Proposta de redução da duração do trabalho: abrangência e efeitos
19 de novembro de 2024, 13h22
Ganhou destaque a proposta de emenda à Constituição que tem como objetivo alterar o inciso XIII do artigo 7º da Constituição de 1988, passando a prever a duração do trabalho normal não superior a 8 horas diárias e 36 horas semanais.
Nos termos do artigo 58 da CLT, a duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite. Tendo em vista o direito ao descanso semanal de 24 horas consecutivas (artigo 67 da CLT), que deve ser remunerado (artigo 1º da Lei 605/1949), a duração do trabalho normal, anteriormente, era de 48 horas semanais.
Com a vigência da Constituição de 1988, a duração do trabalho normal passou a ser de 8 horas diárias e 44 semanais (artigo 7º, inciso XIII).
A rigor, o termo “escala” significa o regime de trabalho em certos dias (ou horas) e ausência de labor nos dias (ou horas) seguintes, o que envolve o período de descanso.
Frise-se que são assegurados o direito ao repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos (artigo 7º, inciso XV, da Constituição de 1988), e o direito ao repouso remunerado nos feriados civis e religiosos (artigo 8º da Lei 605/1949).
Entende-se que viola o artigo 7º, inciso XV da Constituição, a concessão de repouso semanal remunerado após o sétimo dia consecutivo de trabalho, importando no seu pagamento em dobro (Orientação Jurisprudencial 410 da SBDI-I do TST) [1].
Nos serviços que exijam trabalho aos domingos, com exceção dos elencos teatrais e congêneres, deve ser estabelecida escala de revezamento, mensalmente organizada, que constará de quadro sujeito à fiscalização (artigo 154, § 2º, do Decreto 10.854/2021).
O repouso semanal remunerado deve coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de sete semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho (artigo 58, § 2º, da Portaria 671/2021 do Ministério do Trabalho).
Nas atividades do comércio em geral, o repouso semanal remunerado deve coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o domingo (artigo 6º, parágrafo único, da Lei 10.101/2000, com redação dada pela Lei 11.603/2007).
Havendo trabalho da mulher aos domingos, deve ser organizada uma escala de revezamento quinzenal, que favoreça o repouso aos domingos (artigo 386 da CLT). Firmou-se o entendimento de que essa previsão foi recepcionada pela Constituição de 1988 [2], como norma específica de proteção do trabalho da mulher, a qual deve prevalecer sobre o disposto no art. 6º, parágrafo único, da Lei 10.101/2000, aplicável aos empregados do comércio em geral [3].
O labor em sobrejornada, ou seja, que excede a duração normal do trabalho, gera o direito à remuneração das horas extras com o adicional de no mínimo 50% (artigo 7º, inciso XVI, da Constituição de 1988).
No caso de empregado que tem a remuneração calculada e recebida por hora trabalhada (“empregado horista”) [4], havendo labor em sobrejornada, mas já tendo sido pagas todas as horas trabalhadas (inclusive as horas excedentes à duração normal do trabalho) de forma simples, em regra, apenas o adicional é ainda devido quanto às horas extras [5].
Mesmo na atual redação do artigo 7º, inciso XIII, da Constituição de 1988, faculta-se a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho [6].
Logo, a redução da duração do trabalho para 36 horas semanais pode ser feita por meio da negociação coletiva de trabalho, resultando em acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho (artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição de 1988), em observância das peculiaridades de cada setor, localidade ou empresa.
Essa redução da duração do trabalho, sem acarretar a redução de salário (artigo 7º, inciso VI, da Constituição de 1988), dando origem a previsão mais benéfica ao empregado, pode ser ajustada até mesmo em contrato individual de trabalho (artigos 444 e 468 da CLT).
Naturalmente, a redução do tempo de labor permite a ampliação do tempo de lazer, de estudo, de cuidados com a saúde e a família, de atividades culturais, esportivas, comunitárias e outras de interesse do trabalhador, em harmonia com a melhoria de sua condição social (artigo 7º, caput, da Constituição), a promoção da dignidade humana e a qualidade de vida.
