Opinião

Slogans como ativos marcários pelo INPI: mudança de posicionamento

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  • é advogado especialista em startups e novas tecnologias sócio do escritório QBB Advocacia coordenador da Setorial Nacional de Empreendedorismo e Inovação do Livres membro do Grupo de Estudos Avançados em Processo e Tecnologia da Fundação Arcadas (USP) e membro da comissão de Startups da OAB-SP

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20 de novembro de 2024, 17h24

Uma objeção sempre presente no meio dos empresários preocupados com a proteção dos seus ativos e dos profissionais da publicidade é a impossibilidade de registro de slogan. Afinal, tais expressões muitas vezes apresentam uma distinção tão acentuada quanto as marcas, têm a mesma atividade criativa envolvida e possuem uma força de identificação avassaladora. Quando lembramos do produto que tem “mil e uma utilidades” ou das bebidas que “te dá asas”, “desce redondo” ou é “uma boa ideia”, as marcas tornam-se praticamente dispensáveis. Os slogans, quando atingem a notoriedade, falam por si só.

Tomaz Silva/Agência Brasil

Visando a resguardar tais criações, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) anunciou uma importante mudança em sua política de registro marcário, passando a aceitar o registro de slogans publicitários como marcas. Tal medida representa um marco evolutivo na proteção da propriedade industrial, deixando o Brasil mais próximo das boas práticas internacionais sobre o assunto.

Segundo levantamento do próprio INPI [1], dos países integrantes da Organização Mundial de Propriedade Industrial (Ompi), apenas quatro não permitiam o registro de slogan como marca, numa posição contrária aos 67 países que já tinham tal entendimento. Dos quatro, a China, por meio da China National Intellectual Property Administration (CNIPA) e Japão, através do Japan Patent Office (JPO) mudaram de posição em 2023, deixando o Brasil como um dos últimos a revisarem o seu ponto de vista sobre a matéria.

Sendo uma tendência global, é importante compreender como o país manteve, até então, a posição contramajoritária. Por aqui, tal proteção da propriedade industrial é regulamentada pela Lei Federal nº 9.279/1996 [2]. E a referida norma, em seu artigo 122, define como passível de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis, desde que não estejam compreendidos nas proibições legais. Enquanto a conceituação é abrangente e genérica, as proibições são mais detalhadas, listando a norma vinte e três blocos de definições proibitivas (artigo 124).

Proibição do registro de slogan

E eis o questionamento-chave: a proibição do registro do slogan consta como em algum dos incisos do artigo 124? Acontece que o inciso VII veta a possibilidade de registro como marca do “sinal ou expressão empregada apenas como meio de propaganda”, o que, até então, gerava um entendimento do Inpi que slogans não eram registráveis. A fundamentação específica era que estes se tratavam de meras frases de efeitos publicitários, sem a distintividade exigida.

Spacca

Merece ressalva que esse ponto de vista possui embasamento também na Convenção de Paris [3], que em seu artigo 6º, parágrafo segundo,  defende a impossibilidade de registro das marcas “(…) desprovidas de qualquer caracter distintivo, ou compostas exclusivamente de sinais ou de indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, o lugar de origem dos produtos ou a época da produção, ou que se tiverem tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio do país em que é reclamada a proteção”.

A fundamentação legal não mudou. Entretanto, diante das novas demandas do mercado, que argumentam que slogans desempenham papel essencial na construção da identidade de marcas, associando produtos e serviços a mensagens memoráveis e estratégicas, o Inpi decidiu revisar a posição, equalizando sua postura ao restante dos países, especialmente aos que possui tratados de proteção à propriedade industrial vigentes.

Na proposta de alteração do item 5.9.4 do Manual de Marcas, que aborda o assunto, o Inpi esclareceu a alteração, afirmando que passará a reconhecer slogans como marca. Entretanto, a alteração vem com vários disclaimers legais. Afinal, não basta ser slogan para receber a proteção. A proibição será mantida em determinadas circunstâncias, recaindo “(…) sobre sinais incapazes de serem percebidos como marca pelo público consumidor em razão de sua exclusiva atuação como meio de propaganda”. Prossegue afirmando que “(…) a aplicação do inciso VII do art. 124 da LPI deve ser criteriosa, sendo aplicada apenas quando a função exclusiva de propaganda do sinal estiver evidenciada”.

