Território Aduaneiro

Impactos do PLP nº 68/2024 sobre as Zonas de Processamento de Exportação

Autores

  • é sócio do Escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária e Aduaneira (DDTax) doutor mestre e especialista pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) com estágio doutoral na Westfälische Wilhelms-Universität (WWU) de Münster pelo Deutscher Akademischer Austauschdienst (DAAD) é professor no Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) onde coordena o curso "Direito Aduaneiro e Tributação do Comércio Internacional" e foi conselheiro titular no Carf entre 2015 e 2023.

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  • é graduado em Direito pelas Faculdades de Campinas (2008) com foco em Direito Empresarial. Especialista em Direito Tributário pela PUC/SP (2009/2011). Especialista em Contabilidade Controladoria e Finanças (Cefin) pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Atuariais e Financeiras (Fipecafi) 2011/2012. Especialista em Direito Tributário Internacional pelo IBDT (2017/2018). Mestre em Direito Tributário pela FGV (2022/2024). Consultor jurídico da Associação Brasileira de Zonas de Processamento de Exportação (Abrazpe).

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19 de novembro de 2024, 9h20

Conforme tratamos em artigo anterior desta coluna (aqui), as Zonas de Processamento de Exportação (ZPE) foram criadas no Brasil pelo Decreto-Lei nº 2.452, de 29 de julho de 1988, e hoje se encontram regidas pela Lei nº 11.508/2007 (Lei das ZPEs). Trata-se de instrumento de desenvolvimento regional destinado, dentre outros objetivos, à finalidade de desenvolver a cultura exportadora, fortalecer o balanço de pagamentos, promover a difusão tecnológica, a redução de desequilíbrios regionais e o desenvolvimento econômico e social do país.

Estrutura jurídica das ZPEs

De acordo com a Lei das ZPEs, tais zonas caracterizam-se como áreas de livre comércio com o exterior, destinadas à instalação de empresas voltadas para a (i) produção de bens a serem comercializados no exterior, a (ii) prestação de serviços vinculados à industrialização das mercadorias a serem exportadas ou a (iii) prestação de serviços a serem comercializados ou destinados exclusivamente para o exterior, sendo consideradas zonas primárias para efeito de controle aduaneiro.

A criação de ZPE é realizada por decreto, que delimitará sua área, à vista de proposta de entes privados ou dos Estados ou Municípios, em conjunto ou isoladamente, sendo que o início do seu funcionamento depende do prévio alfandegamento da respectiva área pela Receita Federal.

Compete ao Conselho Nacional das Zonas de Processamento de Exportações (CZPE), órgão deliberativo da estrutura do MDIC, em especial, analisar as propostas de criação, aprovar os projetos de empesas interessadas em nelas se instalarem e traçar a orientação superior da política destas áreas.

Atualmente, existem 13 ZPEs criadas por decreto, embora somente as zonas de Pecém (CE), de Parnaíba (PI) e a de Cáceres (MT) se encontrem alfandegadas. Delas, somente as de Pecém e do Parnaíba contam com empresas em operação.

Incentivos

As empresas instaladas em ZPE podem usufruir dos incentivos aduaneiros, cambiais e, sobretudo, fiscais estabelecidos na Lei nº 11.508/2007, sendo que esses últimos viabilizam aquisições/contratações no mercado interno e importações de insumos, de ativos imobilizados e de serviços com suspensão de tributos federais, conversível em isenção ou alíquota zero caso o produto final venha a ser exportado (ou caso o bem permaneça no ativo imobilizado pelo prazo determinado na lei).

A Lei nº 14.184/2021 reformulou o Lei das ZPEs e inseriu no âmbito da Lei (i) as empresas prestadoras de serviços destinados exclusivamente ao exterior e (ii) as empresas prestadoras de serviços vinculados à industrialização de bens.

Natureza jurídica

Conforme disposto no parágrafo único do artigo 1º da Lei das ZPEs, as zonas de processamento de exportação são “áreas de livre comércio”, expressão que não deve ser confundida como aquela inerente aos processos de integração regional (zona de livre comércio, união aduaneira, mercado comum, dentre outros), mas sim como porções do território nacional, onde, observadas determinadas condições, os tributos sobre importação e exportação não são devidos [1] ou o tratamento administrativo das operações de comércio exterior é flexibilizado.

