amortização contestada

STJ diverge sobre propósito negocial da empresa-veículo que gera ágio interno

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20 de novembro de 2024, 17h44

A existência de propósito negocial nas empresas-veículo usadas em operações societárias que geram ágio interno está no cerne da divergência que se instaurou nas turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça.

Para tributaristas, 1ª Seção do STJ será chamada a resolver divergência no caso de amortização do ágio interno gerado pelo uso de empresa-veículo

Sem propósito negocial — uma motivação econômica real que justifique a existência dessa empresa —, elas servem apenas para criar artificialmente a mais valia para o grupo societário, o que gera ágio interno quando uma é incorporada pela outra.

Esse ágio interno, por sua vez, pode ser amortizado nos balanços correspondentes à apuração de lucro real à razão de 1/60 por mês. Isso terá como efeito a redução da base de cálculo de IRPJ e CSLL e, com isso, menor tributação.

Essa estratégia foi amplamente usada por contribuintes brasileiros, que passaram a criar empresas-veículo pertencente a elas próprias e, depois, incorporá-las, gerando ágio interno que poderia ser amortizado.

A prática reinou até a edição da Lei 12.973/2014, que expressamente vedou o ágio entre partes dependentes. Como essa prática não era tratada na lei até então, há a discussão sobre se ela era mesmo permitida.

O tema é tão amplo que, segundo o ministro Francisco Falcão, do STJ, hoje representa uma controvérsia de R$ 100 bilhões.

A dúvida que fica, na opinião de tributaristas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, é se o uso de empresa-veículo para gerar o ágio interno será sempre um artifício vedado para obter efeitos tributários.

Para Francisco Falcão, uso de empresa-veículo representa abuso do direito de amortização previsto pela lei

Eis a divergência

A 1ª Turma julgou o tema em 2023 e concluiu que o Fisco não pode presumir que essas empresas sejam desprovidas de fundamento material ou econômico, de modo a afastar a amortização do ágio interno (clique aqui para ler o acórdão).

Primeiro porque a lei nunca vedou o uso de sociedade-veículo. Segundo, caberia ao Fisco demonstrar, caso a caso, a artificialidade das operações.

Relator daquele caso, o ministro Gurgel de Faria apontou como legítima a criação de empresas-veículo que sejam segregadas por razões estratégicas, econômicas ou operacionais, por exemplo. Em suma, a análise vai depender de cada caso concreto.

Recentemente, a 2ª Turma foi bem menos benevolente: apontou que empresa-veículo não é empresa, nos termos do Código Civil, porque não há exercício de atividade econômica organizada para a circulação de bens ou serviços (clique aqui para ler o acórdão).

Portanto, sua criação e uso para operações de reestruturação societária, quando seu valor é atribuído em consenso entre as partes envolvidas (sendo elas, na verdade, a mesma pessoa jurídica, já que pertencem ao mesmo grupo econômico) não gera amortização.

Relator, o ministro Francisco Falcão defendeu que “o abuso de direito perpetrado com a criação de estruturas artificiais para aproveitamento do ágio e pagamento a menor de tributos agride a juridicidade do ordenamento”.

Para os tributaristas, essa diferença de encarar o tema torna inevitável que ele seja levado à 1ª Seção, que reúne os integrantes da 1ª e 2ª Turmas, possivelmente em embargos de divergência para pacificação da questão.

Para ministro Gurgel de Faria, aberia ao Fisco demonstrar, caso a caso, a artificialidade das operações

Fisco vai longe demais

Fábio Lunardini, do Peixoto & Cury Advogados, destaca que todos esses casos são anteriores à Lei 12.973/2014, que vedou a amortização do ágio interno.

Além disso, não há na lei uma definição do que é e como funciona uma empresa-veículo. Trata-se de um conceito desenvolvido ao longo do tempo, pela doutrina e pela jurisprudência administrativa e judicial, e que ganhou relevância a partir da década de 1990.

“Na prática, o Fisco está se arrogando poderes de gestão das empresas, ao querer decidir qual é a forma mais adequada de estruturação de seus negócios, mesmo que à margem da lei, que em momento algum proíbe o uso de empresa-veículo e cuja norma vigente à época (Lei 9.532/1997) não vedava expressamente o ágio interno.”

Letícia Micchelucci, do Loeser e Hadad Advogados, defende que a inexistência do propósito negocial nas empresas-veículo precisa ser comprovado pelo Fisco em cada caso concreto, na linha do que decidiu a 1ª Turma.

“A utilização de empresa veículo em uma operação societária legítima — leia-se não artificial —, mesmo que entre partes dependentes, as quais tenham propósito negocial e evidência de desembolso de valores, confusão patrimonial e até mesmo redução da carga tributária, deve ser considerada legítima.”

Ágio interno em disputa

Douglas Guilherme Filho, do Diamantino Advogados Associados, diz que a legislação não faz distinção entre empresa-veículo e outra empresa que não seja pertencente ao grupo econômico. A norma apenas menciona a forma como poderá ser aproveitado esse ágio.

Por conta disso, muitas empresas se utilizam de empresas-veículo em seu modelo de negócio, como forma de se estabelecer ou mesmo se reestruturar.

“Aceitar o posicionamento da 2ª turma é presumir que todo planejamento societário envolvido nesse tipo de operação seria fraudulento, com o único objetivo de atingir uma econômica tributária.”

Nesse ponto, o voto do ministro Francisco Falcão diz que o contribuinte pode, sim, organizar seus negócios de maneira a escolher o caminho menos oneroso tributariamente, desde que as estruturas jurídicas utilizadas se compatibilizem com o ordenamento jurídico.

“A Lei n. 9.532/1997 estabeleceu um caminho natural em que determinada empresa, adquirindo participação societária com ágio, ao incorporar a empresa coligada ou controlada, poderia amortizar esse valor de rentabilidade futura na base de cálculo do IRPJ e da CSLL devidos”, destaca.

“Tudo isso com o objetivo específico de afastar da tributação o eventual ganho futuro que, em verdade, somente poderia ser aferido em posterior venda, frustrada pela extinção da empresa adquirida”, acrescenta.

REsp 2.026.473
REsp 2.152.642

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