Opinião

Alargamento do conceito de insumo para fins de crédito de PIS e Cofins

Autores

  • é advogado tributarista no escritório Ayres Ribeiro Advogados professor assistente e especialista em Direito Tributário na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) com MBA em Gestão Tributária pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Atuariais e Financeiras (Fipecafi).

    Ver todos os posts
  • é estagiário tributarista no escritório Ayres Ribeiro e graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

    Ver todos os posts

25 de novembro de 2024, 17h23

Desde que o regime não cumulativo da Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) foi instituído pelas Leis nº 10.637 de 2002 e 10.833 de 2003, a amplitude das hipóteses que permitem a apuração de crédito foi objeto de intensos de debates na jurisprudência.

Freepik
Crédito presumido de ICMS não deve compor base de cálculo de PIS/Cofins, decide juiz

No epicentro disso tudo e atraindo os maiores interesses financeiros e arrecadatórios, está a permissão a apuração de crédito sobre “bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda”, prescrita no artigo 3º, inciso II, dessas leis.

Partindo da redação desse artigo, a subsunção do caso à essa hipótese é condicionada ao atendimento dos seguintes critérios: a aquisição de bens ou serviços; que sejam utilizados como insumo; na prestação de serviços ou na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda.

Apesar da separação desses critérios para fins de estudo, todos eles convergem e derivam do conceito de “insumo”, que nesse contexto se apropriou de qualidades estranhas às que possui para as demais ciências, se tornando intrínseco a ele, por exemplo, a existência de um bem ou serviço que, por sua vez, seja utilizado na prestação de serviços ou na produção de bens destinados à venda.

Isso fez com que em um primeiro momento as autoridades fiscais prematuramente qualificassem os bens como insumo conforme fossem ou não utilizados diretamente na produção, como prescreviam os hoje já revogados artigos 66, § 5º, inciso I da Instrução Normativa (IN) nº 247 de 2002 e 8º, § 4º, inciso I, da IN nº 404 de 2004. Mas, posteriormente, isso veio a ser rechaçado pela jurisprudência e, por fim, abandonado pelas próprias autoridades fiscais, porém não sem antes contaminar a interpretação da amplitude desse conceito até os dias de hoje.

Conceito de insumo

Dizemos isso porque, apesar dessa interpretação ser largamente desacreditada atualmente, as autoridades fiscais insistem em restringir o conceito de insumo somente aos bens e serviços que tenham sido utilizados na produção, com isso excluindo os que tenham sido utilizados em qualquer etapa após o encerramento da produção (pós-produção). É o que se denota pelo contrário do artigo 176, § 1º, inciso II da IN nº 2.121 de 2022, que somente qualifica como insumo os bens utilizados após o encerramento da produção quando decorrerem de uma imposição legal.

Ocorre que essa restrição parte de premissas que, como adiantado, já foram completamente subvertidas pela jurisprudência atual, especialmente pela tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do REsp n° 1.221.170, sujeito ao regime dos recursos repetitivos, que irradia efeitos vinculantes (Tema nº 779), segundo a qual o conceito de insumo não apenas compreende todos os bens e serviços que sejam essenciais ou relevantes, como também compreende todos aqueles que assim o sejam para a consecução da atividade econômica da pessoa jurídica, não se restringindo então apenas à produção:

(a) é ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF ns. 247/2002 e 404/2004, porquanto compromete a eficácia do sistema de não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, tal como definido nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003; e (b) o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço — para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte. (REsp n. 1.221.170/PR, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 22/2/2018, DJe de 24/4/2018)

A bem da verdade, em uma análise mais detida do voto condutor do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que acompanhou os argumentos despendidos pela ministra Regina Helena Costa, ainda poderia remanescer dúvida sobre a amplitude do conceito de insumo, isto é, se deveria se ater apenas a produção ou poderia alcançar toda a atividade econômica, sobretudo pelo uso de ambos os vocábulos no decorrer do voto. [1]

Mas isso pode ser resolvido cotejando esse precedente com o voto condutor proferido pela própria ministra Regina Helena Costa no julgamento do EAREsp nº 1.775.781, em que reconheceu o direito a apuração de crédito do ICMS sobre os bens utilizados para a realização do objeto social da empresa, devido a sua essencialidade em relação à atividade-fim, usando como fundamento a própria tese assentada no julgamento do já citado REsp n° 1.221.170 (Tema nº 779), segundo se infere:

Tal diretiva orientou outros julgados deste Superior Tribunal, nos quais a noção de essencialidade para a realização do objeto social da empresa é, igualmente, abraçada (e.g. 1ª S., Tema n. 779, REsp n. 1.221.170/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 22.2.2018; bem como 1ª T., REsp n. 1.366.437/PR e AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.554.169/SP, ambos de relatoria do Min. Benedito Gonçalves, j. 3.10.2013 e 6.12.2021). (EAREsp n. 1.775.781/SP, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 11/10/2023, DJe de 1/12/2023)

Deveras, não há ninguém melhor do que a própria redatora de ambos os votos para confirmar que de fato a tese estabelecida pelo STJ no julgamento do REsp n° 1.221.170 confere o direito a apuração de crédito dessas contribuições sobre os bens e serviços utilizados em toda a atividade econômica da pessoa jurídica e não apenas na produção.