Distintividade de marca do slogan

Duas informações relevantes podem ser retiradas do trecho. A primeira delas justifica a nova leitura do Inpi sobre o inciso afetado. Em síntese, a entidade passou a aceitar que alguns slogans ganham tanta força perante o mercado que passam a possuir a distintividade de marca, como nos exemplos citados, justificando o seu registro. Em segundo lugar, o Inpi já evidenciou que o deferimento do registro de slogans será criterioso, não sendo concedido a distintividade para slogans abrangentes ou generalistas.

Nesse sentido, o indeferimento com base no artigo 124, VII da LPI será mantido quando o sinal possuir duas características cumulativamente: exercer função de propaganda, e; se incapaz de exercer função distintiva. Alcançando ambos, o slogan é irregistrável.

É necessário atentar ainda que não serão aceitas expressões publicitárias que tenham se tornado de uso comum no segmento de mercado ou expressões publicitárias desprovidas “(…) de grau mínimo de originalidade, sendo exclusivamente descritiva, comparativa, promocional ou elogiosa da qualidade dos produtos ou serviços assinalados ou ainda das condições em que os mesmos são oferecidos”.

Combinação de elementos

Por fim, a entidade alerta que a combinação de elementos distintivos com elementos que exercem somente função de propaganda (por exemplo “Melhoral é melhor e não faz mal”) e a combinação de elementos capazes de exercer ao mesmo tempo a função distintiva e a função de propaganda (tais como “Abra a felicidade” e “Saindo do zero”) são passíveis de registro, uma vez que no primeiro, o sinal distintivo atribui uma distinção a toda a expressão, e no segundo a combinação ou jogo de palavras dará uma distintividade maior ao caso.

O Inpi publicou um gráfico[4] que bem ilustra o assunto, facilitando o entendimento de quando um slogan terá a proteção marcária deferida:

Na apreciação, os slogans passarão pela mesma análise das marcas, não sendo criada uma categoria diferente de registro. Assim, o slogan terá que apresentar também as mesmas características da distintividade, leicidade e novidade exigida para qualquer outro pedido que tramite na entidade.

Novo entendimento do Manual de Marcas

Nos termos apresentados, a partir de 27 de novembro de 2024, com a atualização do Manual de Marcas, o novo entendimento entra em vigor, sendo aplicado para os pedidos já em andamento para análise de mérito ou que estejam sob recurso.

A mudança na posição passará por um acompanhamento da entidade, que avaliará os efeitos da nova implementação e satisfação do usuário com a mudança nos próximos anos. Afinal, um dos desafios da entidade é como adaptar seus processos para lidar com um provável aumento nos pedidos de registro, além de desenvolver critérios claros para análise da distintividade dos slogans, equilibrando a proteção dos ativos industriais com a livre concorrência.

A decisão do INPI de aceitar o registro de slogans como marcas é uma evolução importante para o sistema de propriedade intelectual no Brasil, alinhando-se às tendências globais e atendendo às demandas do mercado. Essa medida fortalece o ambiente jurídico para a proteção de ativos intangíveis e fomenta a inovação e a criatividade no setor empresarial. Essa mudança demonstra o dinamismo do sistema de propriedade intelectual brasileiro e reforça a importância de estar atento às novidades legislativas e regulatórias para maximizar os benefícios jurídicos e econômicos de ativos intangíveis.

 


[1] CANTANHEDE. Schamuell Lopes. Registros de Marca como Slogan: nova interpretação do inciso VII do art. 124. INPI. Disponível em <https://www.gov.br/inpi/pt-br/central-de-conteudo/noticias/RegistrodeMascascomSlogan.pdf>. Acesso em 15 de novembro de 2024.

[2] BRASIL. Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 15 maio 1996. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm. Acesso em: 17 nov. 2024.

[3] CONVENÇÃO DE PARIS. Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial. Paris, 20 de março de 1883. Disponível em: https://www.wipo.int/treaties/en/ip/paris/. Acesso em: 17 nov. 2024.

[4] CANTANHEDE. Schamuell Lopes. Registros de Marca como Slogan: nova interpretação do inciso VII do art. 124. INPI. Disponível em <https://www.gov.br/inpi/pt-br/central-de-conteudo/noticias/RegistrodeMascascomSlogan.pdf>. Acesso em 15 de novembro de 2024.

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