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Com foco em solução de problemas, Bruno Dantas redimensionou TCU no cenário nacional

 

27 de novembro de 2024, 8h52

O ministro Bruno Dantas, presidente do Tribunal de Contas da União, participará de sua última sessão na chefia da corte no próximo dia 4. Na quarta-feira seguinte (11/12), dará posse a Vital do Rêgo, seu atual vice, marcando o fim de uma gestão exitosa, iniciada em dezembro de 2022, que redimensionou o TCU.

Bruno Dantas Spacca

Bruno Dantas, presidente do TCU

Se até recentemente a corte de contas incentivava o ambiente policialesco que provocou um estado de letargia administrativa no país, a gestão de Dantas seguiu o rumo oposto. O ministro viabilizou a execução de políticas públicas e a manutenção de contratos importantes, tendo escolhido a conciliação como uma de suas prioridades.

Dantas foi admitido como pesquisador visitante sênior da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, para onde vai após o encerramento de seu mandato e onde ficará até o final de maio de 2025.

Ele não vai se licenciar do tribunal e continuará atuando durante o primeiro semestre do ano que vem por videoconferência, despachando processos e atendendo a advogados virtualmente.

No mesmo dia em que ele participará de sua última sessão como presidente do TCU, será lançado o livro O novo perfil do controle difuso de constitucionalidade, em sua homenagem.

TCU em foco

Até não muito tempo atrás, o TCU era conhecido por muitos como um pequeno órgão consultivo que ganhou projeção aqui e ali surfando na onda anticorrupção dos tempos da “lava jato”. Dantas revolucionou o órgão, que era quase invisível, e fez dele um protagonista importante no cenário nacional.

O ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal, disse à revista eletrônica Consultor Jurídico que o TCU na gestão de Dantas “redimensionou seu papel como protagonista do cenário nacional”.

“O ministro Bruno Dantas deu novas feições ao TCU. O órgão redimensionou seu papel como protagonista do cenário nacional. Suas iniciativas juntaram-se ao esforço do Judiciário, do Executivo e do Legislativo no sentido de buscar mais eficiência e dar mais transparência aos atos públicos.”

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, classificou a gestão de Dantas como “histórica” e disse que ela é resultado da condução da corte por um “estadista”.

“Uma histórica gestão de um estadista à frente de um tribunal que só cresce em importância e qualidade.”

Beto Simonetti, presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, afirmou que Dantas teve certa atuação política, mas em um bom sentido: o de promover políticas em favor dos mais vulneráveis e defender a democracia.

“Bruno Dantas pautou sua gestão na Presidência do Tribunal de Contas da União pelo compromisso com a democracia e com o interesse público. Seu trabalho reforçou a importância do TCU como guardião das boas práticas na administração pública e como voz ativa na promoção de políticas em favor dos mais vulneráveis. A OAB presta, assim, seu reconhecimento pela contribuição positiva do ministro Bruno Dantas com o Brasil.”

Transição

Dantas assumiu o cargo em 2022, ano turbulento para o Brasil. Desde então, defendeu que a atuação do TCU deve ser, por um lado, não renunciar ao seu poder sancionatório, e, por outro, operar sem emparedar gestores.

A visão do ministro é de que a corte de contas não pode ser vista como um empecilho para a tomada de decisões importantes. O resultado esperado é incentivar a oferta de serviços pelo poder público, em vez de encenar rituais burocráticos.

Nessa perspectiva, o TCU abriu as portas para que, já na fase de transição, o governo eleito em 2022 viabilizasse novas propostas com o auxílio da corte de contas, de modo a permitir que eventuais problemas fossem corrigidos já de início.

A Comissão de Ministros instituída pelo TCU para acompanhar a transição de governos em 2022 foi uma iniciativa inédita no âmbito da corte.

Secex Consenso

A atuação preventiva seguiu a mesma linha quanto às medidas adotadas pelo TCU em termos de conciliação. Uma das inovações de Dantas foi a Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (Secex Consenso), que busca construir soluções consensuais na administração pública, ampliar o diálogo com as instituições e prevenir conflitos.

A secretaria começou a funcionar no início de 2023. Uma de suas premissas não é muito difícil de entender: quando mudanças em contratos administrativos são pactuadas com a presença de auditores do TCU na mesa de negociação, é muito mais fácil evitar cláusulas ilegais, que acabam por paralisar contratos e a devida prestação de serviços. A medida também evita questionamentos futuros pelas partes.

Para Dantas, a sistemática evita insegurança jurídica, falta de investimentos e prejuízos para a sociedade. “Nós temos um imperativo legal, um arcabouço que permite que o tribunal atue dessa forma e também os insumos, que são contratos com problemas que precisam de solução”, disse ele à ConJur.

