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Para STJ, conivência da empresa com atos dolosos de diretores invalida seguro D&O

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26 de novembro de 2024, 15h54

A conivência da empresa com atos ilícitos dolosos praticados por seus prepostos basta para tornar nulo o contrato de seguro de responsabilidade civil de diretores e administradores de pessoa jurídica (seguro D&O).

troca de contrato

Ao assinar contrato de seguro D&O, Embraer esqueceu de avisar que era investigada nos Estados Unidos

A conclusão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que confirmou que a Embraer não poderá ser indenizada pelos prejuízos auferidos em decorrência de atos ilícitos praticados por conselheiros, diretores e representantes.

A indenização está prevista no seguro D&O (do inglês Directors and Officers Liability Insurance), firmado pela empresa com uma seguradora. O contrato visa a protegê-la contra as ações de responsabilidade que possam ser ajuizadas com o objetivo de ressarcir os prejuízos causados em virtude de atos irregulares praticados por meio da companhia.

A ação foi ajuizada pela Embraer após a recusa da cobertura pela seguradora. As instâncias ordinárias concluíram que a indenização não deve ser paga porque o contrato é nulo.

Beneficiária de um esquema

A posição do Tribunal de Justiça de São Paulo se baseou em diversos indícios de que a Embraer foi conivente com as irregularidades, inclusive por falhar na fiscalização interna e na criação de programas de conformidade. Para o TJ-SP, essa conivência permitiu os ilícitos que gerariam a indenização, o que se equipara ao ato doloso do segurado, cujo risco torna nulo o contrato de seguro, conforme prevê o artigo 762 do Código Civil.

Foram muitos os problemas. A começar do fato de que, ao preencher o questionário enviado à seguradora no momento da contratação do seguro, a Embraer omitiu o fato de que era investigada nos Estados Unidos. O caso levou a um acordo firmado com a Securities and Exchange Commission, órgão equivalente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e homologado pelo Tribunal de Justiça da Flórida (EUA), reconhecendo atos ilícitos e danosos.

A partir daí, a Embraer firmou termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público Federal e a CVM confessando a prática de atos ilícitos dolosos que não podem ser abrangidos por cobertura securitária.

Isso ainda gerou uma ação penal contra um dos diretores da Embraer, que foi condenado por corrupção ativa em transação comercial internacional. Essa decisão ainda não é definitiva.

A Embraer recorreu ao STJ para questionar esses elementos, usados pelo TJ-SP para mostrar sua conivência dolosa com os ilícitos. Questionou o uso da sentença estrangeira americana não homologada pelo STJ e a citação à decisão criminal não definitiva.

Contrato nulo

Por unanimidade de votos, a 3ª Turma do STJ negou provimento ao recurso. Relatora, a ministra Nancy Andrighi explicou que a jurisprudência se firmou no sentido de que o contrato D&O somente possui cobertura para atos culposos de diretores, administradores e conselheiros, praticados no exercício de suas funções.

A ideia é restringir a cobertura para a proteção das partes lesadas por um erro de gestão, não um seguro para acobertar crimes. No caso, o TJ-SP levou em conta um amplo conjunto probatório que revela um esquema de corrupção engendrado do qual a Embraer estava ciente e se beneficiava.

“Sendo a empresa quem firmou o contrato de o seguro D&O e estando devidamente comprovado o cometimento doloso de atos fraudulentos que não podem ser abrangidos pela cobertura securitária, o referido contrato de seguro é nulo, não podendo ser aproveitado em favor de quaisquer dos segurados”, concluiu a relatora.

Decisão paradigmática

O caso foi abordado pelos advogados Ilan Goldberg e Thiago Junqueira na coluna Seguros Contemporâneos, publicada pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

Para eles, o acórdão é um marco no entendimento sobre seguros D&O no Brasil ao mostrar que, embora a cobertura securitária busque proteger administradores inocentes, a falha nos sistemas de controle e a conivência institucional podem comprometer a validade do contrato como um todo.

“Esse cenário reforça a necessidade de rigor na implementação de governança corporativa e na estruturação das apólices, assegurando que os contratos atendam às exigências legais, sociais e do mercado”, disseram os advogados.

Clique aqui para ler o acórdão
REsp 2.149.053

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