No caso específico das ZPEs, a importação de bens por empresas instaladas em tais zonas gozam da suspensão dos tributos federais, e as importações e exportações “(…) ficam dispensadas de licença ou de autorização de órgãos federais, com exceção dos controles de ordem sanitária, de interesse da segurança nacional e de proteção do meio ambiente” (artigo 12).

Spacca

Registra-se, aqui, a nossa opção de ressaltar a desoneração das importações de bens, em detrimento da desoneração sobre as aquisições no mercado interno de bens (e, também, sobre as importações e contratações no mercado interno de serviços), uma vez que o parágrafo único do artigo 1º da Lei das ZPEs se refere a áreas de livre comércio qualificadas pela expressão “com o exterior”, sendo “consideradas zonas primárias para efeito de controle aduaneiro”, o que nos remete, necessariamente, a operações de importação e exportação de bens (já que operações e prestações no mercado interno, por óbvias razões, não são realizadas “com o exterior”, bem como os conceitos de zona primária e zona secundária são irrelevantes para fins de importação/exportação de serviços).

Com efeito, a expressão livre comércio deve ser entendida, em nossa visão, como o livre acesso que bens e mercadorias possuem (i) para adentrar em tais áreas, frente à desoneração tributária e ao tratamento administrativo flexível aplicável sobre as importações, assim como (ii) para “sair” de tais áreas, ante ao tratamento administrativo diferenciado para as exportações [2].

Segurança jurídica

Adicionalmente aos variados incentivos, as ZPEs conferem segurança jurídica às empresas, uma vez que asseguram o tratamento jurídico previsto na Lei das ZPEs por um prazo de 20 anos, prorrogáveis por períodos adicionais de mais 20 anos (artigo 8º e § 2º).

A opção do legislador por facultar este extenso lapso temporal promove a segurança jurídica necessária (i) nos casos de investimento de grande vulto que exijam longos prazos de amortização [3] (como se verifica, por exemplo, com a instalação de refinarias de petróleo, siderúrgicas e plantas produtoras de hidrogênio verde [4]); e (ii) para a atração de investimento estrangeiro direto; o que, em nossa opinião, está de acordo com a finalidade da Lei das ZPEs (artigo 1º, caput) de buscar o “desenvolvimento econômico e social do País”.

Ainda, em relação à segurança jurídica, por ocasião da edição da Lei nº 14.184/2021 (artigo 3º), facultou-se às empresas instaladas em ZPE optarem pelo novo regime jurídico ou por se manterem vinculadas aos termos da Lei nº 11.508/2007, vigentes no momento da aprovação do respectivo projeto industrial. Embora a lei de 2021 represente um avanço no marco legal, especialmente por revogar a regra do compromisso de exportação (que exigia uma receita de exportação de 80%), a nova legislação agravou a tributação incidente sobre as vendas de produtos acabados no mercado interno, sobretudo ao ampliar a base de cálculo da multa e dos juros de mora (antes restrita ao valor do II e do AFRMM).

Em sendo assim, a opção franqueada pela lei é acertada e condizente com a segurança jurídica, uma vez que não impôs as novas regras às empresas com projetos industriais de instalação em ZPE já aprovados e deu a oportunidade de cada empresa decidir acerca da migração ou não para o novo regime jurídico.

Regime constitucional

Até o advento da EC nº 132/2023 (Reforma Tributária), o texto constitucional não fazia referência às ZPEs e demais áreas de livre comércio, tal como se verificava com a Zona Franca de Manaus (ZFM), notadamente nos artigos 40 e 92 das “ADCT”.

Foram criados novos tributos: (i) o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), em substituição ao ISS e ao ICMS; (ii) a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em substituição ao PIS e à Cofins; e (iii) o Imposto Seletivo (IS) — vale dizer, que o IS não substituirá o IPI, que será mantido para os produtos industrializados na ZFM (artigo 126, inciso III, do ADCT).

Nesse contexto, o artigo 156-A (e 195, V) dispõe que lei complementar sobre o IBS (aplicável para a CBS) disciplinará “as hipóteses de diferimento e desoneração do imposto aplicáveis aos regimes aduaneiros especiais e às zonas de processamento de exportação”.

Uma vez que o aludido dispositivo se refere às hipóteses de “diferimento” e “desoneração”, tal lei complementar poderia disciplinar apenas e tão somente hipóteses de postergação dos novos tributos ou, ainda, de eliminação ou redução dos novos tributos (isenção, redução de alíquota, redução de base de cálculo, de crédito presumido etc.), sob pena de violação ao texto constitucional. Ou seja, em hipótese alguma poderia agravar o tratamento tributário assegurado às empresas instaladas em ZPE, tendo como parâmetro o tratamento jurídico aplicável ao PIS, à Cofins e ao ICMS [5] pela Lei nº 11.508/2007 e pelo Convênio ICMS nº 99/1998 (e respectivas leias estaduais).

