As ameaças ao Judiciário na América Latina e no Brasil
23 de novembro de 2024, 6h34
Enquanto a imprensa concentrava atenções na disputa eleitoral dos Estados Unidos, em diversos países latino-americanos, associações de juízes lutavam (e ainda lutam) para manter a independência judicial em um cenário de perseguições e restrição de direitos. Longe dos holofotes, os Judiciários encontram-se pressionados por uma onda de interferências, que busca subverter o equilíbrio democrático conquistado nas últimas décadas.
No México, o Judiciário pode ruir por reformas constitucionais recém-aprovadas que convertem os cargos de juiz em postos eletivos, submetidos a votação popular — e, portanto, sujeitos à influência das forças que determinam os resultados das urnas. Na prática, o que se operou foi a destituição de todos os juízes, de forma indevida e contrária aos princípios e normas internacionais que protegem a separação dos poderes do Estado.
A reforma poderá levar a uma completa captura do Judiciário pelo poder político e por influências espúrias, inclusive do crime organizado, esvaziando a independência dos juízes, tão necessária para assegurar uma prestação jurisdicional alinhada aos princípios democráticos.
O Judiciário também se depara com uma série de ataques no Equador, onde, recentemente, um Promotor de Justiça foi assassinado. Houve incursões em residências e gabinetes de integrantes do Tribunal Nacional de Justiça motivadas por discordâncias em relação ao conteúdo de decisões judiciais.
Além disso, juízes equatorianos sofrem com campanhas difamatórias, genericamente rotulados como corruptos — o que cria um ambiente de hostilidade. Tais acontecimentos, que podem gerar a submissão dos Juízes, violam a independência do Poder Judiciário.
No Peru, é preocupante a tramitação de projetos de lei que ameaçam a autonomia das instituições judiciais e buscam controlar seus operadores, por meio de mudanças que podem criminalizar decisões judiciais — os chamados crimes de hermenêutica —, intimidando Juízes e Promotores e comprometendo a função jurisdicional.
Preveem, ainda, a criação de uma comissão no Congresso para investigar o trabalho dos magistrados e membros do Ministério Público — o que representa uma flagrante ameaça à independência judicial e à separação dos poderes do Estado.
A conjuntura na Costa Rica é igualmente preocupante. O presidente da República daquele país aproveitou de sua posição para emitir opiniões a respeito de sentenças, questionando a atuação de magistrados, com o intuito de obter determinada resolução judicial. Quando o chefe de Estado desacredita o Judiciário, rompe-se não apenas a harmonia entre os poderes como também a confiança pública na capacidade dos tribunais de distribuir justiça.
Em Honduras, a estabilidade dos juízes e promotores encontra-se sob temor permanente, com a transferência forçada de magistrados e o uso de processos disciplinares como instrumento de intimidação. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos recebeu denúncias sobre transferências e revogações de lotações, não consentidas nem aceitas pelos juízes — o que contraria o princípio de inamovibilidade no cargo. Tal atributo possibilita ao Judiciário decidir processos sem receio de represálias do poder político.
Escalada
Em todas essas ocasiões, a Federação Latino-Americana de Magistrados (Flam) se pronunciou em defesa do Judiciário, denunciando a escalada do assédio e conclamando as autoridades a respeitarem a autonomia dos tribunais. Com voz ativa na América Latina, a entidade tem alertado para os riscos dessas intervenções, uma vez que a independência judicial, mais do que uma prerrogativa da função, configura um direito fundamental da população, assegurando uma justiça verdadeiramente equânime.
O Brasil não está alheio a esses desafios. A invasão das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023 foi um marco de desrespeito às instituições. Magistrados defrontam-se com ameaças diretas e veem seus papéis questionados por grupos que — inconformados com o livre e regular exercício da jurisdição — recorreram a práticas violentas. As recentes explosões em frente à sede STF bem ilustram o tamanho dos desafios.
O panorama é grave, sobretudo se considerarmos que metade dos Juízes brasileiros enfrenta ou já enfrentou situação de ameaça à vida ou à integridade física, de acordo com a pesquisa “Perfil da Magistratura Latinoamericana”, realizada pelo Centro de Pesquisas Judiciais (CPJ) da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em parceria com a Flam e o Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe). Apenas na Bolívia há condição pior, com 65% dos Juízes vivenciando o problema.
Diante desse quadro, é urgente que os povos latino-americanos se unam em apoio aos magistrados na luta pela independência judicial. A manutenção da paz social depende de um Judiciário forte e autônomo, com uma atuação pautada pelo compromisso com a Constituição e as leis. Que os exemplos de resistência do associativismo judicial prevaleçam, para que jamais nos tornemos reféns de uma justiça amarrada a conveniências externas aos processos.
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