Segunda Leitura

Estudantes de Direito, estágios e o futuro advogado

Autor

  • é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

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17 de novembro de 2024, 8h00

É difícil falar genericamente sobre estudantes de Direito, uma vez que a existência de 1.896 cursos no Brasil, com enormes diferenças de qualidade e com estudantes de origens, cultura e ambições diversas, impossibilita uma visão única.

Os cursos das faculdades privadas têm mensalidades que podem ir de R$ 400 [1] a R$ 7.300 [2] Mas, antes de tirar-se uma média do interesse e possibilidades dos estudantes de Direito, é preciso registrar que, apesar das diferenças na origem, uma formação privilegiada não significa sucesso, significa apenas uma vantagem. Muitas vezes ela resulta em uma personalidade acomodada de quem tudo recebeu sem esforço, o que mais atrapalha do que ajuda.

O estágio durante o curso de graduação é um bom suporte para o sucesso. Mas não é o único. Ele deve vir acompanhado de estudos, dedicação, cumprimento de compromissos assumidos e inteligência emocional. Os que se recusam a assumir tais deveres assumem o risco de uma vida de frustrações e dificuldades econômicas. Cada um traça o seu destino.

A importância do estágio

Independentemente da origem e do curso de Direito, não acredito que alguém possa discutir a biopirataria, patentes e a apropriação de conhecimentos de populações tradicionais da Amazônia sem ter, pelo menos, passado uma temporada de trinta ou mais dias em uma comunidade no interior daquela região.

É dizer, o conhecimento do mundo real é requisito prévio para a compreensão da matéria, quando regulada pelo Direito. Por isso mesmo, o estágio deve ser bem escolhido, com atenção maior ao aprendizado que proporcionará do que à remuneração mensal.

Para ter-se uma visão ampla das oportunidades de um estagiário,  vale a pena acessar o YouTube, que tem exposição minuciosa e completa sobre possibilidade de estágios em áreas pouco conhecidas [3].

Como escolher o local de estágio?

O primeiro passo é saber qual área profissional lhe atrai e, a partir disto, escolher o estágio. Não é fácil, com 18 ou 20 anos, saber a que se dedicar depois de graduado. Mas, pelo menos um, dois ou até três ramos do Direito podem ser mais atraentes. Invista-se, pois, neles. Sempre com atenção às facilidades que a vida proporciona. Exemplo, a um jovem do Rio de Janeiro, cidade onde se cultiva a prática de esportes, pode ser bem mais fácil o Direito Esportivo do que a um estudante de Uruguaiana (RS). Todavia, a este pode ser que uma atividade internacional, em âmbito sul-americano, ofereça mais oportunidades do que ao estudante carioca.

Dos colegas da Faculdade, talvez não venham bons conselhos. São jovens, parte deles não está preocupada com a vida adulta, crendo firmemente que nunca envelhecerá. Outros, de experiência de vida têm apenas as idas ao shopping, uma viagem a Disneyworld ou – o que é pior – horas dedicadas ao celular. O bom conselho deve vir de quem tem experiência, amizade sincera e disposição de ajudar. Um irmão mais velho, a tia, o pai, a mãe, o padrinho, algo por aí.

Spacca

Porém, às vezes ninguém da família é do ramo. Talvez sejam de origem humilde, com boa vontade, porém sem vivência no mundo jurídico. Ou então são todos engenheiros e, de Direito, só possuem a convicção de que seus praticantes conseguem transformar a soma de 2 mais 2 em 5. Neste caso, há que se pedir auxílio a um professor do curso de Direito. Sei que nem todos têm boa vontade. Mas sei também que há os dispostos a ajudar um jovem bem-intencionado e indeciso quanto ao seu futuro. É procurar, insistir até achar.

As oportunidades profissionais e os melhores estágios

Por óbvio, abrir um escritório com o colega de classe e fazer uma advocacia sem foco é uma receita do passado. Não funciona. A única saída aos que não herdam uma banca consolidada é encontrar uma área nova, pouco disputada e com boas chances de sucesso. E os estágios, evidentemente, já serão direcionados para tal atividade. Vejamos o que se oferece no momento.