O ministro explicou o cenário que o levou a incentivar a solução consensual no TCU: um “estoque de contratos administrativos desequilibrados no Brasil” e um “apagão das canetas” — ou seja, um “ambiente policialesco” em que ministérios e agências deixavam de reequilibrar contratos.

Para o presidente do TCU, a experiência da mediação “tem sido muito exitosa”. Já foram firmados cinco acordos em um ano e meio e outros 16 casos estão em andamento.

Em setembro deste ano, a corte de contas e a Advocacia-Geral da União firmaram um acordo para melhorar as medidas de conciliação. O termo prevê a troca de experiências entre os órgãos e ações conjuntas para proporcionar a especialização de servidores em mediação de impasses envolvendo a administração pública.

Frutos

Em evento ocorrido em junho deste ano, o TCU apresentou os primeiros resultados da medida: a conciliação garantiu, nos cinco acordos homologados, uma economia bilionária em setores importantes, como o de ferrovias e o de energia.

Um dos acordos nasceu de um pedido do Ministério de Minas e Energia envolvendo contratos de energia de reserva devido a uma crise de falta de água ocorrida entre 2020 e 2021.

A BTG, que estava em dia com os contratos, concordou em participar de uma comissão para discutir o problema. E o TCU aprovou uma solução que permitiu flexibilizar o fornecimento de energia, ativando as usinas só quando necessário, o que levará a uma economia de R$ 224,5 milhões até 2025.

Em outro caso, desta vez envolvendo o Ministério de Minas e Energia e a empresa turca Karpowership, haverá economia de até R$ 2,9 bilhões, segundo o TCU. A disputa trata da geração de energia inflexível, do pagamento de multas por atrasos e do encerramento de processos.

“A criação da secretaria materializa um deslocamento do olhar do tribunal para os resultados e para a construção de soluções. Ao aprofundar os casos concretos submetidos à corte, percebemos que, muitas vezes, a melhor solução não está pronta na legislação. Ela surge a partir de um processo de diálogo construtivo entre o ministério setorial, a agência reguladora e o setor privado”, disse Dantas na apresentação dos resultados.

A avaliação de especialistas é de que os métodos consensuais adotados pelo TCU destravam investimentos, evitam litígios e garantem segurança jurídica sem sacrificar a boa governança.

“No caso do TCU, ainda há um diferencial: além do acordo, o processo passa por toda a governança do TCU. Isso evita que uma obra, por exemplo, seja paralisada no futuro porque o TCU identificou uma cláusula que não está de acordo. Quando o aditivo é assinado, já tem a chancela do TCU”, afirma Letícia Queiroz, professora de Direito Administrativo da PUC-SP.

Benefícios financeiros

O TCU, sob a batuta de Dantas, também contribuiu para os esforços do governo federal para abastecer os cofres públicos. O volume de benefícios financeiros obtidos a partir de ações de controle subiu de R$ 82,2 bilhões em 2022 para R$ 178, 7 bilhões em 2023.

“Esse valor é 76 vezes superior à despesa líquida no ano, que foi de cerca de R$ 2,3 bilhões, evidenciando a eficácia das medidas adotadas para tornar os programas do governo mais econômicos e eficientes”, disse o ministro ao Anuário da Justiça, publicação da ConJur.

Uma das auditorias que resultaram em economia para os cofres públicos foi a feita no CadÚnico, que fez verificações domiciliares em 2.662 famílias. O levantamento constatou a concessão irregular de benefícios.

Entre 2022 e 2023, a produtividade aumentou: foram 28.489 acórdãos em 2023, ante 22.479 no ano anterior. O número de processos de controle externo também cresceu, de 4.644 em 2022 para 5.551 em 2023.

No ano passado, 49 empresas foram declaradas inidôneas, ante 44 em 2022. Já o montante envolvendo cobranças executivas cresceu de R$ 2,4 bilhões em 2022 para R$ 4,3 bilhões em 2023.

Tecnologia e transparência

A gestão de Dantas também fez investimentos significativos em tecnologia, o que incluiu o uso de inteligência artificial, a exemplo do ChatTCU, que auxilia auditores em ações como resumir peças, buscar jurisprudência e procurar informações sobre tramitação de processos.

Em junho deste ano, o TCU cedeu o código-fonte da ferramenta para uso na administração pública. Os primeiros órgãos licenciados foram o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos e os Tribunais de Contas do Distrito Federal, do Acre e do Ceará.

A ferramenta utiliza inteligência artificial generativa. Ou seja, é capaz de criar informação, em vez de só analisar ou reproduzir dados existentes. O ChatTCU aprimorou processos internos dos tribunais.