Spacca

Avaliação da Receita Federal

A despeito disso, mesmo após o julgamento do REsp n° 1.221.170, a Receita Federal insiste em restringir o conceito de insumo e assim também o direito a apuração de crédito apenas aos bens e serviços utilizados antes do encerramento da produção, com exceção daqueles que sejam utilizados por força de uma imposição legal, como se denota, por exemplo, do item 168, alínea “c”, do Parecer Normativo n° 5 de 2018 da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit):

168. Como características adicionais dos bens e serviços (itens) considerados insumos na legislação das contribuições em voga, destacam-se: (…)

c) o processo de produção de bens encerra-se, em geral, com a finalização das etapas produtivas do bem e o processo de prestação de serviços geralmente se encerra com a finalização da prestação ao cliente, excluindo-se do conceito de insumos itens utilizados posteriormente à finalização dos referidos processos, salvo exceções justificadas (como ocorre, por exemplo, com os itens que a legislação específica exige aplicação pela pessoa jurídica para que o bem produzido ou o serviço prestado possam ser comercializados, os quais são considerados insumos ainda que aplicados sobre produto acabado);

Exemplificativamente, as autoridades fiscais descreverem no item 56 do aludido parecer como hipóteses de vedação a apuração de crédito, entre outras coisas, os combustíveis utilizados em frota própria de veículos e as embalagens para transporte de produtos acabados, por no seu entender serem utilizados após o encerramento da produção.

A despeito disso, o conceito de insumo traçado pelas autoridades fiscais vem sendo consistentemente alargado pela jurisprudência, iniciando um processo inevitável a nosso sentir de superação das indevidas restrições impostas pelas autoridades fiscais para reconhecer o direito a apuração de crédito também sobre os bens e serviços utilizados após o encerramento da produção (pós-produção) e, assim, finalmente se conformar ao que foi decidido pelo STJ, ainda que com algum atraso.

Isso é o que se pode observar de recentes precedentes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), a começar, por exemplo, pelo Acórdão nº 9303-013.722, no qual a Câmara Superior reconheceu o direito a apuração de crédito sobre as embalagens utilizadas para o transporte de produtos acabados, qualificando-as como insumo, a despeito de a produção propriamente dita já ter se encerrado, em nítida ofensa ao que defendem as autoridades fiscais, conforme se infere:

EMBALAGENS PARA TRANSPORTE DE PRODUTOS ACABADOS. POSSIBILIDADE DE CRÉDITO.

As embalagens de transporte são essenciais à atividade econômica do Sujeito Passivo, pois garantem que o produto seja devidamente conservado. A não utilização de embalagens para o transporte tornaria inviável o escoamento da produção, tratam-se de itens que se amoldam ao conceito de insumos frente à sua essencialidade e relevância. (CSRF, Acórdão nº 9303-013.722, 3ª Turma, Relatora Vanessa Marini Cecconello, Sessão de 16/03/2023)

Insumos não abrangeriam só bens e serviços

Para tanto, a Câmara Superior considerou, de um lado, que o conceito de insumo abrange não apenas os bens e serviços que sejam empregados diretamente na produção, mas tudo aquilo que, caso seja subtraído, comprometa a própria atividade econômica da pessoa jurídica; e por outro, que as embalagens para transporte são essenciais para a atividade econômica, à medida em que preservam a integridade física do produto acabado, viabilizando, assim, a sua comercialização e o conseguinte escoamento da produção, como se infere dos seguintes excertos:

Portanto, são insumos, para efeitos do art. 3º, II da Lei nº 10.637/2002 e do art. 3º, II da Lei nº 10.833/2003, todos os bens e serviços pertinentes ao processo produtivo e à prestação de serviços, ou ao menos que os viabilizem, podendo ser empregados direta ou indiretamente, e cuja subtração implica a impossibilidade de realização do processo produtivo e da prestação do serviço, objetando ou comprometendo a qualidade da própria atividade da pessoa jurídica. (…)

Portanto, tais dispêndios são essenciais à atividade econômica do Sujeito Passivo, pois garantem que o produto seja preservado durante o transporte. A não utilização de embalagens para o transporte tornaria inviável a sua venda por se tratarem de alimentos congelados, tratam-se de itens que se amoldam ao conceito de insumos frente à sua essencialidade e relevância.

