Opinião

Justiça brasileira e tutelas de urgência em disputas arbitradas sob direito estrangeiro

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24 de novembro de 2024, 6h35

A Lei de Arbitragem (Lei Federal nº 9.307/1996), em seu artigo 2º, parágrafo 1º, confere às partes a prerrogativa de livremente elegerem as normas jurídicas aplicáveis à resolução de suas controvérsias, incluindo a possibilidade de optarem pela aplicação de direito estrangeiro, definirem o método de resolução de conflitos e escolherem a sede da arbitragem se este tiver sido o método por elas eleito.

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Não se nega que o conhecimento do direito alienígena possa representar um desafio adicional à pronta apreciação da matéria sub judice, porém, a simples aplicação do direito estrangeiro não afasta a competência do Poder Judiciário brasileiro para conhecer e conceder medidas cautelares ou de urgência antes da constituição do tribunal arbitral (v. artigo 22-A, da Lei de Arbitragem).

Tal dificuldade, em primeiro lugar, é relativizada diante da circunstância de que, mesmo sob a perspectiva de outros sistemas jurídicos, em se tratando de medidas liminares de uma forma geral a preocupação será sempre a mesma: preservar o equilíbrio entre as partes, mantendo o status quo até que uma decisão de mérito possa ser proferida, com isso evitando-se danos irreparáveis ou situações de flagrante injustiça.

Tal convergência entre os sistemas parece revelar o compromisso compartilhado de assegurar a efetividade e a justiça nas decisões provisórias, resguardando direitos e promovendo estabilidade jurídica até que a disputa possa ser processada de acordo com o método de solução de disputas eleito pelas partes.

Cabe lembrar, ademais, que assim que formado o painel arbitral, os árbitros poderão manter, modificar ou revogar eventual medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário, conforme artigo 22-B, da Lei de Arbitragem.

Juiz faz apreciação anterior à arbitragem

Em segundo lugar, entendemos que o ordenamento jurídico pátrio confere ferramentas para que o juiz brasileiro aprecie pedidos de natureza urgente ou cautelar prévios à instituição da arbitragem e mesmo quando o direito aplicável não é o nacional.

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Nesse sentido, o artigo 14, do Decreto-Lei Nº 4.657/1942, ou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb), prevê que, “não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência”, de modo que, respeitada a cláusula compromissória, e contanto preceda a instituição da arbitragem, nenhuma hipotética dificuldade no conhecimento do direito estrangeiro afasta a jurisdição dos tribunais pátrios.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já firmou entendimento de que, “sendo caso de aplicação do direito estrangeiro, caberá ao juiz brasileiro fazê-lo, de ofício, segundo as normas do direito internacional privado, compreendido este como o conjunto de regras que orientam a solução das relações jurídicas privadas em que se verifica a incidência de mais de uma soberania” (V. 4ª. Turma, do C. STJ – REsp: 1729549 SP 2017/0253182-4, de relator ministro Luis Felipe Salomão, DJe 28/04/2021).

De seu turno, a doutrina confirma que “o art. 22-A sintoniza-se perfeitamente com o princípio da inafastabilidade da jurisdição (pública ou privada), nos moldes ampliativos explicitados no art. 3º do CPC, que delineou com precisão os novos contornos a serem conferidos ao art. 5º, XXXV, da Constituição Federal (sobre o tema, v. Capítulo I, item n. 5, supra)” [1].

E, decerto, “o modelo adotado pela Lei de Arbitragem de concorrência coordenada entre a jurisdição privada e a estatal para a concessão de medidas cautelares é pertinente, claro e objetivo, qual seja, o temporal, tendo em vista que, até a constituição do tribunal arbitral, a competência é do juiz togado (concorrente com a do juiz privado) e, a partir daí, a competência passa a ser apenas dos árbitros” [2].

Justiça estatal garante maior celeridade

Não se pode deixar de mencionar sobre esse debate a questão prática que exsurge da possibilidade de se recorrer ao Judiciário nacional mesmo diante da previsão de árbitro de emergência nos regulamentos das câmaras arbitrais.

Apesar das honrosas opiniões em sentido contrário, pensamos que a tendência é a da Justiça estatal assegurar com maior celeridade os direitos ameaçados, em contraposição ao processo de nomeação de árbitros de emergência, de modo que, mesmo nessa situação, o Judiciário brasileiro permanece habilitado a intervir enquanto o tribunal arbitral não for constituído.

Entendemos, por essas razões, que recorrer ao Judiciário brasileiro para obtenção de medidas cautelares ou urgentes prévias à instauração da arbitragem, ainda que relativas às controvérsias regidas pelo direito estrangeiro, não apenas é solução viável, como frequentemente preferível, em virtude da celeridade e da força executória das decisões judiciais, respaldadas, aliás, por mecanismos coercitivos, como multas e o uso da força pública.

 


[1] JR., Joel Dias F. Arbitragem – 3ª Edição 2019. 3rd ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. E-book. p.294.

[2] Assim também Flávia Bittar Neves e Christian S. Batista Lopes, “Medidas cautelares em arbitragem”, in Carlos Carmona, Selma Lemes e Pedro Martins (coord.), 20 anos da Lei de Arbitragem – Homenagem a Petrônio R. Muniz, p. 470.

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