Opinião

Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais: nova perspectiva para o agro e o ESG

Autor

  • é professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte doutor em Direito pela Universidade de Lisboa mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte especialista em Direitos Fundamentais e Tutela Coletiva pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Norte advogado geógrafo conselheiro estadual da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Rio Grande do Norte presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB-RN conselheiro titular no Conselho da Cidade do Natal (Concidade) e no Conselho de Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Norte (Conema) autor de inúmeros livros capítulos de livros e artigos nas áreas de Direito Ambiental Direito Urbanístico e Direito Constitucional.

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28 de novembro de 2024, 16h24

A Lei nº 14.119, de 13 de janeiro de 2021, trouxe avanços significativos para a legislação ambiental brasileira ao instituir a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA). Essa iniciativa cria um marco regulatório que incentiva a adoção de práticas sustentáveis ao permitir a compensação financeira ou não monetária para aqueles que contribuem para a conservação e recuperação dos ecossistemas. No agronegócio, a PNPSA se destaca como uma ferramenta essencial para promover a sustentabilidade nas cadeias produtivas e fortalecer a adesão aos princípios ESG (sigla em inglês, que traduzida livremente significa: ambiental, social e governança).

Trata-se de política pública que fomenta, entre outros objetivos, a valorização dos serviços ecossistêmicos fornecidos por propriedades rurais, como a preservação de matas nativas, a recuperação de áreas degradadas e o manejo sustentável do solo e da água. Por meio de incentivos previstos em lei, produtores podem implementar práticas que conciliam aumento de produtividade e preservação ambiental, consolidando o agronegócio brasileiro como referência em desenvolvimento sustentável. Além disso, ao alinhar-se aos princípios ESG, a PNPSA ajuda o setor a atender demandas de consumidores e investidores globais por práticas mais responsáveis e transparentes.

Convém destacar que o agronegócio brasileiro é o grande responsável pela maior parte do crescimento do PIB brasileiro. Segundo dados do Ministério da Agricultura e Pecuária, entre janeiro e março de 2024, as exportações do agronegócio brasileiro atingiram um recorde de US$ 37,44 bilhões, um aumento de 4,4% em relação ao mesmo período de 2023. Tal crescimento foi impulsionado por um aumento de 14,6% na quantidade exportada, apesar da queda de 8,8% nos preços. O setor representou 47,8% das exportações totais do Brasil, superando os 47,3% do ano anterior. Os principais destaques foram o aumento nas vendas de açúcar (+US$ 2,52 bilhões), algodão (+US$ 997,41 milhões) e café verde (+US$ 563,64 milhões), que compensaram as quedas nas exportações de milho (-US$ 1,2 bilhão), soja em grãos (-US$ 901,30 milhões) e óleo de soja (-US$ 543,45 milhões). Em março de 2024, as exportações do agronegócio brasileiro somaram US$ 14,21 bilhões, uma redução de 10,8% em relação a março de 2023, quando alcançaram US$ 15,93 bilhões. A queda foi influenciada pela redução de 11,9% nos preços internacionais dos alimentos, apesar do leve aumento de 1,3% na quantidade exportada. Os setores de destaque foram o complexo soja (44,3% das exportações), carnes (12,8%), complexo sucroalcooleiro (11,3%), produtos florestais (9,4%) e café (5,7%), que juntos responderam por 83,4% do total exportado.

Embora a Lei nº 14.119/2021 não trate diretamente de exportações, a integração do Pagamento por Serviços Ambientais com o agronegócio pode ser um diferencial competitivo em mercados internacionais. Instrumentos como a compensação por serviços ambientais permitem que produtores rurais adotem práticas mais sustentáveis, fortalecendo a imagem do agronegócio brasileiro e agregando valor aos produtos exportados. Essa conexão entre o pagamento por Serviços Ambientais e a sustentabilidade pode ajudar a mitigar os impactos de variações nos preços internacionais e aumentar a resiliência econômica do setor. A relevância do agronegócio nas exportações brasileiras reforça a necessidade de incorporar estratégias que promovam a sustentabilidade e a competitividade do setor. Nesse contexto, instrumentos como o pagamento por serviços ambientais, regulamentado pela Lei nº 14.119/2021, desempenham um papel fundamental ao alinhar as atividades agropecuárias à preservação ambiental e ao desenvolvimento sustentável.

