Opinião

Difíceis percursos das criações artísticas na sociedade da informação e da IA

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  • é advogado no Rio Grande do Sul — com atuação em Direitos Intelectuais há mais de 30 anos — doutor em Direito pela Unisinos (1996) pós-doutor em Direito pela PUC-RS (2018) e professor dos cursos de Direito da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra).

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27 de novembro de 2024, 6h01

Este artigo contextualiza rapidamente a crise dos direitos autorais na sociedade da informação, com o objetivo de modernizar alguns conceitos já defendidos em trabalhos anteriores, reformular certos contextos desta batalha e estimular rápidas reflexões sobre temas em alta no âmbito dos direitos autorais. Tudo isso para finalmente determinar se há necessidade de reconsiderar um novo formato dos direitos autorais, especificamente em relação às suas exceções/limitações.

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Inicialmente, se faz uma reflexão sobre a classificação precisa da “grande área” que se considera relacionada aos direitos autorais, levando ao epíteto “Da propriedade intelectual aos Direitos Intelectuais”. Examinados diversos aspectos dessa categorização, fundamentando-se na Constituição, se perquire se esses direitos possuem características únicas de “propriedade” ou se são mais vinculados aos direitos individuais de uso ao longo do tempo.

Em segundo lugar, ao analisar o que chamamos de sociedade da informação, relaciona-se este fenômeno com os direitos intelectuais em geral e, no desenvolvimento, concentra-se no que chamamos de pontos de conflito e desacordo no seu espaço — e depois vemos em particular a dos direitos de autor —, com a sociedade da informação, também conhecida como sociedade em rede. As disputas estão na maior parte relacionadas com o modelo centrífugo e por vezes centrípeto da sociedade da informação. Em alguns momentos isso nos aproxima da plena realização dos direitos, em outros nos afasta.

Na terceira reflexão, mesmo que de forma breve, algumas ideias fundamentais sobre os direitos autorais, marcando uma transição para o tema central deste texto. Neste contexto, exploram-se o panorama geral, o conteúdo e a natureza jurídica dos direitos autorais. É necessário usar a expressão “revisitando alguns conceitos”, o que realmente reflete a proposta deste rápido trabalho. Este autor já escreveu sobre esses assuntos, especialmente em 2008, além de diversos artigos e capítulos de livros ao longo de seus 35 anos dedicados ao estudo e à pesquisa em direitos autorais. Por isso, essa revisitação é um processo contínuo.

No quarto compartimento, as habituais restrições aos direitos de autor na sociedade informatizada. Estabelece-se uma ligação do segundo ponto com o terceiro, para prever o que está por vir no último e subsequente. É importante destacar que a construção clássica das restrições aos direitos autorais é evidenciada pelos fundamentos clássicos da criação desta área, bem como pelos autores que, sem ser pejorativo, podem ser considerados conservadores na abordagem do tema.

E não podemos esquecer que o termo mais frequentemente utilizado nos círculos dos direitos autorais é “proteção” (e mais proteção), frequentemente sem especificar a quem, certamente ao autor que é menos que o necessário e esperado. A teoria clássica sempre buscou estabelecer um rol completo de restrições nos direitos autorais, é importante enfatizar que elas seriam abrangentes. Quiçá fosse possível encontrar restrições extrínsecas, além do marco dos direitos autorais.

Por fim, a segmentação de número cinco. Neste contexto, como um “porto de chegada”, analisa-se a imprecisão e a insuficiência das limitações tradicionalmente consideradas para os direitos autorais à luz do sofisticado padrão da sociedade da informação e do direito contemporâneo. Relatam-se os esforços da comunidade jurídica e da sociedade no Brasil voltados à reformulação da Lei de Direitos Autorais, bem como a adoção de padrões mais flexíveis em determinadas legislações, destacando-se o Copyright, que possui uma cláusula abrangente conhecida como “fair use“.

Propriedade intelectual ou direito intelectual

Chegou o momento de formular algumas considerações, pelo menos sobre este percurso e este ponto de vista, nesta conversa com a qual este observador tem grande consideração pelos leitores. Os legentes também concordam com um tom um tanto “pessoal”, em certas circunstâncias, pois é aceitável e até pode ser recomendado. Em um segundo momento, este escritor se emociona ao revisitar tantos conceitos e ao lado de autores tão importantes, a maioria dos quais conhece pessoalmente.

