Opinião

Impactos da depreciação acelerada na cultura da cana-de-açúcar

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  • é advogada do escritório Advocacia Lunardelli especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-COGEAE) e graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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25 de novembro de 2024, 18h24

A recente decisão da 1ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CSRF), proferida em 7 de novembro de 2024, trouxe importantes repercussões para o setor agrícola ao reconhecer a possibilidade de aplicação da depreciação acelerada na formação de lavouras de cana-de-açúcar.

cana-de-açúcar plantação

Esse entendimento reforça o debate sobre o tratamento tributário no agronegócio, em especial no setor canavieiro, e levanta questões sobre os reflexos dessa medida na base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

A depreciação acelerada é um benefício fiscal previsto no artigo 6º da Medida Provisória nº 2.159-70/2001, que permite a dedução integral, no mesmo ano de aquisição, dos bens do ativo imobilizado destinados à exploração rural por produtores pessoas jurídicas optantes pelo lucro real.

Evolução da jurisprudência administrativa sobre o tema

A aplicação desse benefício às lavouras agrícolas, especialmente à cana-de-açúcar, gerou debates no Carf ao longo dos anos. O histórico decisório apresenta interpretações divergentes, conforme demonstram os principais acórdãos a seguir:

2004 (Acórdão nº 101-94.597)

O Carf, por unanimidade, reconheceu a aplicabilidade do benefício com base na interpretação finalística da legislação, considerando a exposição de motivos da Medida Provisória nº 167/90, convertida na Lei nº 8.023/90 e posteriormente reintroduzida pela MP nº 2.159-70.

Spacca

No voto condutor, foi mencionado que a depreciação e a exaustão estão relacionadas com a perda de valor dos bens do ativo imobilizado, diferenciando-se apenas quanto à causa dessa perda: desgaste pelo uso (depreciação) ou esgotamento pelo consumo (exaustão). Porém, o princípio é o mesmo.

2013 (Acórdão nº 1202-000.794)

Esse acórdão adotou uma posição restritiva, argumentando que apenas culturas cuja exploração ocorre pela colheita dos frutos (em sentido botânico) poderiam ser enquadradas no regime de depreciação. Já as lavouras cujo aproveitamento envolve o corte da planta, como a cana-de-açúcar, estariam sujeitas ao regime de exaustão.

2015 (Acórdão nº 1201-001.243)

Concluiu-se que a interpretação da legislação deveria ser finalística, e não em seu sentido técnico jurídico. Isso porque, no entendimento do relator, o artigo 12, §2º da Lei nº 8.023/90 foi criado com a finalidade de conceder incentivo tributário à atividade rural como um todo, então, o termo “depreciados” deve ser compreendido como “deduzidos como despesas”.

2019 (Acórdão nº 9101-004.302 e 9101-004.305)

Nesse julgamento, prevaleceu o voto divergente do conselheiro André Mendes de Moura, que entendeu haver determinação expressa no artigo 307 do Decreto nº 3.000/99 (RIR), de que não é admitida quota de depreciação para bens para os quais seja registrada quota de exaustão.

Portanto, a depreciação dos recursos de origem florestal aplica-se apenas àqueles que produzem frutos. Para os casos, como da cana-de-açúcar, aplica-se a exaustão, pois o aproveitamento da cultura não decorre da retirada do fruto, mas da extração da formação vegetal em si.

2021 (Acórdão nº 9101-005.919)

A 1ª Turma da CSRF, por maioria de votos, em um caso envolvendo culturas florestais, admitiu a possibilidade de aplicação da depreciação acelerada, mesmo em ativos tradicionalmente tratados sob o regime de exaustão. Esse entendimento ampliou a discussão para outras culturas agrícolas.

2023 (Acórdão 9101-006.643)

Neste julgamento, o Carf considerou que as lavouras de cana-de-açúcar se enquadram melhor no conceito de depreciação, visto que a planta não é extinta após a colheita.

No voto vencedor, a conselheira relatora Lívia de Carli Germano destacou que a produtividade da cana diminui ao longo do tempo, o que caracteriza a perda de valor por uso, essencial para enquadramento no regime de depreciação.

Para afastar a tese defendida pela PGFN de que apenas estão sujeitas à depreciação as culturas das quais se extrai frutos (sentido botânico do termo), a relatora defendeu que deve ser analisada a presença de três características em observância ao conceito jurídico de “fruto” na doutrina civil, quais sejam: “periodicidade: são produzidos periodicamente pela coisa principal; inalterabilidade da substância da coisa principal: não diminuem a substância da coisa principal; e separabilidade da coisa principal” — trecho do voto.

Por outro lado, a divergência foi apresentada pela conselheira Edeli Pereira Bessa, que sustentou que lavouras deveriam ser tratadas sob o regime de exaustão, tradicionalmente aplicado a ativos que se esgotam em razão da exploração contínua. Essa divisão demonstra a complexidade técnica do tema e a falta de uniformidade na jurisprudência administrativa.

2024 (PA nº 13116.000340/2008-41 e 13116.000341/2008-95)

Por maioria de votos, a 1ª Turma da CSRF decidiu em favor do contribuinte. O relator, conselheiro Luis Henrique Marotti Toselli, defendeu que a norma é clara ao autorizar a depreciação de bens destinados à exploração rural, sem qualquer exigência de distinção entre culturas ou mesmo entre os conceitos de depreciação e exaustão. Para ele, essas categorias têm a mesma natureza jurídica e, portanto, não justificam uma interpretação restritiva.

Ou seja, é feita uma interpretação mais ampla do artigo 6º da MP 2.159/70.

Neste julgamento, também foi superada a divergência levantada pela conselheira Edeli Bessa, a qual foi acompanhada apenas pelo presidente do colegiado, Fernando Brasil de Oliveira Pinto.

Conclusão

O debate sobre a aplicação da depreciação acelerada às lavouras de cana-de-açúcar evoluiu de decisões tradicionalmente favoráveis ao Fisco para uma postura mais favorável aos contribuintes. Contudo, a ausência de uniformidade na jurisprudência e a divergência de entendimentos técnicos continuam a gerar insegurança jurídica.

A decisão mais recente representa um avanço significativo para o setor agrícola, ao representar um ganho financeiro para a empresa, ao reduzir a carga tributária incidente sobre o IRPJ e a CSLL no momento do investimento na plantação. No entanto, as empresas rurais devem monitorar eventuais mudanças na composição do Carf, na legislação aplicável e nas interpretações administrativas, dado o risco de novas disputas fiscais.

Esses julgamentos mais recentes reforçam a importância de equilibrar a interpretação normativa com a realidade econômica do setor, buscando maior previsibilidade e segurança jurídica. A consolidação desse entendimento dependerá de maior uniformização jurisprudencial, possivelmente pelo Poder Judiciário.

Autores

  • é advogada do escritório Advocacia Lunardelli, especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-COGEAE) e graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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