Veja alguns destaques da gestão de Bruno Dantas no TCU:

  1. Urnas: Em 2022, o ministro foi o responsável por organizar o grupo de auditores do tribunal que fiscalizou boletins de urnas de sessões eleitorais dos 26 estados e do Distrito Federal. Também atuou ao lado do ministro Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, em testes de integridade feitos nas urnas eletrônicas;
  2. Transição de governos: Em 2022, o TCU instituiu um comitê de ministros para acompanhar a transição governamental. Foi a primeira vez que a corte de contas formou uma comissão para acompanhar esse processo. Dantas apresentou diversos relatórios para auxiliar o futuro governo no desenvolvimento de políticas públicas, entre eles a lista de alto risco da administração pública federal;
  3. Intosai: Também em 2022, Dantas, como representante do TCU, assumiu a presidência da Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores (Intosai), conselho de auditores ligados à Organização das Nações Unidas. Por sua atuação na organização, foi condecorado com a Ordem Nacional da Estrela da Romênia, mais alta distinção concedida pelo país europeu;
  4. ClimateScanner e transição energética: Ainda em âmbito internacional, foi apresentado neste mês, na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP29), o ClimateScanner, iniciativa coordenada pela Intosai sob a liderança de Dantas;
  5. Transformação digital: A gestão de Dantas apostou nos investimentos em tecnologia para melhorar seus processos internos, a transparência e facilitar o acesso a informações por parte do público. Em 2023, o tribunal se tornou um dos primeiros órgãos do Brasil a oferecer a tecnologia de IA generativa, o ChatTCU;
  6. Leniências: Sob o comando de Dantas, o TCU aprovou uma instrução normativa que estabelece diretrizes para a atuação em acordos de leniência. O órgão atua a partir do recebimento de informações da AGU e da CGU no início e no fim da fase de negociação, bem como depois da assinatura do acordo. A resolução prevê a possibilidade de inclusão de danos apurados pelo TCU na conformação dos acordos;
  7. Recupera RS: Após o desastre climático que afetou quase 95% dos municípios gaúchos, o TCU instituiu, em maio deste ano, o programa Recupera Rio Grande do Sul, para acompanhar iniciativas de reestruturação. Entre as ações da corte de contas estão a aplicação de recursos em atividades da Defesa Civil; as contratações em geral e as obras de infraestrutura; a atuação da Amac e da ANTT; o pagamento do auxílio-reconstrução ao Rio Grande do Sul; os recursos empregados no programa Minha Casa Minha Vida; e os recursos repassados às famílias e trabalhadores afetados pelas enchentes;
  8. Relatório de Políticas e Programas de Governo (RePP): Começou a ser produzido anualmente, a partir de 2017, para subsidiar a Comissão Mista de Orçamento do Congresso na alocação do dinheiro público. A 8ª edição reúne informações das áreas de educação, saúde, desenvolvimento regional, assistência social, energia elétrica e saneamento. O documento faz uma análise consolidada de 13 fiscalizações em políticas públicas feitas pelo tribunal entre 2023 e 2024;
  9. Painel Resultados do TCU: Apresenta dados dos principais indicadores, resultados e atividades desenvolvidas pelo tribunal, com informações a partir do 1º trimestre de 2021. A atualização do painel ocorre após o quinto dia útil de cada mês;
  10. Projeto contra a advocacia privada na corte: Sob a batuta de Dantas, o TCU elaborou e enviou à Câmara proposta de projeto de lei para proibir que servidores do órgão atuem como advogados privados. O objetivo da proposta é coibir eventuais casos de concorrência desleal, em que integrantes do TCU possam captar clientes. Além disso, busca barrar possíveis casos de conflito de interesses.

Trajetória

Dantas tem 46 anos e nasceu em Salvador. Foi nomeado para o cargo de ministro do TCU pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e assumiu o posto em agosto de 2014. É doutor e mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP e fez pós-doutorado em Direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Antes de chegar ao TCU, foi consultor do Senado Federal, de 2003 a 2014. De 2007 a 2011, foi consultor-geral da casa legislativa. Também foi conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), de 2009 a 2011, e do Conselho Nacional de Justiça, entre 2011 e 2013.

Dantas integrou a comissão do Senado responsável por elaborar o anteprojeto do Código de Processo Civil. Ele também presidiu a comissão da Câmara que criou projetos de aperfeiçoamento da gestão governamental e do controle da administração pública.

Em 2022, o ministro foi o responsável por organizar o grupo de auditores do tribunal que fiscalizou boletins de urnas de sessões eleitorais dos 26 estados e do Distrito Federal. E também atuou ao lado do ministro Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, em testes de integridade feitos nas urnas eletrônicas nas eleições daquele ano.

Em julho deste ano, o Brasil, pela primeira vez, passou a contar com um assento no Conselho de Auditores da Organização das Nações Unidas. Dantas representa o TCU na organização.

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