Para levar ao júri, dolo eventual do motorista embriagado deve ser inequívoco, diz STJ
28 de novembro de 2024, 13h47
Na fase da pronúncia, o juiz não deve admitir que o acusado de um crime contra a vida seja submetido ao julgamento popular por mera presunção. O dolo, ainda que eventual, deve ser inequívoco, sob pena de incompetência do Tribunal do Júri.
Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem em Habeas Corpus para desclassificar a conduta de um homem acusado de homicídio doloso cometido na direção de automóvel enquanto estava embriagado.
O julgamento foi resolvido por 3 votos a 2 e exemplifica a dificuldade do Judiciário para analisar casos de dolo eventual do motorista embriagado — quando o agente não busca diretamente o resultado de causar a morte, mas aceita ou é indiferente à sua ocorrência.
A corrente vencedora, encabeçada pelo voto divergente do ministro Sebastião Reis Júnior, afastou o dolo porque o caso não reúne outros elementos além do suposto estado de embriaguez e a velocidade acima da permitida para a via.
A corrente derrotada, do relator, ministro Antonio Saldanha Palheiro, entendeu que há dúvidas mesmo se houve o dolo eventual, situação que recomenda que o caso seja analisado pelo corpo de jurados.
Na dúvida, deixa para o júri
O caso concreto julgado é o de um motorista que voltava de uma festa, supostamente embriagado, e perdeu o controle do carro, que deixou a pista, caiu em um barranco e acertou e matou cinco pessoas em um evento que acontecia nas proximidades.
O réu recusou o bafômetro e precisou ser hospitalizado. Segundo o Ministério Público do Maranhão, há fortes indícios de que ele estava embriagado, dirigindo perigosamente e em velocidade excessiva, assumindo, assim, o risco do resultado.
Relator do Habeas Corpus, o ministro Palheiro destacou que a jurisprudência indica que a conclusão sobre a existência do dolo deve ser do Tribunal do Júri, juiz natural da causa, perante o qual a defesa poderá exercer amplamente a tese contrária. “Havendo elementos indiciários que subsidiem, com razoabilidade, as versões conflitantes acerca da existência de dolo, ainda que eventual, a divergência deve ser solvida pelo Conselho de Sentença, evitando-se a indevida invasão da sua competência constitucional.”
Votou com ele o ministro Og Fernandes. Ambos ficaram vencidos.
Dolo eventual afastado
Abriu a divergência vencedora o ministro Sebastião Reis Júnior, que entendeu que a suposta embriaguez e a direção perigosa são os únicos elementos a apontar para a possível ocorrência do dolo do motorista. Ele apontou que o acidente ocorreu de madrugada, em local ermo, onde os acidentes eram tão constantes que a comunidade já pedia à prefeitura a instalação de barreiras metálicas — algo que só ocorreu após a tragédia.
Além disso, as mortes ocorreram após o carro cair de um barranco, sobre uma rua de casas em que acontecia um evento, circunstância que não poderia ser prevista pelo condutor do veículo.
Assim, a presença do dolo eventual é mera presunção que não permite que o caso seja levado ao júri popular. Não houve a indicação de elementos incontestes que demonstrassem o consentimento do acusado com o resultado lesivo.
O voto divergente destacou que a pronúncia é o momento em que o juiz deve averiguar se o caso é de homicídio com a intenção de matar. Por isso, permite-se a impronúncia, a desclassificação e até a absolvição sumária. “Não se trata de uma decisão que avalia a plausibilidade jurídica das acusações e recebe a inicial acusatória, mas de um juízo de admissibilidade realizado após produção probatória, razão pela qual não se admite que o acusado seja submetido a julgamento por juízes leigos, apenas por mera presunção, o dolo deve estar inequívoco, sob pena de incompetência do Tribunal do Júri.”
Ao acompanhar o relator, o ministro Rogerio Schietti pontuou que acaba sendo cômodo relegar ao Tribunal do Júri uma decisão técnica que nem juízes togados, muitas vezes, conseguem resolver com precisão. “Se não há indício de conduta dolosa, não creio que seja correto submeter o réu ao julgamento pelo Tribunal do Júri onde, bem sabemos, não há motivação do veredito e, portanto, questões técnicas podem ser contornadas por um mero decisionismo do órgão julgador.”
Votou com eles e formou a maioria o desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo.
HC 891.584
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