É relevante salientar que a redução da duração do trabalho normal não geraria, de forma automática, a alteração das jornadas especiais, as quais também deveriam ser objeto de reflexão. Nesse sentido, podem ser lembradas, por exemplo, as jornadas de trabalho diferenciadas de certas categorias e profissões (como se observa nos artigos 224 a 226 da CLT e artigo 20 da Lei 8.906/1994), o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento (artigo 7º, inciso XIV, da Constituição) e o horário de trabalho de 12 horas seguidas por 36 horas ininterruptas de descanso (artigo 59-A da CLT).
Além disso, é imperiosa a retomada do debate a respeito da pertinência e adequação das hipóteses previstas em lei de trabalhadores excluídos das regras sobre duração do trabalho (artigo 62 da CLT) [7]. Caso seja mantida a atual sistemática, a redução da jornada de trabalho, em tese, não os alcançaria, o que pode agravar essa desigualdade no tratamento legislativo.
Deve-se destacar que as normas sobre duração do trabalho, em princípio, são aplicáveis aos empregados (artigo 3º da CLT) e aos trabalhadores avulsos (artigo 7º, inciso XXXIV, da Constituição), mas não abrangem outras espécies de trabalhadores, como autônomos (artigo 442-B da CLT) e eventuais (artigo 11, inciso V, da Lei 8.213/1991), em número crescente no mercado de trabalho, os quais também deveriam contar com previsões que observem as suas peculiaridades. Nesse contexto, merecem referência os profissionais que prestam serviços por meio de contratos civis e empresariais, em moldes tradicionais ou com a utilização de recursos tecnológicos.
Em termos teóricos, é possível a defesa da aplicação, em termos gerais, dos direitos fundamentais trabalhistas (artigo 7º da Constituição) a todas as modalidades de trabalho, independentemente da presença do vínculo de emprego. Entretanto, na prática, questiona-se, por exemplo, como regular a jornada daqueles que trabalham por conta própria, ou como assegurar a remuneração de horas extras a quem não presta serviços a empregador ou ente equiparado (artigo 2º da CLT).
Considerando a atual tendência legislativa [8] e jurisprudencial [9] de se reconhecer as diversas formas legais de realização do trabalho e a liberdade de contratação [10], na hipótese de alteração do dispositivo constitucional que trata da duração do trabalho mediante vínculo de emprego, com a determinação de sua redução substancial, deve-se refletir sobre os possíveis efeitos no nível de emprego e na contratação de trabalhadores regidos pelas normas trabalhistas.
Por fim, há necessidade de voltar a atenção ao trabalho informal e aos efeitos negativos dele decorrentes, em que, mesmo havendo relação de emprego, os diversos direitos, como a limitação da jornada de trabalho, não são efetivados.
Cabe, assim, analisar de forma abrangente e rigorosa os impactos sociais, econômicos e ao próprio emprego que podem decorrer da proposta de redução da duração do trabalho, por meio de modificação da norma constitucional sobre a matéria.
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[1] Conforme a Súmula 146 do TST: “O trabalho prestado em domingos e feriados, não compensado, deve ser pago em dobro, sem prejuízo da remuneração relativa ao repouso semanal”.
[2] “Agravo regimental no recurso extraordinário. Constitucional. Proteção ao mercado de trabalho da mulher. Escala de revezamento quinzenal prevista no art. 386 da Consolidação das Leis do Trabalho. Ausência de ofensa ao princípio da isonomia: matéria análoga àquela do Tema 528 da repercussão geral” (STF, 1ª T., AgR-RE 1.403.904/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 23.10.2023).
