Competência da OAB para fiscalizar escritorios de advocacia em suas relações com advogados
17 de novembro de 2024, 11h17
Um fato vem sendo indevidamente explorado, a partir de premissa equivocada e distorções fáticas, talvez pelo calor da campanha na eleição para a diretoria e composição do conselho seccional da OAB-RJ. Trata-se de uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho contra um escritório de advocacia, na qual se pretende o reconhecimento de vínculo da totalidade dos advogados que participam das atividades profissionais inseridos no quadro societário do escritório, sem apurar as peculiaridades individuais da atuação de cada advogado.
A questão, porém, merece ser analisada sob o aspecto da legalidade, e não da distorção política, como vem sendo abordado com um quê de desconhecimento da Lei e um quê de oportunismo eleitoreiro.
É afirmado incorretamente que teria a OAB-RJ ingressado na Ação Civil Pública como amicus curiae contra um advogado. Na realidade, atua a Ordem dos Advogados do Brasil em defesa de sua prerrogativa exclusiva de fiscalização das relações havidas entre escritórios de advocacia e advocados sócios e associados, objetivando tão somente a manutenção dos ditames da legislação.
Aos fatos e seu enquadramento legal.
Da competência fiscalizatória do conselho federal da OAB
A Lei Federal 14.365/2022i alterou o Estatuto da Advocacia, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal a fim de incluir, entre outras importantes conquistas da categoria, disposições relativas à competência de fiscalização do exercício da profissão.
A despeito de já existir previsão legal neste sentido, as alterações trazidas pela referida lei ratificam de forma objetiva a competência exclusiva da Ordem dos Advogados do Brasil para fiscalizar, analisar e decidir sobre questões relativas à prestação efetiva do serviço jurídico e sobre honorários advocatícios decorrentes da referida prestação de serviços, conforme §§14 e 15 do artigo 7º do Estatuto da Advocacia e da OAB ii.
A Lei 8.906/94 ii, com as alterações trazidas pela Lei 14.365/2022, também passou a prever no §16 do artigo 7º a nulidade do ato praticado com violação à competência privativa do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil prevista no §14 do mesmo artigo.
O ponto focal do presente artigo, porém, apresenta-se no §10 do artigo 15 do Estatuto da Advocacia e da OAB, incluído pela Lei Federal 14.365/2022.
Conforme o referido diploma legal, é de competência do Conselho Federal da Ordem dos advogados do Brasil “o acompanhamento e a definição de parâmetros e de diretrizes da relação jurídica mantida entre advogados e sociedades de advogados ou entre escritório de advogados sócios e advogado associado, inclusive no que se refere ao cumprimento dos requisitos norteadores da associação sem vínculo empregatício” ii.
O que diz a jurisprudência
O Supremo Tribunal Federal, inclusive, decide reiteradamente no sentido de reconhecer a competência exclusiva do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil para fiscalização da relações jurídicas supramencionadas.
No julgamento da Reclamação Constitucional 70.700/SP, de relatoria do i. ministro Flavio Dino, é afirmado que “a fiscalização, o acompanhamento e a definição dos parâmetros e diretrizes da relação jurídica mantida entre advogados e sociedades de advogados ou entre escritório de advogados sócios e advogado associado, inclusive no que se refere ao cumprimento dos requisitos norteadores da associação sem vínculo empregatício, são realizados pelo Conselho Federal da OAB (art. 15, § 10, c/c art. 54, XIX, da Lei nº 8.906/1994), com possibilidade de a fiscalização ser atribuída aos conselhos seccionais por designação expressa do CFOAB” iii.
No mesmo diapasão o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação Constitucional 60.118/RJ de relatoria do i. ministro André Mendonça, afirma ter o então reclamante razão ao afirmar que “de acordo com art. 15, § 10, art. 54, inc. XIX23, art. 58, inciso XVII24 do Estatuto da Advocacia da OAB, atribuiu-se ao Conselho Federal e, por designação deste, aos Conselhos Seccionais, a competência para a fiscalização, o acompanhamento e a definição de parâmetros e diretrizes da relação jurídica” entre sociedade de advogados e advogados associados, bem como que “a Justiça do Trabalho nunca poderia discutir a validade da referida forma de contratação” iv.
