PPP na educação: desafios e projeções
17 de novembro de 2024, 8h00
Em junho de 2024, o Governo do Estado de São Paulo lançou licitação para a contratação de uma Parceria Público-Privada (PPP) destinada à construção, manutenção, conservação e gestão de serviços não pedagógicos em 33 escolas estaduais de ensino fundamental e médio. A contratação foi dividida em dois lotes, objetivando a concessão administrativa para construção e gestão dessas unidades a empresas privadas por 25 anos.
O processo, entretanto, enfrentou forte oposição. No dia 29 de outubro de 2024, data marcada para o leilão de um dos lotes, o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) ajuizou uma Ação Civil Pública, alegando que a iniciativa configuraria “quarteirização” indevida de funções públicas essenciais. A medida resultou na suspensão liminar do certame pelo juiz de primeiro grau, sob o argumento de que a gestão escolar privada ameaçaria o princípio da gestão democrática e comprometeria a participação de atores chave da comunidade escolar. O impasse prosseguiu com a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo recorrendo da decisão, com posterior decisão do TJ-SP sobre a continuidade da licitação.
Do breve relato acima, percebe-se que, novamente, o Judiciário foi provocado a intervir no andamento de contratações públicas, refletindo o crescente e já conhecido fenômeno da judicialização de parcerias com a Administração no Brasil. Não se questiona aqui a competência constitucional do Judiciário para analisar e frear eventuais ilegalidades cometidas por entes públicos. Contudo, é importante pontuar que essa ferramenta é frequentemente utilizada com o real intuito de inviabilizar a aplicação de políticas públicas planejadas pela Administração Pública.
A constante judicialização e o deferimento de medidas liminares sem o devido aprofundamento meritório da causa, a despeito da regularidade do processo administrativo para contratação pública — incluindo o atendimento aos requisitos legais de elaboração de estudos técnicos pertinentes, realização de audiência pública, manutenção dos documentos em consulta pública para recebimento de contribuições da sociedade e interessados, e detalhamento dos atos processuais e contratuais —, geram grande insegurança jurídica tanto do ponto de vista do parceiro privado quanto do Poder Público licitante, prejudicando diversos setores, mas, sobretudo, o cidadão, que é o real destinatário da política pública.
Confusão
Voltando ao caso da PPP de novas escolas de São Paulo, nota-se a antiga e, por vezes, proposital confusão conceitual entre os instrumentos da “concessão administrativa” e da “privatização”. O primeiro, como se sabe, mantém os serviços concedidos sob a titularidade da administração pública licitante – o chamado Poder Concedente nesses contratos administrativos – e não envolve qualquer cobrança de tarifa dos usuários, como se depreende do artigo 2º, § 2º, da Lei Federal 11.079/04, que rege as PPPs. Além disso, ao final do prazo contratual, os ativos retornam à posse do poder público, que dará continuidade às operações, seja por execução direta, seja por meio de outra empresa, neste caso mediante novo processo licitatório. A legislação ainda impõe uma série de obrigações a serem cumpridas pelo parceiro privado a fim de garantir a devida execução dos serviços concedidos e a satisfação de seus usuários. E, o mais importante: toda a execução contratual se dá sob a ativa fiscalização do poder concedente.
No caso em tela, serão transferidos os serviços não pedagógicos ao parceiro privado, como já ocorre atualmente por meio de contratos administrativos dispersos, a exemplo de serviços de limpeza, vigilância e manutenção predial, mantendo-se os serviços pedagógicos integralmente sob a responsabilidade estatal. Não há que se falar, portanto, em “terceirização” ou “quarteirização” de atividades essenciais na prestação de serviços públicos de educação básica. Essa discussão rasa e errônea, que coloca os contratos de parceria sob o mesmo manto da privatização, desconsidera todo o processo de planejamento e estruturação de políticas públicas inerentes ao Poder Executivo, bem como a modelagem e o procedimento licitatório necessários para sua efetivação.
O instrumento jurídico da PPP, que decorre de exitosos modelos internacionais, conforme manifestado no Projeto de Lei nº 2546/03 [1], que deu origem à Lei Federal nº 11.079/04, objetiva alinhar os interesses públicos à eficiência e à facilidade mercadológica em realizar investimentos e operar ativos de infraestrutura. Esse modelo já vinha sendo aplicado com sucesso em outros ativos nacionais.
Ferramenta importante
Por outro lado, após 20 anos da edição da Lei Federal nº 11.079/04, observam-se diversos exemplos de sucesso na utilização de PPPs, especialmente sob a modalidade de concessão administrativa, nos setores de infraestrutura social, como educação, saúde e sistema prisional. No setor educacional, a experiência de maior relevância até o momento é a da PPP para a realização de obras e serviços de engenharia, bem como a prestação de serviços de apoio e não pedagógicos, em Unidades de Ensino da Rede Municipal de Educação Básica do Município de Belo Horizonte [2], em execução desde 2013.
Em um recente estudo [3] realizado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), constatou-se que, para além do atendimento às formalidades legais da licitação e execução contratual, não houve qualquer prejuízo aos aspectos didático-pedagógicos, visto que sua gestão continuou sob a responsabilidade da Administração Municipal da capital mineira [4]. Adicionalmente, têm sido licitados diversos projetos de PPPs na área da educação, como o projeto para a requalificação e conservação de unidades educacionais da DRE São Mateus, na cidade de São Paulo. Além disso, o governo paulista está estruturando uma PPP que envolve a revitalização de cerca de 140 escolas estaduais
Conclui-se que as concessões administrativas utilizadas na educação básica, desde que bem estruturadas e regularmente licitadas, são uma importante ferramenta para a efetivação das políticas públicas educacionais, ainda que envolvam apenas a concessão de serviços não pedagógicos, pois garantem infraestrutura de qualidade aos alunos e permitem que os profissionais da educação concentrem-se no desenvolvimento de assuntos pedagógicos. Assim, eventuais decisões judiciais teratológicas, que não considerem os aspectos jurídicos e práticos da implantação de PPPs nas políticas públicas envolvidas, causam grande prejuízo à qualidade dos serviços públicos e devem sempre ser contrapostas ao impacto negativo de seus efeitos.
[1] Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=144047
[2] Informações em: https://prefeitura.pbh.gov.br/transparencia/acoes-e-programas/parcerias-publico-privadas/educacao
[3] SADDY, André; SANTACRUZ; Ruy; ARAðJO, Flávia. PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA NA ÁREA EDUCACIONAL: análises e reflexões sobre a ppp educacional de belo horizonte e dos demais projetos em andamento no país. Rio de Janeiro: Centro Para Estudos Empírico-Jurídicos, 2024.
[4] Estudo sobre Parceria Público-Privada revela eficácia para ampliação do acesso à Educação Infantil: Resultados apontam para a viabilidade e recomendação de adoção de PPPs pelas prefeituras para lidar com a crescente demanda no ensino fundamental, 2024. Disponível em: https://www.uff.br/14-05-2024/estudo-sobre-parceria-publico-privada-revela-eficacia-para-ampliacao-do-acesso-a-educacao-
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!