[3] “Recurso de embargos. Interposição sob a regência da Lei 13.015/2014. Domingos. Atividades do comércio em geral. Empregada mulher. Art. 386 da CLT. Escala de revezamento quinzenal. Norma específica de proteção. 1. Esta Subseção firmou a tese de que a escala quinzenal para concessão do repouso semanal remunerado aos domingos para empregadas mulheres, prevista no artigo 386 da CLT como norma específica de proteção ao trabalho da mulher, deve prevalecer sobre a garantia de coincidência com o domingo pelo menos uma vez no lapso máximo de três semanas, norma inscrita no art. 6º, parágrafo único, da Lei 10.101/2000, em favor de todos trabalhadores do comércio em geral. Precedentes. 2. Estando o acórdão embargado em sintonia com esse entendimento, inviável conhecer do recurso de embargos. Embargos não conhecidos” (TST, SBDI-I, E-ED-RR-982-80.2017.5.12.0059, Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 17.06.2022).
[4] “Primeiramente, sinale-se a diferença básica entre os dois tipos de empregados: empregado horista é aquele que recebe de acordo com o número de horas trabalhadas, respeitados os limites constitucionais de jornada máxima e o salário mínimo, tratando-se, portanto, de salário variável, enquanto o empregado mensalista recebe um valor fixo por mês, tendo módulo semanal fixo geralmente de 30, 36, 40 ou 44 horas e mensal de 150, 180, 200 ou 220, respectivamente” (TST, 3ª T., RR-861-48.2013.5.04.0016, Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 18.09.2020).
[5] “4. De toda sorte, tratando-se de empregado horista, a condenação de horas extras está limitada ao adicional, uma vez que as horas trabalhadas já foram remuneradas de forma simples” (TST, 2ª T., Ag-ARR-1388-11.2012.5.09.0011, Rel. Min. Maria Helena Mallmann, DEJT 21.10.2022).
[6] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2024. p. 723-726.
[7] “Recurso extraordinário. Inadmissibilidade. Cargo de gestão. Ausência de controle da jornada de trabalho. Possibilidade. Art. 62, II, da CLT. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Não afronta o art. 7º, XIII, da Constituição da República, a decisão que excepciona os ocupantes de cargos de gestão do controle de jornada de trabalho” (STF, 2ª T., AgR-RE 563.851/RS, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 28.03.2008).
[8] A título de exemplo: art. 5º da Lei 11.442/2007; art. 7º, alínea f, da CLT, incluída pela Lei 13.877/2019; art. 442, § 1º, da CLT; art. 2º da Lei 12.690/2012; art. 442, § 2º, da CLT, incluído pela Lei 14.647/2023; art. 6º, § 2º, da Lei 6.530/1978, incluído pela Lei 13.097/2015; art. 1º-A, § 11, da Lei 12.592/2012, incluído pela Lei 13.352/2016; art. 17-A da Lei 8.906/1994, incluído pela Lei 14.365/2022; art. 82, parágrafo único, da Lei 14.597/2023.
[9] “Constitucional. Trabalhista e Processual Civil. Reclamação. Ofensa ao que decidido por este Tribunal na ADC 48, na ADPF 324 e na ADI 5.835-MC. Ocorrência. Reclamação julgada procedente. 1. O reconhecimento de vínculo de emprego entre motorista parceiro e as plataformas de mobilidade desconsidera as conclusões do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADC 48, da ADPF 324 e da ADI 5.835 MC, que permitem diversos tipos de contratos distintos da estrutura tradicional do contrato de emprego regido pela CLT. 2. Reclamação julgada procedente” (STF, 1ª T., Rcl 60.347/MG, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 19.03.2024).
[10] “Embargos de declaração no agravo regimental na reclamação. 2. Direito Constitucional, Civil e do Trabalho. 3. Terceirização. Pejotização. 4. Liberdade de organização produtiva dos cidadãos. Licitude de outras formas de organização do trabalho. 5. Aderência estrita do ato reclamado com o paradigma indicado. Autoridade reclamada violou o entendimento firmado na ADPF 324. 6. Diretor estatutário. Vulnerabilidade ou coação não demonstradas. 7. Ausência de omissão, contradição, obscuridade ou erro material. 8. Impossibilidade de atribuição de efeitos infringentes. 9. Embargos de declaração rejeitados” (STF, 2ª T., ED-AgR-Rcl 64.445/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 25.07.2024).
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