Opinião

REsp 1.829.707: importância do CAR na regularização e gestão ambiental

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  • é professor universitário e consultor ambiental graduado em Direito pelo Unicerrado mestrando em Estudos Jurídicos com Ênfase em Direito Internacional pela Must University - Flórida EUA e pós-graduado em Direito Penal Processo Penal Criminologia e Segurança Pública.

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23 de novembro de 2024, 13h24

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O Cadastro Ambiental Rural desponta como um instituto jurídico-ambiental indispensável para o controle, planejamento e fiscalização da ocupação territorial rural no Brasil. Desde a promulgação do novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), o CAR tornou-se uma peça-chave no cumprimento das obrigações ambientais impostas aos proprietários e possuidores de imóveis rurais, substituindo a antiga exigência de averbação da reserva legal no cartório de registro de imóveis. Esta mudança normativo-jurídica, acolhida em recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ressignifica a noção de regularização ambiental e amplia a eficiência da tutela jurídica sobre o patrimônio ambiental.

Fundamentação legal e função do CAR no direito ambiental

O CAR, conforme delineado nos artigos 29 a 31 do Código Florestal de 2012, é um registro público eletrônico que compila informações ambientais de todas as propriedades rurais do território nacional. Esse cadastro é obrigatório e, juridicamente, configura-se como um elemento de eficácia instrumental para a proteção do meio ambiente, ao vincular o proprietário à preservação e à recuperação de áreas de preservação permanente (APP) e de reserva legal. Em termos jurídicos, o CAR assume uma natureza jurídica híbrida, misturando elementos de registro público com efeitos administrativos vinculantes, sendo determinante para a viabilidade de políticas públicas ambientais.

A decisão do STJ, ao permitir a retroatividade do novo Código Florestal para substituir a averbação no cartório pelo registro no CAR, consagra a finalidade ambiental da norma e consubstancia o entendimento de que o CAR é suficiente para dar eficácia plena às exigências de preservação da reserva legal. Tal entendimento significa que, para a esfera de regularização fundiária e ambiental, o objetivo primário é assegurar a conformidade ambiental, de modo a mitigar impactos e promover o desenvolvimento sustentável, sempre em consonância com os preceitos constitucionais de proteção ambiental e função socioambiental da propriedade.

Eficácia substitutiva do CAR em relação à averbação no cartório

A relevância da substituição da averbação da reserva legal no cartório pela inscrição no CAR transcende uma simples adaptação procedimental. Ela reflete um avanço na própria interpretação das normas ambientais. Sob o antigo Código Florestal de 1965, a averbação da reserva legal era exigida para que o proprietário comprovasse, juridicamente, a preservação de áreas de vegetação nativa. No entanto, a exigência de registro em cartório, embora relevante, apresentava limitações práticas e logísticas, como o acesso restrito e a falta de um banco de dados integrado de informações ambientais.

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A substituição pelo CAR, com base no princípio da instrumentalidade das formas e na eficácia administrativa, revela-se mais eficiente e adequada à realidade contemporânea, ao criar um sistema centralizado e digitalizado que permite o controle em tempo real e em nível nacional. Assim, a recente decisão do STJ, ao reconhecer o CAR como meio jurídico idôneo para atender à exigência de regularização da reserva legal, reafirma a função administrativa desse cadastro, conferindo-lhe efeitos jurídicos e fortalecendo a política ambiental como um todo.

Vantagens jurídicas do CAR para o controle e a fiscalização

Sob a ótica da segurança jurídica e da transparência, o CAR traz uma série de vantagens para o Estado e para os particulares:

  • Facilitação do Monitoramento e da Fiscalização Ambiental: O CAR consolida-se como uma base de dados ambiental acessível aos órgãos de fiscalização, o que aumenta a segurança jurídica na aplicação de sanções administrativas e facilita a identificação de infrações, como o desmatamento ilegal. A partir do CAR, o Ministério Público e os órgãos de proteção ambiental, como o Ibama, têm subsídios mais eficientes para promover ações civis públicas e execuções forçadas, se necessário, garantindo uma tutela mais rigorosa do meio ambiente.
  • Condicionamento ao Acesso a Créditos Rurais: Com o artigo 78-A do Código Florestal, a inscrição no CAR tornou-se um requisito para a concessão de crédito rural em qualquer modalidade. Tal restrição configura um mecanismo coercitivo e preventivo de grande valor jurídico, pois incentiva o cumprimento da legislação ambiental, ao associar benefícios financeiros ao atendimento das exigências legais.
  • Transparência e Publicidade: O CAR cumpre o princípio da publicidade administrativa, facilitando o acesso a dados sobre as propriedades rurais e assegurando maior transparência quanto à preservação de áreas protegidas. Diferentemente da averbação no cartório, o CAR é acessível e permite que qualquer interessado consulte informações sobre a conformidade ambiental de determinado imóvel rural, aumentando a segurança jurídica para terceiros adquirentes e para os próprios proprietários.

Desafios jurídicos e operacionais do CAR

Embora o CAR represente um avanço na regularização e gestão ambiental, há desafios relevantes a serem enfrentados. Primeiramente, o caráter auto declaratório do cadastro ainda requer validação pelas autoridades ambientais, o que demanda uma estrutura de fiscalização robusta e mecanismos de verificação detalhados. Essa lacuna pode abrir espaço para declarações inverídicas, dificultando o cumprimento pleno das obrigações ambientais. Ademais, há o desafio de compatibilizar as informações do CAR com outros sistemas de regularização fundiária e ambiental, tanto em nível federal quanto estadual, promovendo uma integração normativa mais abrangente.

Conclusão

Em síntese, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) reafirma-se como um instrumento jurídico-administrativo essencial para a efetividade da legislação ambiental no Brasil, ao substituir a averbação da reserva legal no cartório de imóveis e assegurar a proteção ambiental de forma mais dinâmica e acessível. O reconhecimento pelo STJ de sua eficácia retroativa confere estabilidade jurídica aos proprietários rurais, enquanto a centralização de dados ambientais promove um controle mais eficiente por parte do Estado.

Sob o prisma da função socioambiental da propriedade, o CAR assume um papel central no ordenamento jurídico, refletindo um equilíbrio entre a necessidade de preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável. Assim, ele se torna uma peça fundamental para o avanço da governança ambiental e para o cumprimento do direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, contribuindo para a realização de políticas públicas ambientais com segurança jurídica e efetividade regulatória.

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Referências

CONJUR. TAC cumprido: Novo Código Florestal retroage para forma do registro de reserva legal, diz STJ. Consultor Jurídico, São Paulo, 6 nov. 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-nov-06/novo-codigo-florestal-retroage-para-forma-do-registro-de-reserva-legal-diz-stj/. Acesso em: 13 nov. 2024.

BRASIL. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 maio 2012. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12651.htm. Acesso em: 13 nov. 2024.

BRASIL. Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o novo Código Florestal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 set. 1965. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4771.htm. Acesso em: 13 nov. 2024.

Autores

  • é professor universitário e consultor ambiental, graduado em Direito pelo Unicerrado, mestrando em Estudos Jurídicos com Ênfase em Direito Internacional pela Must University - Flórida, EUA e pós-graduado em Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Segurança Pública.

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