Opinião

'Ainda Estou Aqui': para os advogados que lutaram pelas liberdades

Autor

25 de novembro de 2024, 7h02

Impactado pelo filme “Ainda Estou Aqui” — baseado no livro homônimo (2015) de Marcelo Rubens Paiva —, dirigido por Walter Salles e protagonizado por Fernanda Torres, tendo no elenco Selton Mello e Fernanda Montenegro, entre outros, que narra a vida e trajetória de Eunice Paiva, mulher do ex-deputado Rubens Paiva, que foi capturado e morto no ano de 1971 pelo regime militar ditatorial.

Reprodução

Além de todo sofrimento imposto pela ditadura militar (1964 a 1985) na vida de milhares de brasileiros, o filme narra o drama pessoal de Eunice que se forma em direito e se transforma em uma ativista dos direitos humanos, lutando pela verdade sobre o “desaparecimento” do seu marido que, como já dito, foi torturado e morto pelos militares durante o chamado “Anos de Chumbo”.

Não é despiciendo lembrar, que com o Ato Institucional nº 5, segundo Elio Gaspari [1] inicia-se os “Anos de Chumbo” que vai, segundo o autor, desde 1969, logo depois da edição do AI-5 em 13 de dezembro de 1968, ao extermínio da guerrilha do Partido Comunista do Brasil, nas matas do Araguaia em 1974.

Escancarada, a ditadura firmou-se. A tortura foi o seu instrumento extremo de coerção e o extermínio, o último recurso da repressão política que o Ato Institucional nº 5 libertou das amarras da legalidade. A ditadura envergonhada foi substituída por um regime a um só tempo anárquico nos quartéis e violento nas prisões. Foram os Anos de Chumbo.

Mais adiante, prossegue o jornalista e escritor, afirmando que:

Os oficiais-generais que ordenaram, estimularam e defenderam a tortura levaram as Forças Armadas brasileiras ao maior desastre de sua história. A tortura tornou-se matéria de ensino e prática rotineira dentro da máquina militar de repressão política da ditadura (…)” Dois conceitos prevaleciam: i) concepção absolutista de segurança da sociedade — “A segurança pública é a lei suprema” — “Contra a Pátria não há direitos”, informava uma placa no saguão dos elevadores da polícia paulista; ii) funcionalidade do suplício – “havendo terrorista, os militares entram em cena, o pau canta, os presos falam e o terrorismo acaba [2].

Embora não seja o mote do filme, não passa despercebido, para os mais atentos, a luta pessoal de Eunice e do seu advogado, Lino Machado Filho. Assim, como alguns advogados, destemidos e corajosos, — “advocacia não é profissão para covardes”, dizia Sobral Pinto — que defenderam, em tempos sombrios, muitas vezes “pro bono”, presos políticos e vítimas do regime de exceção, Lino Machado, constituído por Maria Eunice Facciolla Paiva, atuou em sua defesa e em defesa de Rubens Berydot Paiva, impetrando Habeas Corpus perante o Superior Tribunal Militar [3] para a “libertação do paciente” (Rubens Paiva), ou, pelo menos, “a legitimação de sua prisão” que não era reconhecida pelo Estado. Salienta-se que, durante esse tenebroso período, as prisões ilegais e arbitrárias se faziam sem ordem judicial e sem qualquer comunicação a quem quer que seja.

Segundo Heleno Cláudio Fragoso, que, além de renomado jurista, advogou para vários presos políticos:

Não eram muitos os advogados que trabalharam em processos políticos. Tínhamos todos, à nossa vista, o exemplo excepcional de Sobral Pinto, que é um advogado padrão, que encarna, mais que qualquer outro, em nosso tempo, as virtudes de nossa profissão. Lino Machado, Augusto Sussekind de Moraes Rego, Evaristo de Moraes Filho, Técio Lins e Silva, Modesto da Silveira, Oswaldo Mendonça, George Tavares, Marcelo Cerqueira, Nélio Machado, Alcione Barreto, Rosa Maria Cardoso da Cunha, Eny Raimundo Moreira, são os nomes que neste momento eu recordo. A esses advogados Lino Machado chamava de “escrete”. [4]

Vários advogados e advogadas — vivos e que já morreram — que atuaram na defesa de presos políticos durante o regime militar ditatorial foram homenageados em Sessão Solene na Câmara dos Deputados em 4/12/2003 por iniciativa do ex-deputado José Mentor (1948–2020), que culminou com o Livro “Coragem: A advocacia criminal nos anos de chumbo” (2014). A obra registra testemunhos de 161 profissionais da advocacia que atuaram naquele período.

Conforme assevera Fragoso, “a defesa nos processos políticos, nessa época, apresentava dificuldades enormes e não se exercia sem risco pessoal”. Dentre os inúmeros desafios da defesa — que sofria com inúmeras restrições diante das arbitrariedades, impedidos de ter acesso aos autos dos “inquéritos” e até mesmo de acompanhar os interrogatórios de seus clientes que eram mantidos incomunicáveis —, era o de tentar localizar os presos e desqualificar as confissões obtidas sob tortura.

Advogados presos

Alguns advogados chegaram a ser presos, como o próprio Heleno Fragoso, que na época era vice-presidente do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, assim como Geoorge Tavares e August Sussekind. [5]

Por isso mesmo, o advogado do preso político, como bem assegurou Sigmaringa Seixas, “assim como seu representado, não deixa de ser uma figura heroica também. Todo o empecilho à liberdade pessoal que o preso político defronta, seu advogado também enfrenta. Sofre muito juntamente com ele. Sofre por ele. E o adota enquanto um ser de justiça, um ser por quem se luta por justiça”.

Por tudo, “Ainda Estou Aqui” deve ser assistido por todos para que a história não seja esquecida e se repetida.

Para todos advogados e advogadas que na defesa de presos políticos lutaram pelas liberdades e contra a ditadura militar.

_________________________

[1] GASPARI, Elio. A ditadura escancarada. 2ª ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.

[2] GASPARI, Elio. A ditadura escancarada… ob. cit.

[3] Em razão do Decreto-Lei nº 314, de 1967, artigo 44, a Justiça Militar passou a ter competência para julgar militares e civis eventualmente acusados de crimes contra a segurança nacional.

[4] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Advocacia da liberdade: a defesa nos processos políticos. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1984.

[5] FRAGOSO, op. cit.

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!