Desde 1989, já se passaram quase 35 anos de estudos sobre direitos intelectuais. Se é verdade que inicialmente se perfilou a uma corrente aqui tida como mais clássica ou conservadora, também é verdadeira a incomensurável admiração que se preserva a quem foi o primeiro que acreditou neste analisador, o professor e padre jesuíta Bruno Jorge Hammes. E isso para um pesquisador ainda engatinhando nos direitos intelectuais em 1989, no último ano do Curso de Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

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Muitos anos se passaram. Se aprendeu muito ao longo do caminho. Durante o dia a dia do estágio contínuo. Vivemos tempos tão difíceis que há uma necessidade urgente de falar e reiterar estas verdades evidentes todos os dias. Mas também não nos enganamos. Obviamente, a crítica é melhor do que o elogio, se bem feita. Pelo menos o elogio não raro é injustificado.

Não muito tempo atrás, nós, humanos, pensávamos em segurança. Os serviços de segurança mantiveram uma distância perigosa de nós. Em primeiro lugar, pela incerteza provocada pelas duas guerras, pela violação excessiva do meio ambiente, pela diversidade da sociedade, pelo progresso contínuo de costumes e hábitos, pelo poder transformador da sociedade da informação e pelo acesso instantâneo à internet 24 horas por dia. O que não esperávamos era que um pequeno vírus vindo da Ásia pudesse realmente paralisar o mundo. Mas se as crises traçarem tempos difíceis na jornada humana, poderão muito bem assinalar a possibilidade de progresso.

Em termos de direitos autorais, a situação é semelhante e há muito alvoroço. Permita-se reiterar que a “grande área” coberta pelo nosso estudo é chamada de propriedade intelectual. Conforme mencionado em outros trabalhos, a Constituição não menciona em nenhum lugar a “propriedade” de criações intelectuais, exceto no caso da propriedade de marcas. Daí a opção pela nomenclatura direitos intelectuais.

No destacamento dos direitos intelectuais não é diferente. A instigação para isso foi múltipla, proveniente do “gosto” ocidental pela propriedade e após a Revolução Francesa, quando havia um interesse crescente pelo antigo regime de privilégios parece verdadeiramente inaceitável. Por isso, não se pretende que seja chamado um “direito autoral”, especialmente um privilégio. Vejam bem, foi assim que a Magna Carta dominou em 1988. Já os direitos autorais têm sido historicamente considerados “excepcionais”, ou seja, sua proteção afeta diretamente as possibilidades mais amplas de sua existência, vale dizer, a possibilidade de diálogo cultural. Para este fim, são concebidos, nascidos e criados.

Objetivo de ‘proteger’

Esta é uma realidade também observada em outras áreas dos direitos intelectuais, como o direito dos inventores.  Esse professor costuma ouvir em conferências jurídicas ou ler em publicações da nossa área que o objetivo “é a proteção”. No turbilhão de 2024, como pais, eles fantasiam em proteger o seu filho ou filha “do mundo”. Mas do que alguém quer proteger seu filho ou filha? Proteção, como proteger? Proteger para quem?

A sociedade da informação antes referida nasceu na mesma época ou antes da chamada globalização. Ou seja, a tecnologia é um dos pilares e combustível deste fenômeno. A globalização também tem vários aspectos. Por um lado, os direitos humanos são globais e, convenhamos, isso é perfeitamente normal. Por outro lado, infelizmente, há muitas outras coisas que se globalizaram. Dependência humana da tecnologia digital, pobreza… A chamada sociedade da informação (identificada como sociedade em rede na perspectiva de vários pensadores) mudou, continua a transformar e continuará a transmutar a face da terra.

Quem sabe, proteger o planeta das agressões descontroladas realizadas diariamente pelos humanos contra “sua própria casa”.

Não é diferente com os direitos intelectuais, em todas as suas vertentes. De forma perceptível com os direitos autorais, na mesma época.

No início dos direitos autorais, no século 19, as criações do intelecto humano de caráter estético ou artístico eram armazenadas em um suporte — o exemplar —, hoje em dia, esse suporte é digital. Desaparece a noção de exemplar, juntamente com a outrora cantada ideia de “controle”, quem dirá de proteção “segura”.

Também aqui a crise é benéfica, pois levará a soluções plausíveis para os problemas apresentados.

