Posição do STJ sobre impenhorabilidade de até 40 salários ameaça mínimo existencial
25 de novembro de 2024, 8h52
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 1.235, estabeleceu a tese de que a impenhorabilidade de depósitos ou aplicações financeiras no valor de até 40 salários mínimos não é matéria de ordem pública e, portanto, não pode ser reconhecida de ofício pelo juiz.
A controvérsia gira em torno dos artigos 833 e 854 do Código de Processo Civil. O primeiro estabelece que é impenhorável a quantia depositada em caderneta de poupança até o limite de 40 salários mínimos, enquanto o segundo determina um rito para que o devedor afaste o bloqueio, que inclui o prazo de cinco dias para provar que se trata de verba impenhorável.
A relatora da matéria, ministra Nancy Andrighi, defendeu que a impenhorabilidade da verba de até 40 salários mínimos é regra de direito disponível do executado e que, por isso, não tem natureza de ordem pública. Esse entendimento prevaleceu no colegiado.
A decisão se deu sob o rito dos recursos repetitivos e representa uma mudança de jurisprudência da corte, que até então era no sentido de que caberia ao juiz decretar de ofício a impenhorabilidade de valores de até 40 salários mínimos em contas correntes e aplicações financeiras.
Segundo especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, na mesma medida em que o novo entendimento agiliza a recuperação de créditos, também fragiliza o direito do devedor ao mínimo existencial.
Situação de vulnerabilidade
João Pedro Ramos Garcia, advogado do escritório Ballstaedt Gasparino Advogados, sustenta que a decisão do STJ obriga o devedor a reivindicar a impenhorabilidade para proteger seus recursos essenciais. Ele também alerta que a nova posição da corte não levou em conta que pode existir um desequilíbrio entre as partes, já que credores geralmente têm mais recursos e acesso a suporte legal, enquanto os devedores podem estar em situação de vulnerabilidade.
“Em resumo, ao não prever salvaguardas automáticas para proteger o mínimo existencial do devedor, a decisão pode, de fato, limitar essa garantia, expondo-o a riscos que afetam sua sobrevivência e dignidade.”
Daniela Poli Vlavianos, do escritório Poli Advogados & Associados, segue a mesma linha. Segundo ela, na prática, ao depender de uma manifestação do devedor para que a impenhorabilidade seja reconhecida, a decisão judicial pode implicar a privação temporária de recursos essenciais, até que o devedor consiga apresentar defesa no processo e obtenha uma resposta judicial.
“Caso o devedor precise esperar pela tramitação do processo para obter a liberação de valores fundamentais à sua sobrevivência, ele fica vulnerável à morosidade do sistema judicial e à própria complexidade procedimental. Em outras palavras, o devedor pode passar semanas ou até meses sem acesso a esses recursos, enquanto seu pedido aguarda análise, o que gera um impacto direto em seu direito fundamental de manter um padrão mínimo de dignidade.”
Thiago Hamilton Rufino, da banca Rufino Advocacia, defende, por sua vez, que o entendimento do STJ vai no sentido contrário do legislador, que na redação do artigo 833 do CPC buscou garantir ao cidadão em dificuldades o mínimo para o custeio de despesas básicas.
“A decisão do STJ, ao não permitir ao juiz reconhecer de ofício a impenhorabilidade, é um retrocesso. Isso porque muitos devedores não conseguem pagar suas dívidas por condições adversas, tais como problemas familiares, desemprego ou questões de saúde.”
Direito do credor
Se por um lado a decisão do STJ pode comprometer o mínimo existencial dos devedores, ela também garante mais celeridade à satisfação de créditos. Renata Cavalcante de Oliveira, sócia da área de recuperação de crédito do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados, defende que foi um acerto estabelecer que a impenhorabilidade de saldo inferior a 40 salários mínimos da poupança não deve ser reconhecida de ofício. “Isso porque o artigo 833 do Código de Processo Civil, que trata da impenhorabilidade, não faz nenhuma menção sobre ser matéria de ordem pública. Desse modo, a lei expressamente atribui ao devedor a incumbência de provar a impenhorabilidade do bem constrito, concedendo, inclusive, prazo para que o faça, sob pena de preclusão.”
Renata sustenta que entender o artigo 833 de modo diverso seria inovar na interpretação da lei, uma vez que o devedor não só pode alegar a impenhorabilidade dos valores constritos em poupança, quando se tratar de penhora de até 40 salários mínimos, como também pode não fazê-lo. “Trata-se de uma faculdade do devedor, que pode escolher renunciar ao seu direito, caso queira extinguir uma dívida em seu nome. Não cabe ao juiz advogar em prol do devedor. Trata-se de um avanço para quem atua na área de recuperação de crédito.”
Por fim, Ariane Cristina Bellio, especialista em recuperação de créditos do escritório Benício Advogados, diz que a decisão do STJ é fundamental para facilitar a recuperação de créditos, já que será exigido do executado que ele comprove que os valores localizados em suas contas ou previdência privada não podem ser destinados ao pagamento de dívidas de caráter não alimentar.
“Essa orientação promove segurança jurídica, assegura celeridade e eficácia aos processos executivos e protege o direito dos credores em buscar o cumprimento efetivo de suas garantias.”
REsp 2.061.973
REsp 2.066.882
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