Adicionalmente, cumpre examinar o teor do art. 92-B do ADCT, que garante, por meio de “instrumentos fiscais, econômicos ou financeiros” o diferencial competitivo assegurado as áreas de livre comércio existentes em 31/05/2023.

Considerando que: (i) as ZPEs são áreas de livre comércio; e que (ii) as ZPEs hoje existentes foram criadas por decreto anteriormente a 31/05/2023 (exceto em relação à ZPE de Bacabeira, no estado do Maranhão [6]), será inconstitucional todo e qualquer dispositivo da lei complementar do IBS e da CBS que venha a restringir ou agravar o regime jurídico das ZPEs, criadas até 31/05/2023, sem que seja assegurada a respectiva medida compensatória, sob a forma de instrumentos fiscais, econômicos ou financeiros.

Ainda que se alegue que o dispositivo constitucional tenha sido cogitado inicialmente para as Áreas de Livre Comércio geridas pela Suframa (o que seria reforçado pelo teor dos parágrafos §§ 2 ao 7º), fato é que o artigo 92-B (i) em nenhum momento se refere à Suframa, (ii) excluí as áreas de livre comércio geridas pelo CZPE, e (iii) emprega, expressa e literalmente, o termo áreas de live comércio, categoria na qual se inserem, sem sombra de dúvida, as ZPEs.

É com base nesses dispositivos constitucionais e, também, no art. 8º da Lei nº 11.508/2007 que passamos a examinar as disposições do PLP nº 68/2024 em trâmite junto ao Senado.

PLP nº 68/2024: IBS/CBS e IS

No texto da versão mais recente do PLP nº 68/2024, as ZPEs estão disciplinadas nos artigos 97 a 102, 467, 499 e 513, inciso XXXIX, caracterizando-se este último dispositivo como aquele que revoga o artigo 6º-D da Lei nº 11.508/2007 (que zerava as alíquotas de PIS e COFINS por empresa autorizada a operar em ZPE), com efeitos a partir de 1º/01/2027.

Cabe registrar que as contribuições ao PIS e a Cofins serão extintas a partir de 2027, tal como previsto pelo art. 126, inciso II, do ADCT, acrescido pela EC nº 132/2023, para ceder lugar à cobrança da CBS, momento a partir do qual, caso mantido o texto atualmente proposto, não será mantido o incentivo fiscal estabelecido pelo artigo 6º-D da Lei das ZPEs, que desonera os serviços importados ou contratados no mercado interno.

A revogação do artigo 6º-D por ocasião da aprovação do PLP nº 68/2024 é inconstitucional, uma vez que o artigo 156-A, aplicável por remissão à CBS, autoriza a lei complementar a dispor somente acerca (i) do diferimento/postergação e (ii) da desoneração do IBS e da CBS. Certo é que a revogação do artigo 6º-D implica oneração pela CBS das operações envolvendo ZPE.

Não obstante, o novo artigo 92-B do ADCT garante a manutenção do diferencial competitivo proporcionado pelo incentivo fiscal do artigo 6º-D, mesmo após a extinção do PIS e da Cofins, seja pela desoneração da CBS, seja pela concessão de incentivos econômicos e financeiros no montante equivalente à desoneração do PIS e da Cofins.

Alertamos, ainda, para o potencial desequilíbrio concorrencial entre as ZPEs constituídas até 31/05/2023 e as “novas” ZPEs (incluída, nessa categoria a ZPE de Bacabeira), já que as empresas que venham a se instalar em ZPEs “antigas” gozarão de incentivos adicionais aos concedidos para empresas instaladas nas “novas” ZPEs.

Adicionalmente, reforça a inexigibilidade da CBS a regra de manutenção do regime jurídico pelo prazo de 20 anos, que assegura, expressamente, o tratamento instituído pela Lei nº 11.508/2007.

Se o tratamento instituído pela Lei das ZPEs corresponde à fixação de alíquota zero para as contribuições sociais incidentes sobre a contratação de serviços, o mesmo tratamento deve ser assegurado para a CBS, já que essa contribuição substituirá o PIS e a Cofins em prestígio ao comando de segurança jurídica que se dessume da lei de 2007, ao assegurar o tratamento jurídico pelo prazo previsto em lei, e compatível com a finalidade de buscar o “desenvolvimento econômico e social do País”.

