de 2 de junho de 2022, que devem os gestores públicos zelar por elevados padrões éticos, adotando regras e procedimentos de controle interno necessários para tutelar a higidez na condução das operações do RPPS. Por outro lado, a gestão do Regime Próprio de Previdência Social deve ser eficiente, assegurando-se a qualificação técnica mínima de seus dirigentes.

Equilíbrio entre moralidade e eficiência administrativa

As diretrizes e princípios acima relatados estão em perfeita consonância com o disposto no artigo 37, caput da Constituição [5], que exige da administração pública direta e indireta de quaisquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, a imperiosa obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

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Infere-se, então, das normas que regulamentam os regimes próprios de previdência social, que deve o respectivo gestor público necessariamente respeitar o equilíbrio entre o binômio moralidade e eficiência administrativa.

O princípio da segregação de funções decorre do princípio estruturante da moralidade, demandando da administração pública a implementação de procedimentos de controle interno e de governança corporativa que assegurem a boa-fé e a impessoalidade na tomada de decisões, precipuamente mediante a separação de responsabilidades dos agentes que participam do processo de avaliação, administração e assessoramento no que concerne à utilização de recursos públicos.

Conforme definição consignada no manual do pró-gestão dos RPPS (versão 3.4 aprovada em 12/12/2022 [6]), o princípio da segregação de funções “tem por objetivo evitar que um único agente tenha autoridade completa sobre parcela significativa de uma determinada transação (aprovação da operação, execução e controle), reduzindo assim o risco operacional e favorecendo a governança corporativa e os controles internos”.

De outro norte, resulta do princípio da eficiência a imprescindibilidade de designação de agentes com comprovada qualificação, certificação e habilitação mínimas, assim como conhecimento técnico e reconhecida experiência profissional no exercício de atividade nas áreas financeira, administrativa, contábil, jurídica, de fiscalização, atuarial ou de auditoria.

Princípio da segregação de funções

Em regra, considerando a prevalência prima facie do princípio da moralidade administrativa, que resulta no inexorável respeito às regras de controle interno e de governança corporativa, deve o gestor público priorizar o princípio da segregação de funções, com a adoção de todas as cautelas devidas à necessária separação de responsabilidades dos agentes.

Entretanto, é de se destacar que os princípios da moralidade e da eficiência são valores expressamente disciplinados na Carta Magna vigente, ambos possuindo idêntica hierarquia normativo-constitucional (artigo 37, caput, CF), de modo que, excepcionalmente, pode o gestor público sopesar qual incidência se demonstra mais adequada e relevante a depender de cada caso concreto, afastando temporariamente o princípio da segregação de funções em benefício, por exemplo, de uma administração mais eficaz e técnica.

Vale ressaltar, contudo, que na hipótese de o gestor público analisar a situação fático-jurídica apresentada e, após o devido sopesamento dos valores constitucionais, concluir pela prevalência do princípio da eficiência, deve expressa e formalmente demonstrar os motivos que ensejaram a sua opção de escolha em temporariamente afastar o princípio da segregação de funções.

Segundo a doutrina de Hely Lopes Meirelles [7], o “exame do ato administrativo revela nitidamente a existência de cinco requisitos necessários à sua formação, a saber: competência, finalidade, forma, motivo e objeto”, sendo que “tais componentes, pode-se dizer, constituem a infraestrutura do ato administrativo, seja ele vinculado ou discricionário, simples ou complexo, de império ou de gestão”.

Destarte, o gestor público na aferição do caso concreto, ao priorizar o princípio da eficiência administrativa, deve formal e expressamente externar os motivos que o levaram a dar prevalência a outros aspectos relevantes na designação do agente público (técnicos e profissionais), de modo a excepcionalmente afastar o princípio da segregação de funções.

 


[1] Art. 8º-B Os dirigentes da unidade gestora do regime próprio de previdência social deverão atender aos seguintes requisitos mínimos:

I – não ter sofrido condenação criminal ou incidido em alguma das demais situações de inelegilidade previstas no inciso I do caput do art. 1º da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, observados os critérios e prazos previstos na referida Lei Complementar;

II – possuir certificação e habilitação comprovadas, nos termos definidos em parâmetros gerais;

III – possuir comprovada experiência no exercício de atividade nas áreas financeira, administrativa, contábil, jurídica, de fiscalização, atuarial ou de auditoria;

IV – ter formação superior.

Parágrafo único. Os requisitos a que se referem os incisos I e II do caput deste artigo aplicam-se aos membros dos conselhos deliberativo e fiscal e do comitê de investimentos da unidade gestora do regime próprio de previdência social.

[2] Art. 1º Os recursos dos regimes próprios de previdência social instituídos pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios nos termos da Lei nº 9.717, de 27 de novembro de 1998, devem ser aplicados conforme as disposições desta Resolução.

