Centro Hans Kelsen do IDP passa a ter coluna semanal na ConJur
18 de novembro de 2024, 19h38
O Centro Hans Kelsen de Estudos sobre a Jurisdição Constitucional (IDP) [1], dirigido pelo ministro Gilmar Mendes, passa publicar aqui nesta ConJur, toda quarta-feira, a coluna “Conexão Sudamérica”, imbuída de duplo objetivo: apresentar ao público brasileiro o direito que se pratica na América do Sul (bem como de refletir sobre ele); e de tornar evidentes os laços culturais que moldam nossa identidade.
Algum resquício colonialista no plano das mentalidades (manifestado seja em discreto eurocentrismo, seja em calorosos rompantes nacionalistas) podem embaçar nossa visão; mas é fato: esses laços já existem. O momento é propício para os reconhecer.
A América do Sul passa por um momento especial de sua história. Após séculos de exploração colonial, ditaduras militares e guerras internas, os países sul-americanos afirmaram-se como estados constitucionais. A democracia, que, a um só tempo, estrutura politicamente o Estado e conforma a produção do Direito, associa-se com o constitucionalismo para transformar o ideal de bom governo em uma realidade, a saber, a democracia constitucional [2].
Surgida tardiamente na região e constantemente posta à prova, a democracia constitucional dialogou com as várias identidades regionais, do que resultou rico mosaico de desenhos institucionais que em sua complexidade revela e reproduz uma identidade social, política e cultural.
Os condutos que unem o Sul são de vários tipos, muito embora a vertente econômica seja a mais notável. É justificável. Em 1991, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai firmaram o Tratado de Assunção, por meio do qual constituíram o Mercado Comum do Sul (Mercosul), resultado dos processos de concertação promovidos inicialmente entre Brasil e Argentina, no contexto da redemocratização e da reaproximação dos países do Cone Sul na década de 1980.
Posteriormente, Uruguai e Paraguai associaram-se ao movimento — e ao bloco. Atualmente, além dos países fundadores, a Bolívia é “Estado Parte em processo de adesão” e o Chile, o Peru, a Colômbia, o Equador, a Guiana e o Suriname são Estados Associados. A importância estratégica desse movimento de intensificação das relações do Brasil com os países do Cone Sul é inconteste. Basta dizer que a Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil; uma relação comercial que, apenas em 2023, somou mais de de R$ 83 bilhões em exportações e quase R$ 60 bilhões em importações [3].
Embora constitua o aspecto mais palpável do regionalismo sul-americano, erra quem toma a dimensão econômica isoladamente. Todos os estados sul-americanos, à exceção da Venezuela, fazem parte da Organização dos Estados Americanos (OEA); A maioria deles ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), inclusive com aceitação da jurisdição contenciosa da Corte Interamericana de Direito Humanos. Em outra frente, desde 2008 a Unasul tenta servir de modelo para a integração política, científica e cultural entre duas importantes uniões aduaneiras da América do Sul (Mercosul e Comunidade Andina de Nações).
Estado Constitucional
“Conexão Sudamérica” leva na devida conta as dimensões econômica e política do regionalismo sul-americano, e compreende-as como vetores que impelem à integração normativa da região. Uma integração preocupada com o desenvolvimento progressivo da governança democrática, com a efetiva observância aos direitos humanos e fundamentais, enfim: com um poder público limitado e capaz de suprir, com eficácia, as necessidades básicas de seus cidadãos [4]. Em síntese: uma integração normativa que é construída entorno do modelo do Estado Constitucional.
“Conexão Sudamérica” insere-se nesse marco. Basta dizer que a coluna é produto imediato do convênio firmado entre o Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) e a Universidad de Buenos Aires (UBA). Consiste, também, em fruto da amizade. Foi com a mão estendida para a amizade que Raúl Gustavo Ferreyra concretizou um pedido feito por Peter Häberle há trinta anos (e depois reiterado): “você e o Gilmar deveriam se conhecer e trabalhar por uma sociedade aberta” [5].
Pois bem. No contexto de uma “teoria constitucional universal”, como a de Häberle, a abertura pressupõe diálogo. A Constituição, inclusive a brasileira, é mais que um apanhado de regras; ela é, para um povo, “espelho de seu patrimônio cultural e fundamento de suas esperanças” [6]. Que o compromisso com a democracia constitucional alicerce a construção desse canal de diálogo que esta ConJur agora inaugura com “Conexão Sudamérica”.
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[1] https://www.idp.edu.br/centro-hans-kelsen/
[2] HÄBERLE, Peter. El Estado Constitucional. Trad. Hector Fix-Fierro. Cidade do México: UNAM, 2003, pp. 1-2; e FERREYRA, Raúl Gustavo. Fundamentos constitucionales. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Ediar, 2015, p. 13.
[3] O dados são do Observatório de geoeconomia e análise sócio espacial regional UFMS/CPAQ, disponíveis em https://obgeo.ufms.br/nota-sobre-a-atual-relacao-comercial-externa-entre-brasil-e-argentina/#:~:text=importante%20do%20Brasil.-,Em%202023%20participou%20com%204%2C92%25%20do%20total%20nas%20exporta%C3%A7%C3%B5es,.537.000%2C00%20em%20importa%C3%A7%C3%B5es.
[4] CYRILLO, Carolina. Quatro ensaios sobre o constitucionalismo sul-americano. Rio de Janeiro: Núcleo Interamericano de Direitos Humanos, 2024, p. 21.
[5] Laudatio prelecionada pelo Professor Raúl Gustavo Ferreyra, por ocasião da outorga ao Ministro Gilmar Mendes do título de Doutor honoris causa da Universidade de Buenos Aires, em 30 de agosto de 2024.
[6] HÄBERLE, Peter. Libro constitucional, de lectura y de la vida latino-americano. En el contexto de una teoría constitucional universal. Trad. Laura Carugati e Gastón Rossi. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Ediar, 2024, p. 413.
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