Opinião

Discricionariedade do Ministério Público na suspensão condicional do processo

Autor

  • é advogada de Direito Ambiental e Minerário pós-graduada em Direito Minerário pelo Centro de Estudos em Direito e Negócio (Cedin) coautora do livro Dimensões jurídicas das políticas públicas – Vol. 1 e autora de artigos publicados nos livros Energia e Meio Ambiente Tomo II Synergia Editora 2021 e Direito Minerário em Foco – Tomo II Synergia Editora 2021.

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26 de novembro de 2024, 20h55

A suspensão condicional do processo, prevista no artigo 89 da Lei nº 9.099/1995 (dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências), configura-se como um dos mais importantes instrumentos de despenalização no sistema processual penal brasileiro.

Voltada para delitos de menor potencial ofensivo, sua aplicação busca evitar a imposição de sanções mais severas, privilegiando alternativas que promovam a reparação do dano e a ressocialização do acusado. No entanto, a concessão desse benefício não ocorre automaticamente, pois sua proposição está inserida no âmbito da discricionariedade do Ministério Público, que, como titular da ação penal, exerce um papel de filtro e de avaliação sobre a adequação e suficiência da medida para os fins de justiça.

Essa discricionariedade, entretanto, não é absoluta. Trata-se de uma discricionariedade regrada, que exige do órgão acusador a observância dos requisitos legais e a fundamentação de sua decisão, seja pela proposição ou pela recusa do benefício. Tal prerrogativa, embora resguarde a autonomia funcional do Ministério Público, pode suscitar questionamentos judiciais em casos de omissão ou negativa infundada, especialmente diante do interesse público na aplicação de soluções consensuais e menos onerosas para o sistema penal.

Nesse contexto, o presente artigo examina a extensão e os limites da discricionariedade do Ministério Público na proposição da suspensão condicional do processo, destacando seus fundamentos legais, os reflexos no princípio da legalidade e os mecanismos de controle judicial que visam garantir o equilíbrio entre a autonomia ministerial e os direitos do acusado.

Suspensão condicional do processo: panorama geral

A suspensão condicional do processo penal, prevista no artigo 89 da Lei nº 9.099/1995 , é um instituto de Direito Processual Penal que permite a suspensão do curso do processo por um período determinado, mediante o cumprimento de certas condições impostas ao acusado. Esse mecanismo tem natureza despenalizadora e busca evitar a imposição de uma pena privativa de liberdade em situações de menor gravidade

A medida também reflete o interesse do legislador em privilegiar a celeridade e eficiência da justiça, evitando o desgaste de recursos públicos com a tramitação de processos de menor complexidade. No entanto, a proposta da suspensão não ocorre de forma automática, estando vinculada ao poder-dever do Ministério Público, que avalia a conveniência de sua aplicação em cada caso concreto.

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Para aplicação do benefício, a pena mínima cominada deve ser igual ou inferior a um ano, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, cumpridos demais requisitos trazidos pelas normas relacionadas, dentre elas, o entendimento de cabimento da medida pelo Ministério Público.

Natureza da discricionariedade do MP

A legislação confere ao Ministério Público a competência para propor a suspensão condicional do processo, expressa no artigo 89 da Lei nº 9.099/1995:

“Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão condicional do processo, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime e preenchidos os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena.”

A expressão “poderá propor” evidencia que se trata de uma discricionariedade regrada, na qual o órgão acusador avalia não apenas o preenchimento dos requisitos objetivos – como o limite da pena, a inexistência de antecedentes criminais e a adequação da medida –, mas também aspectos subjetivos relacionados ao acusado, como sua conduta social e o grau de reprovação do delito.

Essa discricionariedade não significa arbitrariedade. O Ministério Público deve fundamentar sua decisão de não propor o benefício, sob pena de violar os princípios da motivação das decisões e da transparência na atuação estatal.