§ 1º Na aplicação dos recursos de que trata esta Resolução, os responsáveis pela gestão do regime próprio de previdência social devem:

I – observar os princípios de segurança, rentabilidade, solvência, liquidez, motivação, adequação à natureza de suas obrigações e transparência;

II – exercer suas atividades com boa fé, lealdade e diligência;

III – zelar por elevados padrões éticos;

IV – adotar regras, procedimentos e controles internos que visem garantir o cumprimento de suas obrigações, respeitando a política de investimentos estabelecida, observados os segmentos, limites e demais requisitos previstos nesta Resolução e os parâmetros estabelecidos nas normas gerais de organização e funcionamento desses regimes, em regulamentação da Secretaria de Previdência;

V- realizar com diligência a seleção, o acompanhamento e a avaliação de prestadores de serviços contratados;

VI – realizar o prévio credenciamento, o acompanhamento e a avaliação do gestor e do administrador dos fundos de investimento e das demais instituições escolhidas para receber as aplicações, observados os parâmetros estabelecidos de acordo com o inciso IV. (grifou-se)

[3] Art. 1º (…)

§ 2º Para assegurar o cumprimento dos princípios e diretrizes estabelecidos nesta Resolução, os responsáveis pela gestão do regime próprio de previdência social e os demais participantes do processo decisório dos investimentos deverão comprovar experiência profissional e conhecimento técnico conforme requisitos estabelecidos nas normas gerais desses regimes.

§ 3º Os parâmetros para o credenciamento das instituições de que trata o inciso VI do § 1º deverão contemplar, entre outros, o histórico e a experiência de atuação, o volume de recursos sob a gestão e administração da instituição, a solidez patrimonial, a exposição a risco reputacional, padrão ético de conduta e aderência da rentabilidade a indicadores de desempenho.

§ 4º Entendem-se por responsáveis pela gestão, para fins desta Resolução, as pessoas que participam do processo de análise, de assessoramento e decisório sobre a aplicação dos recursos dos regimes próprios de previdência social e os participantes do mercado de títulos e valores mobiliários no que se refere à distribuição, intermediação e administração dos ativos aplicados por esses regimes.

§ 5º Incluem-se no rol de pessoas previstas no § 4º, na medida de suas atribuições, os gestores, dirigentes e membros dos conselhos e órgãos colegiados de deliberação, de fiscalização ou do comitê de investimentos do regime próprio de previdência social, os consultores e outros profissionais que participem do processo de análise, de assessoramento e decisório sobre a aplicação dos recursos do regime próprio de previdência social, diretamente ou por intermédio de pessoa jurídica contratada e os agentes que participam da distribuição, intermediação e administração dos ativos aplicados por esses regimes.

§ 6º O regime próprio de previdência social deve definir claramente a separação de responsabilidades de todos os agentes que participem do processo de análise, avaliação, gerenciamento, assessoramento e decisão sobre a aplicação dos recursos, inclusive com a definição das alçadas de decisão de cada instância.

§ 7º O regime próprio de previdência social deverá manter registro, por meio digital, de todos os documentos que suportem a tomada de decisão na aplicação de recursos.

[4] Art. 86. Os recursos financeiros do RPPS deverão ser geridos em conformidade com a política de investimentos estabelecida e com os critérios para credenciamento de instituições e contratações, de forma independente, sendo vedada a realização de convênio ou contrato tendo como base exigência de reciprocidade relativa às aplicações dos recursos do regime.

§ 1º Deverão ser adotadas regras, procedimentos e controles internos que visem à promoção de elevados padrões éticos na condução das operações, bem como à eficiência dos procedimentos técnicos, operacionais e de controle das aplicações.

§ 2º Deverão ser claramente definidas as atribuições e a separação de responsabilidades de todos os órgãos e agentes que participem do processo de análise, avaliação, gerenciamento, assessoramento e decisão sobre as aplicações dos recursos do RPPS, inclusive com a definição das alçadas de decisão de cada instância.

[5]  Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[6] 3.2.10- SEGREGAÇÃO DAS ATIVIDADES

A segregação de atividades ou funções em diferentes setores e responsáveis tem por objetivo evitar que um único agente tenha autoridade completa sobre parcela significativa de uma determinada transação (aprovação da operação, execução e controle), reduzindo assim o risco operacional e favorecendo a governança corporativa e os controles internos.

Assim, por exemplo, em uma unidade gestora de RPPS, enquanto a área de investimentos mantém o foco no acompanhamento do mercado para tomada de decisão, a área administrativo-financeira executa as atividades operacionais de orçamento, pagamentos, controles de recebimentos e registros contábeis. De igual forma, na gestão de benefícios, uma determinada área cuida da análise dos requerimentos para habilitação e concessão, enquanto outra fica responsável pela implantação, manutenção e pagamento dos benefícios.

Para cada nível de certificação deverão ser atendidos os seguintes requisitos mínimos de segregação de atividades, possível entre setores ou pessoas, a depender do porte do RPPS:

Nível I: Segregação das atividades de habilitação e concessão de benefícios das atividades de implantação, manutenção e pagamento de benefícios.

Nível II: Idem ao Nível I.

Nível III: Segregação das atividades de habilitação e concessão de benefícios das atividades de implantação, manutenção e pagamento de benefícios e segregação das atividades de investimentos das atividades administrativo-financeiras.

Nível IV: Idem ao Nível III.

[7] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26 ed. atual. São Paulo: Editora Malheiros, 2001. p. 142.

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