Recorde-se que o artigo 3º dessa lei estabelece as modalidades de pagamento por serviços ambientais, proporcionando flexibilidade para adequar as transações às necessidades dos pagadores e provedores. Entre as modalidades previstas, destaca-se o pagamento direto, que pode ser monetário ou não monetário, permitindo que recursos financeiros ou benefícios específicos sejam utilizados como compensação. Outra modalidade relevante é a prestação de melhorias sociais para comunidades rurais e urbanas, demonstrando a preocupação da lei em integrar benefícios ambientais e sociais. Além disso, a lei prevê compensações vinculadas a certificados de redução de emissões por desmatamento e degradação, promovendo incentivos para ações que minimizem o impacto ambiental. Os títulos verdes (green bonds), instrumentos financeiros que captam recursos para projetos sustentáveis, também estão contemplados, refletindo a conexão entre políticas ambientais e o mercado financeiro. Outras opções incluem o comodato (artigo 579 a 585 do Código Civil), que permite o uso temporário de bens, e as Cotas de Reserva Ambiental (CRA), instituídas pelo Código Florestal (artigo 44 da Lei nº 12.651/2012), como ferramenta para a conservação de áreas nativas.

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O texto dessa lei também prevê que outras modalidades poderão ser estabelecidas por normas do órgão gestor da PNPSA, ampliando as possibilidades de adaptação às especificidades de cada projeto ou região. Para garantir clareza e segurança jurídica, a legislação exige que as modalidades de pagamento sejam previamente pactuadas entre pagadores e provedores, reforçando a transparência e a previsibilidade nas relações contratuais. Esse conjunto de disposições assegura que o pagamento por serviços ambientais seja um mecanismo dinâmico e eficaz para promover a sustentabilidade no Brasil. Tal procedimento, no entanto, precisa ser mais bem compreendido por todos os atores do processo. Trata-se de um forte campo de atuação para advogados ambientais, especialmente os que operam mecanismos como o ESG e compliance ambiental.

Campo de atuação é complexo, mas promissor

O pagamento por serviços ambientais (PSA) representa uma oportunidade estratégica que exige maior compreensão por parte de todos os envolvidos, desde provedores e pagadores até órgãos públicos e privados. Esse mecanismo vai além de uma simples transação financeira, abrangendo aspectos jurídicos e regulatórios complexos que demandam a atuação de advogados e outros profissionais especializados. A estruturação de contratos claros e juridicamente seguros, alinhados à Lei nº 14.119/2021, é essencial para garantir a efetividade das ações e proteger os interesses das partes. Nesse cenário, a conexão do Pagamento por Serviços Ambientais com políticas de ESG (Environmental, Social, and Governance) fortalece a integração entre sustentabilidade, governança corporativa e desenvolvimento econômico.

Para os advogados ambientais, o Pagamento por Serviços Ambientais é um campo de atuação promissor, especialmente na orientação de empresas sobre conformidade legal, benefícios fiscais e a implementação de práticas sustentáveis. Além disso, o uso de ferramentas como compliance ambiental ajuda a minimizar riscos jurídicos e reputacionais, promovendo uma gestão responsável. Essa atuação não apenas atende às exigências do mercado e da legislação, mas também contribui para a preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável, posicionando o Pagamento por Serviços Ambientais como um instrumento essencial na interface entre direito, economia e meio ambiente.

Importa destacar que o Pagamento por Serviços Ambientais oferece diversas disposições que podem ser diretamente aplicadas ao agronegócio brasileiro, promovendo a sustentabilidade e a eficiência ambiental nas atividades produtivas. A lei em tela não só instituiu a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA), mas definiu conceitos fundamentais, como serviços ecossistêmicos e serviços ambientais. Tais serviços abrangem atividades essenciais à produção rural, como conservação do solo, polinização, controle de pragas, manutenção de recursos hídricos e recuperação de áreas degradadas. No agronegócio, essas ações são comuns e podem ser reconhecidas e valorizadas por meio do Pagamentos por Serviços Ambientais, incentivando práticas que beneficiem a produtividade enquanto protegem o meio ambiente.

A integração do Pagamentos por Serviços Ambientais no agronegócio brasileiro também responde aos objetivos da PNPSA, listados no artigo 4º, como a valorização econômica e cultural dos serviços ecossistêmicos, a promoção de medidas que garantam a segurança hídrica e a conservação da biodiversidade. Medidas como a recuperação de matas ciliares, o manejo sustentável de sistemas agroflorestais e a conservação de remanescentes vegetais permitem que o agronegócio atue como provedor de serviços ambientais, recebendo benefícios diretos enquanto contribui para a estabilidade climática e a proteção dos recursos naturais.

