Tribunal de recursos dos EUA mantém decisão de inconstitucionalidade de lei
19 de novembro de 2024, 11h48
O Tribunal Federal de Recursos da 5ª Região não encontrou fundamentos jurídicos para reverter decisão de um juiz federal que declarou inconstitucional uma lei de Louisiana que obriga as escolas do estado a pendurar na parede das salas de aula quadros com os Dez Mandamentos a partir de 1º de janeiro. Assim, manteve a decisão de primeiro grau.
Mas decidiu que só estão isentos da obrigação cinco dos 72 distritos escolares do estado — os que pediram à Justiça o bloqueio a lei. O tribunal declarou que o juiz federal excedeu sua autoridade ao determinar que os distritos escolares notifiquem todas as escolas do estado sobre sua decisão, pelo menos “até que o recurso seja mais amplamente julgado”.
Por enquanto, o Tribunal de Recursos da 5ª Região, o mais conservador do país, emitiu apenas uma ordem de “suspensão administrativa temporária” da decisão do juiz (ou uma “liminar”), atendendo a um pedido de emergência do estado.
Todas as decisões foram tomadas de acordo com a linha ideológica dos juízes. Em segundo grau, a decisão foi tomada por um colegiado de três ministros da corte, por 2 a 1 (dois juízes conservadores-republicanos votaram a favor da suspensão da “liminar” e um juiz liberal-democrata, contra).
Em primeiro grau, o juiz federal John deGravelles, que é liberal democrata, determinou, em 12 de novembro deste ano, que a lei é “eminentemente religiosa” e “aparentemente inconstitucional, em todas as suas implicações”, um entendimento que deverá prevalecer no julgamento do mérito.
O que diz a lei
Aprovada pela maioria republicana da Assembleia Legislativa de Louisiana e sancionada pelo governador Jeff Landry em junho, a lei requer que todas as escolas no estado que recebem verbas públicas, do jardim de infância a universidades, devem colocar em seus corredores e salas de aula uma versão dos Dez Mandamentos.
Tal versão deve ser similar à tradução encontrada na “Bíblia do Rei Jaime (ou Tiago)”, adotada por muitas — mas não todas — igrejas protestantes. Não podem ser usados os textos dos Dez Mandamentos que aparecem nas versões católicas ou judaicas da “Bíblia”.
De acordo com a decisão de 177 páginas do juiz federal, a lei de Louisiana viola a Primeira Emenda da Constituição dos EUA, que diz em sua “Establishment Clause” que o Congresso não deve aprovar qualquer lei com respeito ao estabelecimento de uma religião (como religião oficial do país) ou que estabeleça preferência por qualquer religião.
Segundo o juiz, a lei também viola a cláusula da Primeira Emenda, que garante o direito ao livre exercício da religião dos estudantes e seus pais. Embora os estudantes não sejam obrigados a recitar os Dez Mandamentos, eles são expostos constantemente às mensagens desse texto bíblico, tornando-os “uma audiência cativa” de uma certa pregação religiosa.
Estado laico?
Esse é um caso que tende a chegar à Suprema Corte, que tem tomado decisões conflitantes sobre o envolvimento de religião nas atividades seculares do país e, consequentemente, sobre o muro da separação entre a igreja e o estado.
Há mais de 40 anos, por exemplo, a corte revogou, em Stone v. Graham, uma lei de Kentucky que obrigava as escolas a exibir os Dez Mandamentos nas escolas, tal como a lei de Louisiana. O argumento foi o mesmo: a lei violava a proibição constitucional de estabelecimento de uma religião, porque ela “não tinha um propósito secular”.
Porém, em 2005, a Suprema Corte decidiu a favor da religião, em Van Orden v. Perry. A corte manteve a constitucionalidade de uma exposição dos Dez Mandamentos na Assembleia Legislativa do Texas, como um de 17 monumentos de 21 marcos históricos comemorando a história do estado.
Durante décadas, prevaleceu no país uma decisão tomada em Lemon v. Kurtzman, que criou três critérios para os juízes avaliarem se a religião se intersecta com uma ação ou política do governo, violando, portanto, a cláusula do estabelecimento: “Uma política deve ter um propósito legislativo secular; seu efeito principal ou primário não pode promover, nem inibir, a religião; e não pode resultar em excessivo entrelaçamento entre o estado e as autoridades religiosas”, diz a decisão.
Porém, em junho de 2022, a Suprema Corte abandonou esses critérios estabelecidos em Lemon. No caso Kennedy v. Bremerton, a Corte decidiu em favor de um técnico de futebol americano, de uma escola de segundo grau, que adotou o costume de, ao final dos jogos, se ajoelhar no meio do campo, acompanhado de jogadores, para rezar.
O ministro Neil Gorsuch, relator do voto da maioria, escreveu que “a cláusula do estabelecimento deve ser interpretada por referência práticas e entendimentos históricos”, acrescentando que “a Corte abandonou há tempos os critérios estabelecidos em Lemon v. Kurtzman”.
Essa foi uma das decisões mais recentes que vem destruindo, progressivamente, o muro de separação entre a igreja e o estado, cujo alicerce é a cláusula do estabelecimento da Constituição.
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