Atuação do Judiciário frente à recusa do MP

Embora o Ministério Público detenha a prerrogativa de avaliar a conveniência da suspensão condicional do processo, sua decisão está sujeita a controle judicial. O sistema acusatório, adotado pelo Brasil, impede que o juiz substitua o papel do órgão acusador, mas não o exime de exercer sua função de garantidor dos direitos fundamentais do acusado.

Consoante a jurisprudência, a iniciativa para propor a suspensão condicional do processo é um poder-dever do Ministério Público:

“Transação penal homologada em audiência realizada sem a presença do Ministério Público: nulidade: violação do art. 129, I, da Constituição. 1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal – que a fundamentação do leading case da Súmula 696 evidencia: HC 75.343, 12.11.97, Pertence, RTJ 177/1293 -, que a imprescindibilidade do assentimento do Ministério Público quer à suspensão condicional do processo, quer à transação penal, está conectada estreitamente à titularidade da ação penal pública, que a Constituição lhe confiou privativamente (CF, art. 129, I). 2. Daí que a transação penal – bem como a suspensão condicional do processo – pressupõe o acordo entre as partes, cuja iniciativa da proposta, na ação penal pública, é do Ministério Público.” [RE 468.161, rel. min. Sepúlveda Pertence, 1ª T, j. 14-3-2006, DJ de 31-3-2006.]

Diante de uma negativa não fundamentada ou omissão do Ministério Público, o magistrado pode determinar a reavaliação da decisão pelo MP, para que este fundamente sua decisão pela não propositura do instituto despenalizador. Ainda pode o magistrado – ou se já verificados os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas recursando-se o Promotor a propor a surcis – remeter a questão ao procurador-geral, aplicando-se por analogia o artigo 28 do Código de Processo Penal, por aplicação da Súmula 696 do Superior Tribunal Federal:

“Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal.”

Essas medidas têm por objetivo equilibrar a discricionariedade do MP com o direito do acusado à análise justa e transparente de sua situação processual.

Spacca

No contexto dos crimes ambientais, a suspensão condicional do processo assume especial relevância, pois permite a conciliação entre a responsabilização penal e a reparação do dano ambiental. A Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal nº 9.605/1998) reforça a possibilidade de aplicação desse benefício, nos crimes de menor potencial ofensivo, com algumas modificações em relação ao que dispõe o artigo 89 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995 (artigo 28). A resumir-se, o artigo 28 da Lei de Crimes Ambientais prioriza a efetiva reparação integral do dano ambiental, inclusive como requisito para declaração de extinção de punibilidade (inciso V).

Conclusão

A discricionariedade do Ministério Público na proposição da suspensão condicional do processo reflete sua autonomia funcional e seu papel como titular da ação penal. No entanto, essa prerrogativa não é absoluta, exigindo o cumprimento de critérios legais e a devida fundamentação, a fim de evitar arbitrariedades e garantir o equilíbrio entre a repressão penal e os direitos do acusado.

No contexto de crimes ambientais, a suspensão condicional do processo revela-se uma ferramenta valiosa para a promoção da justiça restaurativa, desde que aplicada de maneira criteriosa e transparente. Especialmente neste contexto, a reflexão do Ministério Público sobre o cabimento da medida despenalizadora em comento, se presta a garantir  o objetivo claro do artigo 28 da Lei de Crimes Ambientais, qual seja, a busca pela reparação integral do dano ambiental.

Assim, o controle judicial sobre a decisão ministerial, ainda que limitado, é essencial para assegurar que a discricionariedade se mantenha dentro dos limites legais e constitucionais, atendendo tanto ao interesse público quanto à proteção dos direitos fundamentais.

Autores

  • é advogada de Direito Ambiental, urbanístico, terceiro setor e Minerário, pós-graduada em Direito Minerário pelo Centro de Estudos em Direito e Negócio (Cedin), graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, coautora do livro Dimensões Jurídicas das Políticas Públicas – Vol. 1 e autora de artigos publicados nos livros Energia e Meio Ambiente Tomo II (Synergia Editora, 2021) e Direito Minerário em Foco – Tomo II (Synergia Editora, 2021).

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