Faltam recursos e gestão na educação
26 de novembro de 2024, 8h00
É sempre necessário lembrar Celso Furtado quando disse que economia sem ciência social é pura álgebra, assim se pode compreender o texto do economista Marcos Mendes publicado dia 1º de novembro na Folha.
Mendes se volta contra a expansão da complementação federal ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), por ter sido supostamente incapaz de entregar resultados melhores em exames como o Pisa, avaliação internacional amostral.
O aumento da participação federal no Fundeb de 10% para 23% foi previsto pela Emenda do Fundeb permanente em 2020 (EC 108), mas ainda não foi concluído, porque está escalonado para ocorrer paulatinamente de 2021 até 2026. Todavia Marcos Mendes se apressa em avaliar a mudança desde já, como se já estivesse plenamente implementada há décadas.
O autor ignora ou deliberadamente desconsidera que reformas educacionais não produzem efeitos imediatos, tampouco são automáticas, porque demandam enraizamento intergeracional. Vale lembrar, aliás, que a universalização da educação básica obrigatória para todos os brasileiros de 4 a 17 anos de idade somente ocorreu em 31/12/2016, por força do artigo 6º da Emenda Constitucional 59/2009. Antes disso somente o ensino fundamental era, de fato, assegurado a todos no Brasil.
A tardia e ainda incompleta oferta da pré-escola e do ensino médio se soma ao déficit de vagas em creche e à insuficiente oferta de vagas em tempo integral nas redes públicas de ensino de todo o país. Variáveis como essas nos permitem afirmar que mais investimentos em educação melhoram a qualidade da educação. Qualidade implica fatores que dependem da escola e outros que vão além dela, por isso construir políticas de educação não é como fazer passeio no shopping da economia, pegando fórmulas e aplicando-as sem contexto ou desconsiderando políticas sociais complementares.
A crítica ao Fundeb permanente, aprovado em 2020, grosseiramente oculta que 45,5% da população brasileira não concluiu a etapa obrigatória, ou seja, sequer concluiu o ensino médio, segundo a PNAD Contínua – Educação 2023. Para fins de contraste, apenas cerca de 21% dos adultos entre 25 e 64 anos, em média, não havia concluído o ensino médio nos países da OCDE.
Há nove milhões de brasileiros entre 14 e 29 anos de idade que abandonaram a escola, antes de concluir a educação básica obrigatória. Além disso, é preciso falar do analfabetismo que alcança 9,3 milhões de pessoas com 15 anos de idade ou mais no nosso país. Portanto, o ensino de jovens e adultos deveria ser tão prioritário quanto a mitigação do déficit de vagas em creches e a expansão das vagas em tempo integral. Como os filhos de pais analfabetos ou semialfabetizados não recebem suficientes estímulos intelectuais da família para sua formação neuronal desde a primeira infância, tais crianças e jovens, em especial, deveriam ser destinatários de políticas compensatórias à altura da dívida educacional que o Brasil acumulou com a baixa e tardia escolarização do seu povo.
Visão nostálgica
Os resultados do Pisa nada têm a ver com um financiamento que se está implementando há cerca de três anos, tendo sido atravessado pela pandemia da Covid-19 que derrubou os esforços feitos e agravou as abissais desigualdades educativas no mundo. As avaliações de larga escala, em todo caso, são somente um indicador de qualidade, não são o único, tampouco o mais importante, nem o principal.
O argumento de Marcos Mendes é antigo e repetido há décadas: funda-se na ideia de que não é problema de dinheiro, mas, sim, de gestão. Trata-se de visão nostálgica presa nos anos 1990. Vamos entender uma coisa: existem problemas de recursos e de gestão na educação, não são questões excludentes e ambos convivem na educação pública brasileira. Investimos somente 1/3 do que os países da OCDE aplicam e temos, sim, problemas de ineficiência do investido, como o comprovam as auditorias e fiscalizações.
Ao invés de excesso de gasto marcado por baixo desempenho estudantil, o Brasil registra baixo investimento e má gestão, a qual decorre, primordialmente, da falta de aderência ao Plano Nacional de Educação (PNE) na aplicação dos recursos vinculados à educação.
É impossível exigir uma “revolução” com apenas 3 anos de vigência do Fundeb permanente, sobretudo porque há apenas oito anos houve o dever constitucional de universalização da pré-escola e do ensino médio. Reiteramos que a dívida intergeracional na educação é colossal.
Por fim, mas não menos importante, consideramos insubsistente a crítica à política de valorização remuneratória dos professores da educação básica, como se o piso de R$ 4,6 mil fosse suficiente e adequado para enfrentar o cenário de apagão docente, a baixa atratividade da carreira e os baixos salários em relação aos demais profissionais com mesma formação de nível superior, três fenômenos apontados no último relatório mundial sobre os professores.
Não ignoramos a necessidade de aprimorar a gestão da política educacional e de refletir a qualidade do gasto vinculado ao setor, mas isso não permite inferir espaço fiscal para reverter a expansão da complementação federal ao Fundeb.
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