Por sua vez, o Imposto Seletivo (IS) incidente sobre produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente busca gravar, em regra, os serviços e os bens destinados a consumidores finais ou caracterizados como produtos acabados, motivo pelo qual poderiam ser considerados estranhos às operações realizadas em uma empresa instalada em ZPE. No entanto, o IS pode vir a onerar operações de empresas instaladas em ZPE que venham a processar bens minerais, ou seja, quando o bem mineral for adquirido por empresa instalada em ZPE para ser utilizado como insumo em operações de industrialização.

Explica-se. Considerando que (i) o IS incidirá uma única vez na cadeia de bens minerais (artigo 407 do PLP nº 68/2024), (ii) o fato gerador ocorrerá, dentre outras hipóteses, na primeira comercialização do bem (artigo 410, inciso I [7]); e (iii) o produtor-extrativista na primeira comercialização será o contribuinte do IS; infere-se, portanto, que o IS incidirá sobre o fornecimento de bens minerais para empresas estabelecidas em ZPE, quando vendido pelo produtor-extrativista.

Ressaltamos, ainda, que o fornecimento de gás natural para empresa em ZPE, a ser utilizado como insumo em processo industrial, será tributado à alíquota zero (artigo 420).

Diferentemente do IBS e da CBS, inexiste dispositivo na EC nº 132/2023 que possa ser invocado para proteger as empresas instaladas em ZPE contra a exigência do IS, porém reiteramos que a própria Lei nº 11.508/2007 assegura o “tratamento” instituído pela referida lei pelo prazo de 20 anos, cabendo se questionar se o artigo 8º da Lei das ZPEs tem ou não o condão de afastar a incidência do IS sobre os bens minerais adquiridos ou importados por empresas instaladas em ZPE.

Conclusão

O exame do PLP nº 68/2024 revela potenciais impactos significativos sobre as zonas de processamento de exportação, de modo a impactar a segurança jurídica das empresas nelas instaladas. As mudanças legislativas atualmente em debate devem buscar assegurar a preservação do diferencial competitivo das empresas, para que se alcance o objetivo de desenvolvimento econômico e social buscado com a criação dessas áreas.

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[1] MEIRA, Liziane Angelotti. Regimes aduaneiros especiais. São Paulo: IOB, 2002. p. 275.

[2] A Lei das ZPEs não outorga isenção do Imposto de Exportação.

[3] Tal como previsto na redação original da Lei nº 11.508/2007.

[4] É o caso dos projetos da Refinaria de Petróleo do Pecém Ltda., da siderúrgica ArcelorMittal Pecém S/A e da Brasil Fortescue Sustainable Industries Ltda.

[5] A princípio, o dispositivo seria inaplicável para o ISS, eis que inexiste tratamento específico em lei complementar para serviços prestados ou tomados em ZPE. No entanto, na hipótese de leis municipais outorgando incentivos de ISS (redução de alíquota, por exemplo) para empresas em ZPE, é defensável a invocação do art. 156-A para assegurar a manutenção de incentivos fiscais porventura concedidos.

[6] Vide Decreto nº 12.131/2024.

[7] E, também, na transferência não onerosa de bem mineral extraído ou de bem produzido (art. 410, inciso III).

Autores

  • é sócio do Escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária e Aduaneira (DDTax), doutor, mestre e especialista pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), com estágio doutoral na Westfälische Wilhelms-Universität (WWU) de Münster pelo Deutscher Akademischer Austauschdienst (DAAD). É presidente do IPDA (Instituto de Pesquisas em Direito Aduaneiro) e da Comissão de Estudos Aduaneiros do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), professor no IBDT (Instituto Brasileiro de Direito Tributário), onde coordena o curso "Direito Aduaneiro e Tributação do Comércio Internacional", e foi conselheiro titular no Carf entre 2015 e 2023.

  • é graduado em Direito pelas Faculdades de Campinas (2008), com foco em Direito Empresarial. Especialista em Direito Tributário pela PUC/SP (2009/2011). Especialista em Contabilidade, Controladoria e Finanças (Cefin) pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), 2011/2012. Especialista em Direito Tributário Internacional pelo IBDT (2017/2018). Mestre em Direito Tributário pela FGV (2022/2024). Consultor jurídico da Associação Brasileira de Zonas de Processamento de Exportação (Abrazpe).

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