Engoliremos mesmo o adicional de CSL?
18 de novembro de 2024, 20h46
O Brasil introduziu, na sua legislação interna, o adicional da CSL (contribuição social sobre o lucro) correspondente ao Qualified Domestic Minimum Top-up Tax (QDMTT), previsto nas regras do Pillar 2 editadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Sabe-se que as regras do Pillar 2 têm como objetivo obrigar as empresas multinacionais (cuja receita consolidada tenha superado 750 milhões de euros em dois dos últimos quatro anos) paguem, no mínimo, 15% de Effective Tax Rate (ETR) nas jurisdições que atuam.
Essas regras seguem o movimento dos países da OCDE para combater a erosão da base tributária, por meio do Projeto Beps OCDE/G20. Após a crise econômica iniciada no final dos anos 2000, os países — sobretudo os europeus — pretenderam reformular o sistema tributário global, não somente para evitar a evasão, mas também a elisão fiscal.
As regras do Pillar 2 foram elaboradas por países europeus para países europeus. Seguramente, os objetivos dos países em desenvolvimento ficaram em segundo plano. Note-se, por exemplo, que o próprio QDMTT somente foi idealizado após a estruturação inicial das regras do Pillar 2 em Income Inclusion Rule (IIR) e Undertaxed Profits Rule (UTPR).
A afirmativa de que os interesses dos países em desenvolvimento ficaram em segundo plano fica mais evidente se levarmos em consideração que a redução da alíquota nominal ou efetiva (por meio da redução da base de cálculo) é instrumento importante para muitos países atraírem investimentos a suas jurisdições, como ocorre com as regiões brasileiras da Sudan e da Sudene.
Concessão de créditos reembolsáveis
Não se desconhece que as regras do Pillar 2 permitem a concessão de créditos reembolsáveis, mas essa permissão se refere apenas aos créditos qualificáveis; a definição se o crédito é, ou não, reembolsável será dada por outro país, que implementou as regras do Pillar 2 e está “faminto” por tributar a renda que, se assim entender, foi subtributada no país da fonte.
A introdução do QDMTT no Brasil pode aumentar a carga fiscal dos grupos multinacionais, conforme se vê no exemplo abaixo, que tem sido muito explorado por Ricardo Galendi em suas exposições.
Nesse exemplo, a tributação (pelo QDMTT) será de 100% do top up tax, enquanto na França (pelo IIR) seria de 60%.
É certo que, em boa parte das situações, haverá mera realocação do top up tax de uma jurisdição para outra. No exemplo acima, se a participação da UPE e do mercado na EC fosse detida por meio de holding localizada em país que introduziu o Pillar 2 (e que detenha 100% de participação na EC), por certo que a tributação seria a mesma ocorrida no Brasil.
Não obstante, o exemplo demonstra que é equivocada a posição das autoridades fiscais brasileiras de que há neutralidade na introdução do QDMTT e que a sua internalização no ordenamento jurídico pátrio não resulta em aumento da carga tributária no grupo multinacional[1].
Introdução do QDMTT
Com a introdução do QDMTT, o Brasil perde a chance de ser voz importante na luta dos países em desenvolvimento contra a introdução de medidas que não são necessariamente adequadas e que violam a soberania dos estados. Os Estados Unidos não implementaram as regras do Pillar 2 e, com a eleição do presidente Donald Trump e de um congresso majoritariamente GOP, não há perspectivas de que irão adotá-las em cenário próximo. A China, da mesma forma.
Sempre me preocupou o discurso de que as regras do Pillar 2 são compatíveis com as legislações internas e com os acordos de bitributação. Em relação ao QDMTT, por exemplo, há, na minha visão, duas incompatibilidades bastante claras: a) inconstitucionalidade pela violação ao princípio da igualdade; b) incompatibilidade com o artigo 24 (5) dos acordos de bitributação assinados pelo Brasil.
A violação a igualdade ocorre porque uma empresa brasileira (A) poderá estar sujeita ao QDMTT apenas por fazer parte de um grupo multinacional que apurou receita consolidada superior a 750 milhões de euros em dois dos últimos quatro anos, enquanto a empresa B, individualmente considerada, que tem o mesmo número de funcionários e ativos, não estará sujeita a esse adicional, eis que não faz parte de um grupo multinacional nesses termos.
Tratamento discriminatório
Não há, no meu entender, critério que justifique o tratamento discriminatório (o fato de o grupo apurar 750 milhões de euros não é critério válido para a distinção, assim como os indivíduos A e B, que recebem a mesma renda, não podem ser tratados de forma distinta apenas porque o pais de A são mais abastados).
Além disso, o QDMTT viola o artigo 24 (5) — que está presente em todos os acordos de bitributação assinados pelo Brasil — porque o critério de discriminação é o detentor do capital ou do controle da empresa investida, localizada no Brasil.
Outro ponto que sempre me intrigou foi a tributação dos lucros de uma filial de uma empresa localizada em um estado contratante (X), por meio da UTPR, por uma empresa irmã dessa filial que possui acordo de bitributação com o Estado X, em clara violação ao artigo 7 (2).
O discurso no sentido de que se o Brasil não tributa, outro país irá tributar, além de ser equivocado em algumas situações, conforme se viu acima, não passa de filigrana que configura clara chantagem para atrair o país ao referido movimento global, mesmo que existam conflitos claros com a Constituição e os acordos de bitributação assinados até então.
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