Cade: Um xerife para conter as big techs e regular a economia digital
28 de novembro de 2024, 8h25
*Reportagem publicada no Anuário da Justiça Direito Empresarial 2024, lançado nesta segunda-feira, na Fiesp. A versão impressa está à venda na Livraria ConJur (clique aqui). Acesse a versão digital pelo site do Anuário da Justiça (anuario.conjur.com.br).
Com a crescente discussão sobre a regulação das plataformas digitais, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) se apresentou como opção válida para ser a autoridade reguladora da economia digital e das big techs. A oferta foi manifestada em janeiro de 2024, após a abertura de consulta pública pela Secretaria de Reformas Econômicas, do Ministério da Fazenda, para fomentar a discussão sobre a regulação da economia digital e os desafios do mercado brasileiro.
“O Cade possui um histórico robusto na análise de questões concorrenciais no âmbito da economia digital, demonstrando capacidade de implementar remédios eficazes para restaurar a competitividade em mercados complexos. Essa expertise permite ao Cade não apenas identificar e corrigir distorções de mercado, mas também antecipar problemas e agir de maneira preventiva”, afirmou o presidente do Cade, Alexandre Cordeiro Macedo, em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico.
Segundo ele, uma boa regulação deve coibir práticas anticompetitivas que criem concentração de mercado, sem com isso impedir a adoção das novas tecnologias. “O desafio reside em encontrar um equilíbrio delicado entre a regulação que protege contra abusos e a flexibilidade que permite a inovação. A criação de uma regulamentação adaptativa e responsiva, que evolua juntamente com o mercado digital, é uma solução para esse dilema”, disse na entrevista.
Cordeiro também defendeu “ressignificar condutas abusivas convencionais” para o contexto das redes sociais, de forma a garantir uma concorrência justa e proteger os consumidores no ambiente digital. Cita casos como a pré-instalação de aplicativos em sistemas operacionais de celulares, que podem excluir rivais, e anúncios de e-commerce, que usam termos abusivos ou coletam dados de forma excessiva.
Em sua contribuição à tomada de subsídios promovida pelo Ministério da Fazenda, o Cade defendeu que, antes da criação de um novo agente regulador, é importante a condução de uma análise de impacto regulatório. Para a autarquia, a expansão das competências do Cade a partir da inclusão de uma unidade dedicada a mercados digitais poderia ser a abordagem mais pragmática e adequada.
Além da autoridade reguladora do setor, outro ponto importante a ser definido é o nível da regulação: pode ser mais aberta, de forma genérica, por princípios; ou pode ser mais estreita e específica, com uma lei detalhada. “Alguns países estão fazendo e outros optando por não fazer. Os Estados Unidos não têm regulação. A Europa tem. É importante que o Brasil se posicione para dizer qual modelo teremos”, disse ao jornal Valor Econômico.
O número de casos envolvendo plataformas digitais que chegaram ao Cade aumentou significativamente nos últimos anos. O estudo Mercados de Plataformas Digitais 2023 do órgão mostra que, entre 1995 e abril de 2023, foram notificados 233 atos de concentração em mercados digitais, com 26% relacionados ao varejo online e 24% ao segmento de publicidade online. Do total de casos, 224 foram aprovados sem restrições e três casos com restrições (os demais casos não tiveram decisão de mérito). Em relação às condutas anticompetitivas, entre 1995 e abril de 2023, foram iniciadas 23 investigações relacionadas a plataformas digitais, principalmente envolvendo acordos de exclusividade e abuso de posição dominante. Em fevereiro de 2023, o Cade celebrou o termo de compromisso de cessação (TCC) com o Ifood em inquérito que apurava supostas infrações à ordem econômica no mercado de delivery online de comida.
As maiores transações de fusões e aquisições econômicas passam pela análise do Cade. Todos os atos de concentração em que um dos grupos empresariais envolvidos na operação tenha faturamento anual no Brasil de, pelo menos, R$ 750 milhões, e outro com faturamento de R$ 75 milhões ou mais, devem ser notificados à autarquia. “O objetivo é evitar a formação de grupos econômicos que possam prejudicar o consumidor, ou a própria dinâmica do mercado”, disse o superintendente-geral do Cade, Alexandre Barreto, em entrevista ao EsferaCast.