Cumpre salientar, portanto, que a criação do Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais (PFPSA), prevista no artigo 6º da Lei nº 14.119/2021, representa uma oportunidade para a inclusão de produtores rurais, com destaque para pequenos agricultores e comunidades tradicionais, em projetos voltados à conservação ambiental. A exigência de inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR) como requisito para participação assegura que as propriedades estejam regularizadas e em conformidade com as normas legais. Ademais, iniciativas como a recuperação de áreas degradadas e o manejo sustentável de sistemas agrícolas e agroflorestais, elencadas no artigo 7º (ações do PFPSA), apresentam aplicabilidade direta ao setor, reforçando a sustentabilidade das atividades produtivas.

Vale ainda considerar que os contratos de Pagamentos por Serviços Ambientais, regulamentados no artigo 12 da Lei nº 14.119/2021, estabelecem os direitos e deveres de pagadores e provedores, garantindo segurança jurídica e transparência nas transações. Tais contratos podem ser vinculados às propriedades por meio de servidão ambiental, conforme disposto no artigo 22, conferindo caráter propter rem às obrigações. Isso significa que as responsabilidades de conservação e restauração ambiental permanecem vinculadas ao imóvel, independentemente de alterações na titularidade.

Urge lembrar que a servidão ambiental é um instrumento jurídico fundamental que garante a continuidade de projetos de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), promovendo a conservação ambiental de maneira permanente. Já o Cadastro Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (CNPSA), instituído pela lei em tela e regulamentado em seu artigo 16, centraliza informações sobre contratos e áreas elegíveis, fortalecendo a transparência e o controle nas transações, e assegurando clareza nas relações entre pagadores e provedores.

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Outro ponto relevante está no incentivo ao uso sustentável da água, previsto no artigo 21 da mesma lei, que destina recursos da cobrança pelo uso de recursos hídricos para ações de Pagamentos por Serviços Ambientais, beneficiando o agronegócio em regiões com desafios hídricos. Assim, o Pagamentos por Serviços Ambientais surge como uma oportunidade estratégica para o agronegócio brasileiro, alinhando-se às demandas globais por sustentabilidade, fortalecendo a responsabilidade socioambiental e posicionando o Brasil como líder em práticas sustentáveis, em consonância com a Constituição e os objetivos de desenvolvimento sustentável.

É possível concluir, portanto, que a Lei nº 14.119/2021 representa um marco significativo na legislação ambiental brasileira, ao fomentar a integração entre desenvolvimento econômico e conservação ambiental por meio do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). A norma estabelece um arcabouço jurídico robusto, com instrumentos como a servidão ambiental e o Cadastro Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (CNPSA), que garantem transparência, segurança jurídica e a continuidade das iniciativas de preservação. Ademais, ao alinhar o agronegócio aos princípios ESG, a lei reforça a competitividade global do setor, posicionando o Brasil como líder em inovação sustentável e na adoção de práticas que conciliam produtividade com responsabilidade ambiental, em conformidade com os compromissos de desenvolvimento sustentável e a proteção do meio ambiente previstos na Constituição Federal de 1988.

 


Referências bibliográficas

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em 23 de novembro de 2024;

BRASIL. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/L12651compilado.htm>. Acesso em 23 de novembro de 2024;

BRASIL. Lei nº 14.119 de 13 de janeiro de 2021. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14119.htm>. Acesso em 23 de novembro de 2024.

BRASIL. Ministério da Agricultura e Pecuária. Exportações do agronegócio brasileiro batem recorde no primeiro trimestre de 2024 e atingem US$ 37,44 bilhões. Disponível em: < https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/exportacoes-do-agronegocio-brasileiro-batem-recorde-no-primeiro-trimestre-de-2024-e-atingem-us-37-44-bilhoes>. Acesso em 23 de novembro de 2024.

Autores

  • é doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, especialista em Direitos Fundamentais e Tutela Coletiva pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Norte, professor adjunto (III-8) da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, campus de Natal, advogado, geógrafo, presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB-RN (2022-2024), conselheiro seccional da OAB-RN (desde 2019), conselheiro titular nos seguintes conselhos: Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONEMA) e Conselho da Cidade de Natal (Concidade), autor dos livros Direito Urbanístico Luso-Brasileiro, volumes I (2021) e volume II (2022) (1ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris), Manual teórico e prático de advocacia ambiental (1ª ed. Rio de Janeiro: Editora GZ, 2022), Aspectos Jurídicos do Licenciamento Ambiental da Revenda de Combustíveis (1ª ed. Salvador, Motres, 2020), Processos administrativo e judicial na SPU – superintendência de patrimônio da união (Rio de Janeiro: Editora GZ, 2023), entre outros.

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