  1. Direito Imobiliário e Condominial. O Brasil está com a maioria da população nas cidades e, com ou sem desenvolvimento econômico, ela cresce ou vive mais. As pessoas optam por condomínios verticais ou horizontais. Desde a regularização de áreas para serem loteadas (foco imobiliário) até a convivência em condomínios, há um vasto espaço de atuação para advogados. Mas é preciso preparar-se para isto. Estagiar nas Varas de Registros Públicos, cartórios do foro extrajudicial, conselho de corretores de imóveis (Creci), associações de condôminos, é uma excelente forma de ter base de conhecimentos específicos.
  2. Direito Médico. Aqui não me refiro ao Direito da Saúde, de grande relevância, mas com o mercado já saturado. Menciono o Direito que envolve as relações médico-paciente, o acordo de vontades, a ética nos procedimentos e, inclusive, a orientação de Diretivas Antecipadas de Vontade, tema sobre o qual já escrevi [4]. Quem pretenda dedicar-se a tal área deve direcionar seus estágios aos conselhos regionais de medicina. Não há varas especializadas, mas um estágio em Câmara Cível em um TJ, que julgue ações indenizatórias, pode ser de grande utilidade. Por exemplo, no TJ-PR cabe à 8ª, 9ª e 10ª Câmaras Cíveis julgar ações de responsabilidade civil (artigo 90, inciso IV, “a”, do Reg. Interno). Eis um bom lugar.
  3. Direito Eleitoral. Não se trata de advocacia de negociação, ainda que em determinados momentos ela possa surgir, mas sim de acirradas disputas judiciais. As eleições a cada dois anos, a existência de dezenas de partidos com verbas vultosas e os múltiplos interesses que envolvem a disputa pelo poder, tornam rendosa esta modalidade de especialização. Absolutamente imprescindível, no caso, estágio em zonas eleitorais e em um TRE, adquirindo noções processuais com seus ritos próprios, onde atos administrativos chegam a importar mais do que a lei.
  4. Direito do Agronegócio. Não há exatamente um subgrupo com este título, mas ele pode incluir o diversificado número de negócios e atividades que permeiam atividades agrícolas no Brasil. Para ingressar neste poderoso mundo econômico, que dá equilíbrio à balança comercial do país, é preciso ter boas noções de Direito Empresarial (contratos e crédito rural), Tributário, Cooperativas e Ambiental, este na vertente do pagamento por serviços ambientais (v.g., recuperação de áreas e crédito de carbono). Estágios em cooperativas podem ser de grande utilidade.
  5. Direito Portuário. O comércio internacional agigantou-se nos últimos anos, portos e aeroportos recebem vultosa quantidade de containers. Estima-se que 20.000 caminhões por dia acessem o porto de Santos. Poucos conhecem as atividades de um porto, que vão de contratos especiais de trabalho à existência de guardas portuárias. Imaginem-se, por exemplo, as exigências para um porto obter licença ambiental para a dragagem do canal. Pois bem, para atuar nesta área, onde altos valores são a regra, é preciso entender como funcionam seus diversos setores. Assim, estágios em seus diversos órgãos são essenciais, entre eles as Capitanias dos Portos, competentes para impor penalidades por infrações cometidas, a Subsecretaria de Administração Aduaneira da Receita Federal e a Companhia Docas. A passagem posterior por um escritório especializado é requisito básico.
  6. Direito Eletrônico. Qualquer jovem manobra com facilidade aparelhos eletrônicos. Ao contrário do que pensam os pais, isto não lhes dá nenhuma vantagem especial no mercado de trabalho. Para que isto se traduza em um aporte de interesse, permitindo o exercício de uma advocacia especializada, é preciso ir além. É necessário saber quais são e como resolver as dificuldades dos que se dedicam à indústria e ao comércio de eletrônicos. Para tanto, um estágio em uma empresa que crie softwares pode ser de grande ajuda. Evidentemente, por não ser da área de criação de programas, o estudante de Direito terá que fazer parte de uma atividade administrativa ou do departamento jurídico. Neles estará a ver e a ouvir todo o tempo comentários a respeito dos conflitos de atores da área, introduzindo-se no assunto.
  7. Direito Empresarial. Este é um ramo destinado a alunos bem preparados. As oportunidades são muitas, porém não para todos. O conhecimento do inglês é obrigatório. A faculdade deve ter nível elevado, professores com visão internacional. Conhecimento de economia é obrigatório, pois na atividade profissional sempre estará em jogo o custo-benefício. Os estágios podem ser feitos em escritórios de advocacia da área e no setor jurídico de grandes empresas. Estas contratam estagiários sem distinção do período em que se encontram, remuneram bem e a seleção é em um grande grupo de várias áreas, sendo o Direito apenas uma delas. Em órgãos públicos, o estágio só valerá a pena se for em local relacionado com a matéria, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A FGV mantém um sistema de aproximação entre alunos e empresas, na “Feira de Estágios” que realiza anualmente [5].

Outros tantos ramos do Direito estão disponíveis aos novos formandos. Direito esportivo, indígena, recuperação judicial, restruturação de dívida e falência, justiça restaurativa, idosos, compliance (um pouco enfraquecido pela diminuição no combate à corrupção) e os mais tradicionais como família, criminal e previdenciário (apesar do mercado saturado).

Conclusão

Aos que se dispõem a lutar, apesar da elevada concorrência, há meio de conseguir um lugar ao sol.


[1] Neon. Quanto custa uma faculdade de Direito? Quanto tempo leva? Disponível em: https://neon.com.br/aprenda/financas-pessoais/quanto-custa-uma-faculdade-de-direito/. Acesso em 13 nov. 2024.

[2] Inside University. As 5 faculdades de Direito mais caras do Brasil em 2024. Faculdade de Direito da Insper em São Paulo.  Disponível em: https://insideuniversity.com.br/as-5-faculdades-de-direito-mais-caras-do-brasil-em-2024/#:~:text=A%20mensalidade%20do%20curso%20de%20Direito%20no%20Insper%20em%20S%C3%A3o,R%247.300%2C00%20por%20m%C3%AAs.. Acesso em 13 nov. 2024.

[3] You Tube. Estagiário Senior – Camila Foz. Estágio em Direito – Onde Estão as Melhores Vagas e Como Ser Aprovado. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OVzxkcp2s2A. Acesso em 15 nov. 2025.

[4] FREITAS, Vladimir Passos de. As diretivas antecipadas e o sofrimento nas doenças incuráveis

Revista eletrônica Consultor Jurídico. Disponível em: . Revista eletrônica Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-abr-01/segunda-leitura-diretivas-antecipadas-sofrimento-doencas-incuraveis/. Acesso em 13 nov. 2024.

[5] FGV Direito SP. Participação de empregadores na Feira de Estágios FGV Direito SP

Disponível em: https://direitosp.fgv.br/participacao-empregadores-na-feira-estagios-fgv-direito-sp. Acesso em 14 nov. 2024.

Autores

  • é professor de Direito Ambiental e Sustentabilidade; pós-doutor pela FSP/USP, mestre e doutor em Direito pela UFPR; desembargador federal aposentado, ex-presidente do TRF-4. Foi Secretário Nacional de Justiça, Promotor de Justiça em SP e PR, presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e do Ibrajus ( Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário).

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