E esse não é um precedente isolado. A Câmara Superior do Carf também qualifica como insumo as embalagens para transporte e assim reconhecem o direito a apuração de crédito, por exemplo, nos Acórdãos nº 9303-013.786, proferido em 15.03.2023, 9303-011.735, proferido em 17.08.2021, e 9303-011.464, proferido em 20.05.2021.

Outro bom exemplo desse alargamento é o Acórdão nº 9303-011.464, no qual a Câmara Superior reconheceu o direito a apuração de crédito sobre os serviços de armazenagem de produtos acabados, também os qualificando como insumo, conforme se infere:

CRÉDITOS. DESPESAS ARMAZENAMENTO. PRODUTOS ACABADOS. CANA. POSSIBILIDADE. Com o advento da NOTA SEI PGFN MF 63/18, restou clarificado o conceito de insumos, para fins de constituição de crédito das contribuições não cumulativas, definido pelo STJ ao apreciar o REsp 1.221.170, em sede de repetitivo – qual seja, de que insumos seriam todos os bens e serviços que possam ser diretamente ou indiretamente empregados e cuja subtração resulte na impossibilidade ou inutilidade da mesma prestação do serviço ou da produção. Ou seja, itens cuja subtração ou obste a atividade da empresa ou acarrete substancial perda da qualidade do produto ou do serviço daí resultantes.

Nessa linha, deve-se reconhecer o direito ao crédito das contribuições sobre as despesas com armazenagem de cana.

(CSRF, Acórdão nº 9303-011.464, 3ª Turma, Relator Luiz Eduardo de Oliveira Santos, Sessão de 20/05/2021)

Para tanto, a Câmara Superior considerou que o serviço de armazenagem dos produtos acabados é essencial para a consecução da atividade econômica da pessoa jurídica, pois sem ela não seria possível estocar a cana produzida para que possa ser comercializada e, assim, não poderia escoar a produção, como denota dos seguintes excertos:

Quanto às despesas de armazenagem de cana, entendemos ser essencial à atividade do sujeito passivo, ainda mais considerando sua atividade, sendo passível de reconhecimento de créditos das contribuições. Ademais, aplicando-se o teste de subtração tratado na Nota SEI PGFN 63/18, que tratou da decisão dada pelo STJ ao apreciar o REsp 1.221.170, em sede de repetitivo, é de se reconhecer que subtraindo tal item, inegável que traria prejuízo a atividade do sujeito passivo.

A Contribuinte “estoca a cana para posterior venda”, bem como outros produtos utilizados na lavoura e, portanto, faz jus ao crédito dessa despesa, eis ser essencial a armazenagem para a finalização da sua atividade.

Nesse sentido também são os Acórdãos nº 9303-011.736, proferido em 17.08.2021, 9303-014.064, proferido em 13.04.2023, e n° 3301-014.223, proferido em 19.09.2024.

Conclusão

Esses são apenas dois exemplos do alargamento do conceito de insumo a que já nos referimos, compondo apenas uma parte da larga jurisprudência que reconhece o direito à apuração de crédito dessas contribuições sobre bens e serviços utilizados após o encerramento da produção, corroborando tudo o que dissemos até aqui.

Com base nesses argumentos, concluímos, enfim, que o conceito de insumo e assim também o direito a apuração de crédito da contribuição ao PIS e da Cofins tem sido consistentemente alargado pela jurisprudência desde o julgamento do REsp n° 1.221.170 pelo STJ, chegando até mesmo a alcançar os bens e serviços utilizados após o encerramento da produção (pós-produção) e, assim, superar as indevidas restrições que as autoridades fiscais dispensam a matéria.

 


[1] Demarcadas tais premissas, tem-se que o critério da essencialidade diz com o item do qual dependa, intrínseca e fundamentalmente, o produto ou o serviço, constituindo elemento estrutural e inseparável do processo produtivo ou da execução do serviço, ou, quando menos, a sua falta lhes prive de qualidade, quantidade e/ou suficiência.

Por sua vez, a relevância, considerada como critério definidor de insumo, é identificável no item cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção, seja pelas singularidades de cada cadeia produtiva (v.g., o papel da água na fabricação de fogos de artifício difere daquele desempenhado na agroindústria), seja por imposição legal (v.g., equipamento de proteção individual – EPI), distanciando-se, nessa medida, da acepção de pertinência, caracterizada, nos termos propostos, pelo emprego da aquisição na produção ou na execução do serviço. (…)

Como visto, consoante os critérios da essencialidade e relevância, acolhidos pela jurisprudência desta Corte e adotados pelo CARF, há que se analisar, casuisticamente, se o que se pretende seja considerado insumo é essencial ou de relevância para o processo produtivo ou à atividade desenvolvida pela empresa.

Autores

  • é advogado tributarista no escritório Ayres Ribeiro Advogados, professor assistente e especialista em Direito Tributário na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) com MBA em Gestão Tributária pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi).

  • é estagiário tributarista no escritório Ayres Ribeiro e graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!