Proteção dos direitos na Europa e no Brasil

A União Europeia estabeleceu novas diretrizes para a proteção dos direitos autorais, o que sem dúvidas levará a esta situação aqui, devido ao caráter internacionalista desta área. Se a reforma que provavelmente não foi perdida, mas negligenciada aqui, não for implementada por iniciativa do governo federal ou do Legislativo federal será devido à necessidade de adaptação à estrutura internacional.

No cenário brasileiro, a consulta pública relativamente recente sobre a possibilidade de alterações na legislação autoral de 2019 é um sinal disso.

A necessidade de atualizar a Lei de Direitos Autorais em nosso país é urgente. Estamos, no mínimo, 15 anos em desvantagem.

O uso do termo “clássica” se justifica, pois as mudanças trazidas pela sociedade da informação são relevantes nesse contexto. O conceito de obra e sua criação a partir de um suporte material, como mencionado anteriormente, é um exemplo disso.

A própria essência jurídica, sempre lembrando que o direito deve ser examinado de maneira harmoniosa e dialogada com outros campos do saber, o que pode eventualmente atrair uma pequena parte dos advogados. Não há regulação por regulação, não é à toa que o direito é considerado uma ciência social.

Se não podemos negligenciar o caráter transformador do Direito — e aqui é importante relembrar o papel dos direitos humanos, anteriormente reverenciados —, não podemos conceber um direito exclusivamente baseado na lei. Ou um direito simplesmente pelo direito. Portanto, dialoguemos com outras áreas. Na nossa conexão com a história, sociologia, antropologia, informática, filosofia e comunicação…

Na esfera jurídica, também com os direitos fundamentais.

Se o modelo tradicional/conservador dos direitos autorais não agrada a ninguém, nem mesmo ao autor (não se deixe enganar pelos defensores fervorosos de “propriedades” e “proteções excessivas”), algo não está bem.

Restrições aos direitos

Portanto, as restrições aos direitos autorais foram expostas também na perspectiva clássico-conservadora que as estabeleceu. Elas são apenas 13 entre nós, ainda vinculadas a um nível de expressão bastante obsoleto daqueles meados do século 20. Época do exemplar, que se desvanece cada vez mais no universo digital.

Também se repete em grande parte da doutrina autoral que as restrições são exaustivas, significando que não haveria outras além das expressamente estabelecidas em lei. São autores e estudiosos, portanto, merecem ser respeitados e apreciados, porém, em algumas ocasiões, alguns deles estão vinculados a interesses organizacionais específicos.

É inquietante não ser capaz de criar as limitações extrínsecas em tempos que as revelam. Elas ocorrem a partir do farol constitucional, que estabelece a dignidade da pessoa humana como alicerce do sistema, e também nas proximidades dos direitos fundamentais antes mencionados, frequentemente em conflito com o direito à educação, à informação, à cultura e aos direitos dos consumidores.

Reforma na lei é urgente

No quinto e último ponto de rápida reflexão, anotem-se as inconsistências das referidas limitações em relação à sociedade da informação. É urgente que realizemos a reforma da Lei de Direitos Autorais no Brasil, analisando cada capítulo, cada artigo, e cada ponto. Isso se faz necessário para alinhar a estrutura de direitos autorais do nosso país às novas tecnologias e às correntes que vêm da Europa, mas, acima de tudo, para cumprir o que estabelece a Constituição. Discutir constitucionalismo quase no começo de 2025, especialmente durante o último ano de um período em que constantemente tivemos que reafirmar a democracia, é algo bastante encorajador.

Vamos, com serenidade, realizar as alterações necessárias na regulação de direitos autorais. É essencial que, ao menos, dobremos o número de exceções a esses direitos. Juntos, com agilidade, devemos estabelecer uma cláusula geral de limitações para os direitos autorais em nossa legislação brasileira.

O momento é mais do que oportuno, especialmente porque o Brasil está discutindo no Legislativo federal lei que regula aspectos da inteligência artificial. É um período claro e propício — embora isso mereça um texto separado — para lutarmos pela revitalização dos direitos extrapatrimoniais dos autores. A sociedade brasileira se sentirá grata por isso. Com o tempo, os autores perceberão como essas mudanças estimularão e impulsionarão ainda mais suas criações.

Afinal, estão também eles atordoados com as tentativas de se construir “direito de autor sem autor”, com as criações oriundas de inteligência artificial.

Este tempo e este caminho serão complexos, sem dúvida. Contudo, apresentarão suas próprias respostas.

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