Segundo o superintendente-geral, o bem-estar do consumidor é o objetivo máximo da atuação do Cade. “Se houver um regramento de mercado que vise a maximização de bem-estar do consumidor, as próprias empresas vão se moldar para atendê-lo e, dessa forma, serem mais eficientes na prestação do seu serviço. E essa eficiência induz crescimento econômico”, esclareceu.
Ele afirma ainda que, quando se fala em bem-estar do consumidor, isso não está relacionado à relação individual consumidor-empresa, mas na atuação das empresas para que haja maximização do mercado como um todo. “O mercado funcionando bem, o consumidor vai se beneficiar. Mercados concentrados ou mal regulados têm preços maiores, dificuldade de escolha por parte do consumidor e qualidade pior. Mercado com concorrência tem preços menores, maior qualidade de produtos e serviços e maior diversidade de escolha para o consumidor”, pontuou.
Em 2023, foram submetidos à análise na autarquia 599 atos de concentração. Entre os principais setores que notificaram operações estão geração de energia elétrica, incorporação de empreendimentos imobiliários, comércio varejista de mercadorias em geral e atividades de atendimento hospitalar. O valor das operações que foram notificadas foi de R$ 905 bilhões. No período, foram julgados 612 atos, segundo o Cade em Números. Destes, 593 foram aprovados sem restrições.
Entre os principais atos de concentração realizados em 2023, segundo o Cade, está o caso da compra da DPA Brasil pela Lactalis; a criação da Bus-Co com a aprovação de joint venture (consórcio) entre a Viação Águia Branca e Grupo JCA; o compartilhamento recíproco de elementos de infraestrutura de telecomunicações entre a Telefônica Brasil e a Winity; e a formação dos consórcios Azul e Superdourado entre Ultragaz, Bahiana Distribuidora, Supergasbras e Minasgás para compartilhamento de estruturas operacionais de GLP. Além da fusão entre Nestlé e Garoto. Já em 2024, houve a aprovação pelo Cade entre a Arezzo&Co e o Grupo Soma (leia mais na página 58).
Uma novidade do Cade foi a criação do sistema e-Notifica, em dezembro de 2023. A ferramenta visa modernizar e digitalizar o processo de notificação de atos de concentração, proporcionando uma experiência mais eficiente e integrada aos usuários. A primeira notificação eletrônica aconteceu em abril de 2024, permitindo uma análise em tempo recorde, em menos de 24 horas. A operação consistiu na aquisição, por determinados fundos geridos ou assessorados por Arbour Lane, Fortress Credit, Gamut Capital e Silver Point, de aproximadamente 96% das ações em circulação da Petmate (Doskocil Manufacturing).
A advogada da operação, Isabela Pannunzio, destacou que a ferramenta representa um passo da autarquia em direção à modernização dos seus sistemas. “Assim como aconteceu em 2015, com o lançamento do Cade sem Papel, sabemos que o objetivo da plataforma é facilitar e acelerar o processo de notificação e revisão de atos de concentração. Por isso, achamos importante explorar o novo sistema para entender como funciona — além de identificar o que ainda precisa de aprimoramento.”
O Cade é responsável, ainda, por investigar e punir toda e qualquer prática adotada por um agente econômico que possa causar danos à livre concorrência, mesmo que o infrator não tenha tido a intenção de prejudicar o mercado. No âmbito das condutas anticompetitivas — cartel, conduta unilateral e conduta comercial uniforme —, foram instauradas 63 investigações, sendo 37 relacionadas a condutas unilaterais. As multas aplicadas no período somam R$ 114 milhões. Já as contribuições pecuniárias arrecadadas ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD) chegam a R$ 92 milhões.
