Proposta de reserva de unidade futura antes do registro da incorporação imobiliária
18 de novembro de 2024, 15h16
A incorporação imobiliária é a atividade empresarial que tem por objetivo promover e realizar a construção para alienação (total ou parcial) de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas vinculadas a frações ideais do terreno constituídas em regime condominial, nos termos do artigo 28, parágrafo único, da Lei 4.591/64.
O artigo 32 da Lei 4.591/64 indica a documentação necessária para arquivamento no Registro de Imóveis competente — que, em conjunto, forma o memorial de incorporação, isto é, um dossiê com todas as informações e documentos que descrevem e caracterizam o empreendimento imobiliário.
O registro do memorial de incorporação é o ato jurídico da incorporação imobiliária que tem por objetivo a estruturação da atividade da incorporação imobiliária em si, bem como dar publicidade a qualquer interessado sobre empreendimento a ser desenvolvido. Somente com a sua efetivação é permitido alienar ou onerar frações ideais correspondentes a unidades futuras do empreendimento.
Sob esse aspecto, a Lei 14.382/22 introduziu considerável alteração legislativa no artigo 32 da Lei 4.591/64, que originalmente previa a necessidade do registro do memorial de incorporação para negociar unidades futuras. A nova redação do artigo 32 da lei dispõe sobre o dever do arquivamento do memorial de incorporação para alienar ou onerar unidades futuras, extirpando o termo “negociar” de seu conteúdo.
Entendimento do TJ-SC
Em junho deste ano, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) manifestou-se em decisão proferida no agravo de instrumento nº 5054611-66.2023.8.24.0000/SC, de relatoria da desembargadora Cláudia Lambert de Faria, dando parcial provimento a recurso interposto por uma incorporadora de Balneário Camboriú (SC), que havia sido impedida de celebrar proposta de reserva de fração ideal de terreno vinculada a futura unidade autônoma antes do registro da incorporação imobiliária.
Na decisão, a 5ª Câmara de Direito Civil do TJ-SC abordou a alteração legislativa do artigo 32 da Lei 4.591/64, entendendo que foi intenção do legislador abrandar o rigor da proibição do dispositivo para possibilitar a negociação dos imóveis e tão somente impedir a sua efetiva venda ou oneração.
A decisão ainda ressalta que a proposta de reserva não possui o condão de transferir a propriedade, e que a alienação apenas é efetivada mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis (artigo 1.245, do Código Civil) ou mediante promessa de venda e compra, que, se registrada no Registro de Imóveis nos termos dos artigos 1.417 e 1.418 do Código Civil, gera direito real para aquisição de imóvel.
Por fim, o julgado destaca a necessidade (1) de informação ao futuro adquirente sobre a temporária ausência do registro da incorporação imobiliária e (2) da efetivação do negócio com a celebração da promessa de venda e compra após o seu registro, bem como permite a realização de campanhas publicitárias do empreendimento previamente ao arquivamento do memorial de incorporação no Registro de Imóveis.
Proposta de reserva
Com a atual redação legislativa, assim interpretada por essa decisão, tem-se o entendimento de que a negociação de unidade futura em momento anterior ao arquivamento do memorial de incorporação no Registro de Imóveis é válida, sendo vedada a sua alienação ou oneração.
Na prática, como desdobramento da referida alteração legislativa, tem sido comum a celebração da denominada proposta de reserva, que é pacto prévio à promessa de venda e compra e cuja finalidade é a amarração do negócio jurídico para a aquisição de unidade futura, com prévia determinação de preço e forma de pagamento, principalmente.
O instrumento jurídico assemelha-se à opção de compra, pela qual o vendedor interessado estabelece as condições elementares do negócio jurídico, como valor, prazo de pagamento do preço e prazo de validade para o atendimento das condições pelo interessado comprador, vinculando-se à sua própria declaração de vontade pelo período convencionado. O adquirente, por sua vez, reserva a si a faculdade de exercer a opção de compra do imóvel.
A proposta de reserva, tal como a opção de compra, configura promessa de contrato bilateral em sua formação e unilateral, em relação aos seus efeitos. Ou seja, no campo das obrigações, acarreta efeitos vinculativos somente ao vendedor. Nas palavras de Orlando Gomes: “A opção é um negócio jurídico bilateral mediante o qual estipulam as partes que uma delas permanece vinculada à própria declaração de vontade, enquanto a outra se reserva a faculdade de aceitá-la, ou não” [1].
Sob essa ótica e considerando especialmente que permanece vedado alienar ou onerar a futura unidade autônoma, é razoável afirmar que a proposta de reserva para ser válida não pode conter recebimento de valores pelo incorporador. Nesse contexto, eventual não comparecimento do adquirente no momento da formalização da promessa de venda e compra, quando instado a tal ato pelo incorporador, não deve lhe gerar qualquer penalidade.
Ora, se não há vinculação ao comprador, questiona-se qual seria o benefício ao vendedor no firmamento da proposta de reserva. A resposta é objetiva. Enquanto o projeto está em fase de aprovação — ou mesmo aprovado, mas aguardando o registro do memorial de incorporação —, a negociação de preço e condição de pagamento da futura alienação da unidade, por meio da assinatura da proposta de reserva, permite ao vendedor incorporador testar o mercado, ajustando o mais adequado valor de venda da unidade e avençando com o futuro comprador, ainda que esse tenha a faculdade do arrependimento.
Além disso, aos olhos do futuro comprador, a reserva da unidade permite a ele programar pagamentos e planejamento para a efetiva aquisição do bem. Assim, se não o vincula de modo irretratável, positivamente o estimula ao pagamento na aquisição do bem, no momento oportuno, qual seja, o registro da incorporação imobiliária e a assinatura do compromisso de compra e venda.
Legalidade do instrumento
Apesar de muito atacada por quem teme pelo abuso do fornecedor, no caso o incorporador imobiliário, a proposta de reserva é legalmente permitida, com fundamento na nova redação do artigo 32 da Lei 4.591/64. E, por não gerar consequências danosas ao comprador, não encontra vedação no Código de Defesa do Consumidor.
Por fim, é importante comentar que a alteração legislativa não atingiu o artigo 66, I, da Lei 4.591/64, que dispõe sobre as contravenções relativas à economia popular. O dispositivo estabelece a proibição de negociar frações ideais de terreno sem antes satisfazer às exigências constantes da lei.
Aparentemente trata-se de antinomia de regras. No entanto, em análise mais aprofundada, a lei é clara ao estabelecer que o arquivamento do memorial de incorporação é uma exigência vinculada à alienação ou oneração da fração ideal do terreno. Com a nova redação, não há exigência estabelecida na lei a ser satisfeita no momento da celebração da proposta de reserva.
Em suma, por ser recente a alteração legal, o Poder Judiciário ainda não se debruçou sobre o tema, havendo tão somente uma ou outra decisão isolada. Contudo, a regra inserida na lei é cristalina ao possibilitar a negociação de unidades futuras antes do registro do memorial de incorporação no Registro de Imóveis — no caso, mediante a celebração de uma proposta de reserva em benefício do comprador, eis que não o vincula de modo irretratável.
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