Reforma tributária é inconstitucional por ofensa ao pacto federativo
27 de novembro de 2024, 18h17
Nos primeiros oito meses de 2024, o estado de São Paulo depositou na conta dos municípios paulistas mais de R$ 27,9 bilhões em recursos de ICMS.
Já no Rio de Janeiro o destaque ficou para o aumento de 12,9% na arrecadação de ICMS, em especial nas atividades de óleo e gás, comércio e energia elétrica. A receita com o tributo apresentou elevação nos três primeiros bimestres de 2024 em comparação ao mesmo período do ano passado. Por força de norma constitucional os municípios também receberão fatia do incremento de ICMS.
Os repasses aos municípios são liberados de acordo com os respectivos Índices de Participação dos Municípios, conforme determina a Constituição, de 5 de outubro de 1988. Em seu artigo 158, inciso IV está estabelecido que 25% do produto da arrecadação de ICMS pertence aos municípios.
Esses rápidos exemplos e números que podem ser encontrados facilmente nos sítios eletrônicos dos Estado foram e serão fulminados com a aprovação da reforma tributária em evidente colisão constitucional com a cláusula pétrea do pacto federativo.
Os estados membros da Federação que fizeram seus deveres de casa e organizaram seus orçamentos nos últimos 35 anos de vigência da Constituição Federal irão “acordar” sem suas autonomias e, o que é pior, sem os seus números para administrar.
O problema é que de acordo com o Supremo Tribunal Federal “a repartição de competências e de receitas tributárias configura um dos pilares da autonomia dos entes” (STF, RE 591.033, DJ 24/2/2011).
Ainda em controle concentrado o Supremo decidiu que a repartição de receitas consagra a descentralização e “divisão de centros de poder” no país (ADI 4.228, DJ 10/8/2018).
Sendo assim, por óbvio, nem mesmo via emenda pode o Congresso relativizá-las “ou afastá-las”, o que ofenderia “o pacto federativo” e seria “tendente a aboli-lo”, o que é vedado (ADI 926, DJ 6/5/94).
Reforma suprimiu a autonomia dos entes federativos
Competência tributária é um conceito jurídico fundamental no Direito Tributário. Ela se refere à capacidade conferida pela Constituição Federal a certas entidades políticas (União, estados, Distrito Federal e municípios) para instituir tributos. Ou seja, a competência tributária é a competência constitucional para criar, inovar, extinguir ou modificar a lei tributária.
A competência tributária é indelegável, o que significa que a entidade que recebeu essa competência constitucional não pode transferi-la para outra.
Cada ente federativo possui sua própria competência tributária e deve respeitar a autonomia dos outros. Por exemplo, um estado não pode instituir um tributo que é de competência municipal ou federal. Além disso, a competência tributária é irrenunciável, ou seja, um ente não pode abdicar de sua competência para instituir tributos.
Importante ressaltar também a distinção entre competência tributária e capacidade tributária ativa. Enquanto a primeira é a possibilidade de instituir tributos, a segunda é a aptidão para ser sujeito ativo da obrigação tributária, ou seja, para exigir o cumprimento da obrigação tributária, proceder à sua fiscalização e arrecadação.
Assim, fica claro que a competência tributária, oriunda da Constituição Federal, é o poder de instituir, mediante lei formal do próprio ente federado, tributos para sustento e autonomia do ente federado e isso é inegociável e irrenunciável.
E aqui me pareceu muito claro que a reforma tributária suprimiu e esvaziou a autonomia dos entes federativos. Ora, se o ente federativo não tiver poder para instituir tributos e nem autonomia para gerir suas receitas, provenientes de arrecadação, não podemos falar que resta preenchido um dos alicerces da federação, que é a autonomia dos entes federativos.
A lealdade federativa é o princípio constitucional implícito ou não escrito que impõe aos entes federados o dever de proceder com lealdade nas suas relações recíprocas, buscando o entendimento mútuo na execução de suas tarefas e orientando-se pela coordenação e cooperação. (STF, relator: Gilmar Mendes na ADI 6.341/DF MC Ref, relator para o acórdão: ministro Edson Fachin, Tribunal Pleno, j. em 15/4/2020; ADI nº 5.166/SP, rel. min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. em 4/11/2020; ADPF 848 MC-Ref, rel. min Rosa Weber, Tribunal Pleno, j. em 28/6/2021.
Sua função é vincular os entes federados aos interesses dos demais e ao interesse comum de todos quando do exercício de seus direitos e deveres, com o intuito de proteger e fortalecer o pacto federativo. Sua aplicação deve combater o uso excessivamente egoísta das competências constitucionais e os tensionamentos excessivos que tendam à dissolução da ordem federal global.
O professor Fábio Calcini rememora que “o texto constitucional, portanto, impede mesmo por meio do poder de reforma da Constituição, único que tem por competência alterá-la, qualquer tipo de pretensão que possa ter a tendência de abolir direitos e garantias fundamentais (…) A vedação, assim, não é da abolição dos direitos e garantias, mas de qualquer medida que possa restringir, diminuir sua importância, interpretação ou aplicação. Equivale dizer, qualquer tendência ou comportamento que possa levar, de forma indireta ou direta, mesmo que sutilmente e ao longo do tempo, para este caminho, pois, quando se conduz desta forma, nada mais temos do que uma tendência de abolição”.
Nada simplificou, nada desburocratizou, nada se aproximou dos países primeiro mundo porque criamos mais exceções do que a própria regra.
Agora é aguardar e confiar no Supremo Tribunal Federal, de novo.
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