A importância do debate sobre o fim da escala 6x1
21 de novembro de 2024, 13h21
Neste mês, foi protocolada na Câmara dos Deputados uma proposta de emenda à constituição (PEC) com vistas a redefinir os limites de duração da jornada de trabalho no Brasil. O projeto, cuja autoria é da deputada Erika Hilton (PSL-SP), ganhou rapidamente ampla visibilidade no cenário nacional, tornando-se objeto de acalorado debate entre trabalhadores, políticos e o mundo jurídico.
Atualmente, o inciso VIII do artigo 7º da Constituição prevê a existência de uma jornada de trabalho normal de, no máximo, oito horas diárias e de uma carga horária semanal não superior a 44 horas. Ainda, a mesma norma prevê a possibilidade de flexibilização desta jornada mediante compensação e/ou redução por meio de negociação coletiva.
A PEC apresentada tem como objetivo principal alterar os limites previstos no referido dispositivo, propondo-se que uma jornada de trabalho normal não possa ser superior a oito horas diárias em no máximo quatro dias na semana e que a carga horária semanal não possa ser superior a 36 horas, mantendo-se a possibilidade de compensação e/ou redução via negociação coletiva. Constata-se, assim, que a proposta visa a efetivar a jornada 4×3, ou seja, quatro dias de trabalho seguidos de três dias de descanso.
Do ponto de vista formal, verifica-se que a proposta preenche todos os requisitos necessários, tais como legitimidade de propositura (1/3 dos membros da Casa Legislativa). Todavia, após rápida leitura da redação da proposta, logo se percebe que esta apresenta significativo erro material, eis que, se uma jornada não pode ser superior a oito horas diárias em no máximo quatro dias na semana, a carga horária deveria se limitar a 32 horas semanais, e não 36, como previsto, o que impõe a necessidade de retificação do texto original via emenda. Do ponto de vista material, a PEC também é viável, eis que seus termos não visam a abolir nenhuma das cláusulas pétreas da Constituição (separação dos Poderes; pacto federativo de Estado; voto direto, secreto, universal e periódico e direitos e garantias individuais).
Caminho do processo na Câmara e no Senado
Considerando a análise acima, a tendência é que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), ao fazer o exame de admissibilidade da PEC, admita seu prosseguimento para posterior análise quanto ao mérito. Para a aprovação da proposta, contudo, são necessários dois turnos de votação em cada casa legislativa (Câmara e Senado), sendo que, em cada turno, deve-se ter o voto de 3/5 dos membros, o que corresponde a 308 de 513 deputados e 49 de 81 senadores.
Quanto ao mérito, é inegável destacar que a proposta de imposição de uma jornada 4×3 para a generalidade de categorias de trabalhadores desconsidera importantes aspectos jurídicos, sociais e econômicos. Quanto ao primeiro, porque, atualmente, já é possível a redução da jornada via negociação coletiva, o que é mais célere do que a tramitação para alterar a Magna Carta. Quanto aos demais, porque, caso aprovada a proposta, certamente haverá prejuízo à produtividade e ao funcionamento de setores essenciais, acarretando verdadeiro colapso econômico.
No ordenamento jurídico atual, a Constituição e a Consolidação das Leis Trabalhistas preveem a negociação coletiva como meio para ajustar as condições de trabalho às peculiaridades de cada categoria. A redução de jornada, sem comprometer o funcionamento das empresas, pode ser acordada de forma mais célere e eficaz através de convenções ou acordos coletivos, respeitando o princípio da autonomia coletiva. Como a Constituição brasileira é rígida, a sua alteração constitui um processo demorado e complexo, demandando amplo debate e aprovação em dois turnos em ambas as Casas do Congresso Nacional. Por outro lado, a negociação coletiva permite ajustes mais rápidos, dinâmicos e especiais às peculiaridades de cada categoria.
Risco de colapso onde a jornada de trabalho é contínuo
Também é importante salientar que a mudança generalizada para um modelo que elimine jornadas, como, por exemplo, a 6×1 e até mesmo a 5×2, pode comprometer a operação de setores que dependem de trabalho contínuo, como a área da saúde, visto que este setor notoriamente necessita de escalas flexíveis para atender à demanda social e econômica do Brasil. Ademais, a imposição de uma jornada 4×3 implica aumento dos custos de produção e, consequentemente, a necessidade de contratação de mais trabalhadores, o que pode levar ao fechamento de postos de trabalho de pequenas e médias empresas.
De outro lado, não se pode olvidar da própria justificativa para a criação da PEC, que é justamente a necessidade de se conferir maior proteção ao trabalhador, eis que a sua saúde é essencial para garantir sua qualidade de vida, produtividade e bem-estar, refletindo diretamente no desempenho das atividades laborais. Jornadas de trabalho exaustivas e prolongadas podem causar impactos físicos e psicológicos, como fadiga, estresse e doenças ocupacionais, prejudicando tanto o indivíduo quanto a organização. Assim, é fundamental promover condições de trabalho equilibradas, respeitando limites e assegurando períodos adequados de descanso.
Dessa forma, é evidente que a PEC traz à tona um importante debate sobre a modernização das relações de trabalho e seus reflexos não apenas para a saúde e segurança do trabalhador, mas também para economia do país. Neste contexto, considerando a rigidez das normas para a alteração da Constituição, bem como a necessidade de se conferir maior qualidade de vida, conforto, saúde e segurança ao trabalhador, tem-se que o fortalecimento da negociação coletiva parece oferecer uma solução mais equilibrada e célere, até mesmo por atender às demandas específicas de cada categoria, sem comprometer a dinâmica econômica e social do país.
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