Entre os casos de destaque de condutas anticompetitivas julgados em 2023, está o do cartel GLP, em que o Tribunal Administrativo condenou 26 empresas e 16 pessoas físicas por entender que os envolvidos se organizaram no intuito de limitar a concorrência por meio de divisão dos mercados de distribuição e de revenda do gás de cozinha, além de fixação de preço. As práticas também incluíram restrições das distribuidoras às revendedoras e trocas de informações comercialmente sensíveis. As multas aplicadas somaram mais de R$ 26 milhões.
Outro caso foi o do cartel do saco de lixo. Sete empresas e 15 pessoas físicas foram condenadas pelo Tribunal por integrarem um cartel que causou prejuízos em licitações públicas destinadas à aquisição de sacos de lixo. As multas alcançam R$ 14,5 milhões. De acordo com o conselheiro-relator do caso, Sérgio Ravagnani, as provas demonstram que os participantes do cartel mantiveram frequente comunicação com o objetivo de fixar preços e combinar condições e vantagens em licitações públicas, de modo a restringir a concorrência e o caráter competitivo dos certames.
O Tribunal também condenou 18 empresas e 20 pessoas por participação em cartel que fraudou licitações e contratações de empresas privadas para a aquisição de projetores e lousas digitais. As multas somaram aproximadamente R$ 7,9 milhões.
Em novembro de 2023, o Cade e a Controladoria-Geral da União assinaram um Acordo de Cooperação Técnica que possibilitará uma atuação integrada nas investigações relacionadas a cartéis. “O ACT entre os dois órgãos permitirá o aperfeiçoamento dos fluxos de trabalho que envolvam condutas que possam ser investigadas e punidas pelas duas autoridades. Também possibilita o compartilhamento de informações e bases de dados”, diz o Cade.
Ainda sobre cartéis, no âmbito judicial, o Superior Tribunal de Justiça decidiu, em fevereiro de 2024, que a prescrição para a ação de reparação pelos danos causados por formação de cartel começa a correr a partir da decisão do Cade, que reconhece a infração. A decisão foi dada pela 2ª Turma no REsp 1.998.098, que concluiu que a Cobraço tem o direito de processar a siderúrgica Belgo-Mineira, hoje sucedida pela Arcelor Mittal, por danos causados pelo cartel do aço na década de 1990.
Um acordo de cooperação técnica entre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica e o Supremo Tribunal Federal, assinado em abril de 2024, permitirá o compartilhamento de informações e documentos que possibilitarão a realização de estudos conjuntos sobre os temas de ordem econômica. O documento foi assinado pelo presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, e pelo presidente do Cade, Alexandre Cordeiro.
Para o ministro, a iniciativa será útil para as atividades desenvolvidas pelo Núcleo de Processos Estruturais e Complexos, vinculado à Presidência do Tribunal. “Nós criamos essa unidade no STF justamente com a finalidade de monitorarmos essas ações que tenham impacto econômico-social relevante. Portanto, esse é um acordo que vai permitir que o Supremo aprimore a sua capacidade de julgar, considerando os efeitos econômicos e sociais das suas decisões”, disse.
Para Alexandre Cordeiro, essa é uma oportunidade de colaboração com a Justiça brasileira. “A economia é um instrumento e mais uma ferramenta que pode auxiliar os operadores do Direito a achar as decisões mais justas, sob uma análise de custo-benefício e custo de oportunidade, analisando não só os impactos das decisões judiciais, mas, também, verificando os impactos de políticas públicas que são colocadas aos cidadãos. E o Cade tem essa expertise”, pontuou.
Em 2024, o Tribunal do Cade passou por uma grande alteração em sua composição. Quatro novos membros tomaram posse: Diogo Thomson de Andrade, Camila Cabral Pires Alves, Carlos Jacques Vieira Gomes e José Levi Mello do Amaral Júnior. Eles foram nomeados pela Presidência da República e sabatinados pelo Senado Federal em dezembro de 2023. Os novos conselheiros possuem carreira consolidada na Administração Pública, sendo a maioria com experiência prévia em Direito Concorrencial.
Anuário da Justiça Direito Empresarial 2024
2ª edição
188 páginas
Editora Consultor Jurídico
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