ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS

Postura indecisa sobre política de drogas fortalece facções, diz procurador

 

17 de novembro de 2024, 14h31

O Brasil trata o tráfico de drogas de forma paradoxal. Em determinado momento, a pena para esse tipo de crime é aumentada, e em outro diminuída. O consumo é facilitado em um momento, e dificultado depois. Essa postura indecisa colabora com o poder de facções criminosas, que tem no tráfico a sua principal fonte de renda. 

Essa é a opinião do procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo Marcio Sergio Christino, autor do livro “Laços de sangue: A história secreta do PCC”. Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, o especialista criticou a política de drogas do país e também comentou o assassinato do empresário e delator Antonio Vinícius Lopes Gritzbach no aeroporto internacional de Guarulhos (SP). 

“O Brasil tem um tratamento esquizofrênico em relação ao tráfico. Ora aumenta a pena, depois põe critério para diminuir. Ora facilita o consumo, ora não. Essas ações pontuais são executadas porque prejudicam os negócios. Mas o exercício da ação criminosa não é o assassinato. O que eles querem é traficar. Então, se quer atacar esse nicho do crime organizado é preciso atacar o tráfico, porque é a fonte de
renda, tudo gira em torno disso”, diz o procurador.

Gritzbach, antes de ser assassinado, firmou acordo de delação premiada com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MP-SP, e teria relatado crimes cometidos por policiais, conforme reportado pela TV Globo na última semana. Ele já habitava o noticiário policial há mais de um ano por conta de suposto envolvimento com o crime organizado. 

Homem que delatou esquema de lavagem de dinheiro do PCC foi assassinado em aeroporto

Homem que delatou esquema de lavagem de dinheiro do PCC foi assassinado em aeroporto de Guarulhos

“Ele estava sendo cobrado. E qual foi sua reação? Foi uma coisa inédita. Vinícius é acusado de mandar matar o traficante do qual tinha pegado dinheiro. Ou seja, uma aposta. Ao mesmo tempo, ele se envolve com a polícia, e acusa justamente os policiais que o identificaram como mandantes desse homicídio”, afirmou, ao comparar a atitude do delator com um jogador de pôquer.

Para o procurador, a vítima do aeroporto de Guarulhos “apostou alto” e “pegou a mão errada”, fazendo analogia ao jogo de cartas. 

Segundo Christino, o tráfico de drogas atualmente conta com uma estrutura empresarial, de modo que o traficante ligado ao PCC é um empregado, não um autônomo. Desse modo, ele é facilmente substituído. “O tráfico não é uma atividade individual, é empresarial e tem de ser entendido como tal. É preciso desenvolver uma nova forma de repressão para que se possa ter um resultado”, diz.

Máfia e delação

O procurador acredita que o assassinato do delator não irá fragilizar o instrumento da delação premiada. Para justificar sua posição ele cita o exemplo dos Estados Unidos, o país mais bem sucedido do mundo no enfrentamento a organizações criminosas que se vale do instrumento.

“Os EUA são o país mais bem sucedido no combate ao crime organizado no mundo, especialmente contra as máfias. O grande núcleo do avanço americano foi o mecanismo das delações premiadas. É usado no mundo inteiro e não é no Brasil que vai se mostrar incapaz. E há uma forma de abordar a delação que é sempre a seguinte: ouvir, você ouve sempre; acreditar, nem tanto. A delação é meio de prova. Não basta delatar. Tem de fazer a confirmação através de outros dados. Então, eu duvido que esse instituto da delação sofra arranhões.”

Por fim, ele descarta a ideia de que o PCC possa vir a ser uma ameaça ao Estado. “Se você for comparar o PCC com a máfia Cosa Nostra (na Itália), a diferença é muito grande, porque a Cosa Nostra surgiu junto com o Estado italiano. A máfia italiana já existia quando Deodoro da Fonseca estava proclamando a República (no Brasil). O bisavô do Marcola (do PCC) ainda nem tinha nascido, e a máfia já matava na Sicília. É diferente”.

“O Estado brasileiro já está constituído. O PCC não pode crescer para tomar esse Estado. O Brasil não tem Farc, não tem Pablo Escobar”, conclui.

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