Opinião

Subcapitalização como causa de desconsideração da personalidade jurídica

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  • é advogado professor universitário especialista em Direito Empresarial presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB/MS e sócio proprietário do escritório Britto & Simões Advogados.

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26 de novembro de 2024, 19h38

A desconsideração da personalidade jurídica é regulada pelo artigo 50 do Código Civil, que foi objeto de recente modificação pela Lei da Liberdade Econômica, passando a vigorar com a seguinte redação:

Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

A mais conceituada e especializada doutrina entende a desconsideração da personalidade jurídica como a ineficácia temporária da personalidade jurídica, permitindo assim que os bens particulares de sócios ou administradores respondam pelos efeitos de certas e determinadas obrigações das quais tenham sido beneficiados direta ou indiretamente.

O Código Civil, através de seu artigo 50, manteve-se fiel aos postulados da disregard doctrine norte-americana, adotando o que se entende por Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica, segundo a qual, para a desconsideração da personalidade jurídica, é necessária a comprovação do abuso na personalidade jurídica, que é evidenciado pela confusão patrimonial ou pelo desvio de finalidade.

Após a modificação legislativa imposta pela Lei n. 13.874/2019, foram inseridos parágrafos no artigo 50 do CC, de modo a delimitar a confusão patrimonial e o desvio de finalidade:

Art. 50. (…)
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:
I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;
II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e
III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

Vê-se que o intento do legislador foi, na medida do possível, buscar delimitar de maneira específica os conceitos de confusão patrimonial e desvio de finalidade caracterizadores do abuso da personalidade jurídica e, portanto, aptos a ensejar a sua desconsideração, nos termos da teoria maior.

Abuso da personalidade jurídica

Contudo, notório é que o abuso da personalidade jurídica pode se dar por diversos fatores que não apenas a confusão patrimonial ou o desvio de finalidade. Alguns autores entendem que a subcapitalização da sociedade poderia ser causa suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica mesmo não estando expressamente prevista no referido artigo 50 do CC.

Spacca

A subcapitalização é classificada por Salomão Filho (2019, p. 370) como simples e qualificada. A subcapitalização qualificada seria aquela em que o capital social é notoriamente insuficiente ao exercício do mister empresarial, de sorte que, o risco assumido pelo sócio em exercer a atividade sem o respaldo de um capital social adequado é suficiente para caracterizar sua responsabilidade.

Imagine-se, por exemplo, uma sociedade empresária cujo objeto consista em construção e incorporação de edifícios residenciais, que detenha capital social de R$ 1.000,00. Embora não haja obrigação legal que preveja capital mínimo, parece óbvio que o capital social não é suficiente ou compatível com a atividade desenvolvida.

Já a simples, mais difícil de ser provada, ocorreria quando a subcapitalização não é tão evidente e carece da demonstração do elemento subjetivo de culpa ou dolo dos sócios em não dotar a sociedade de capital suficiente (SALOMÃO FILHO, 2019, p. 370).

Subcapitalização aplicada

Parece-nos ser mais coerente a aplicação do que o autor chama de subcapitalização qualificada, ou seja, quando há evidente discrepância entre a atividade exercida e o capital social, até porque, como dito, o próprio legislador não prevê capital social mínimo para sociedades em geral — sobretudo após a extinção da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada pela Lei da Liberdade Econômica —, sendo difícil exigir que o sócio preveja qual o capital social adequado antes mesmo do início de suas atividades.

Por outro lado, não se pode olvidar que exercer uma atividade, tendo ciência de que o capital social é insuficiente, é abusar da personalidade jurídica, pois o sócio, além de inviabilizar a atividade empresarial, impedindo-a de exercer seus fins maiores, econômicos e sociais, transfere totalmente o risco a terceiros que eventualmente venham a contratar com a sociedade subcapitalizada (RODRIGUES FILHO, 2023, p. 70).

Rodrigues Filho (2023, p. 70) ainda destaca que a subcapitalização pode “se dar logo no início da constituição da pessoa jurídica ou ocorrer no decurso de sua atividade, pelo aumento do volume dos negócios, para os quais ela não ostenta efetivamente recursos”.

Há quem defenda que a subcapitalização não seria causa apta a motivar a desconsideração por não estar expressamente prevista no artigo 50 do CC. Com vênia aos entendimentos contrários, em nosso entender, a subcapitalização da sociedade, a afasta de sua função social, bem como transfere o risco da atividade aos terceiros que eventualmente com ela contratem, e apenas por isso, já motivaria a desconsideração da personalidade jurídica.

Não obstante, entendemos que, por interpretação extensiva, a subcapitalização poderia ser enquadrada como abuso da personalidade jurídica da sociedade (artigo 50 caput), utilização da pessoa jurídica com propósito de lesar credores (artigo 50, § 1º), e até mesmo enquadrada como outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial (artigo 50, § 2º, III), estando assim legalmente respaldado o pedido de desconsideração da personalidade jurídica lastreado na subcapitalização da sociedade.

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Referências

BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Código Civil, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm.

RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Desconsideração da personalidade jurídica e processo. 2. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2023.

SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário : Eficácia e sustentabilidade. 5. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019.

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