Os julgados mencionados vão ao encontro a uma miríade de decisões consoantes, citando como breves exemplos as Rcl 66.985/RJ v, de relatoria do ministro Flavio Dino, e Reclamação 61.337/RJ vi de relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
Legitimidade de sobra
Vimos, pela letra da lei e pela jurisprudência praticamente consolidada dos tribunais superiores, que sobra à OAB legitimidade competência para fiscalizar e ordenar relações havidas entre advogados e escritórios de advocacia, nos moldes definidos pela Lei.
Sendo matéria que cuida da especificidade da categoria dos advogados, diferenciada exatamente pela autonomia decorrente da própria natureza da advocacia e pelo conhecimento legal que cada advogado e advogada possuem, podendo definir, sopesar e decidir qual o tipo de relação desejam em uma prestação de serviços a um escritório de advocacia, a obrigação que o MPT vem pretendendo impor a um universo de advogados que conhecem seus direitos e possuem instrumentos legais que os façam valer, requer, sem sombra de dúvidas, a interveniência da OAB, que tem a prerrogativa/dever de exercer a fiscalização e aplicar punições em casos de desvios e descumprimentos na aplicação da lei que define essas relações.
Para que se restitua a verdade, no caso concreto, a OAB não defendeu um escritório de advocacia em ação contra um advogado específico. Ao contrário, requereu o ingresso em uma ação civil pública na qual o MPT pretendia o reconhecimento de vínculo de emprego a um universo de advogados que não necessitam de sua tutela e não foram sequer consultados sobre suas condições de trabalho e suas opções ao definir a natureza de suas relações, se de associados ou de empregados.
De se notar que o direito de ação constitucional pode, e deve, ser exercido individualmente por cada advogado que entenda haver fraude em sua relação contratual, observando-se o devido processo legal e as provas necessárias da comprovação da relação de emprego, com o preenchimento dos requisitos previstos no artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho vii.
O direito, in casu, é personalíssimo, individual e dois advogados que trabalhem lado a lado podem ter condições de trabalho diversas, em que uma caracteriza a relação de emprego e outra não.
Por vários e diversificados motivos, como vimos anteriormente, mais do que ter a competência e a legitimidade para requerer seu ingresso como amicus curiae em ações desse tipo, a Ordem dos Advogados do Brasil tem o dever de interceder em pedido tão amplo como aquele que foi objeto da ação civil pública em questão.
O apelo que uma afirmação inverídica como a que está sendo veiculada, de que a Seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil teria “defendido” um escritório de advocacia em uma ação movida por um advogado específico, não resiste sequer à premissa: trata-se, aqui, de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho, na qual este afirma que defende direitos coletivos difusos, quando na verdade se tratam de direitos individuais heterogêneos.
Não há direito defendido individualmente na referida ação, pois se pretende o reconhecimento da relação de emprego de todos os associados de determinado escritório, independentemente da verificação do trabalho individual de cada advogado. O que o MPT entende como direitos coletivos, são direitos individuais heterogêneos, e, se tratando da aplicação do artigo 15, § 10, artigo 54, inciso XIX, artigo 58, inciso XVII do Estatuto da Advocacia da OAB, é não só legítimo, mas obrigatório, que a OAB interceda nesses processos.
Fraudes e distorções indesejadas serão sempre combatidas firmemente pela OAB, a quem a lei concedeu o poder de fiscalização e arguições de relação individual de emprego decorrente destas, devem ser pleiteadas via processo judicial específico, pelos titulares do direito, se assim o pretender.
Para finalizar, o entendimento aqui exposto é que é prerrogativa e competência exclusiva da OAB a fiscalização sobre a adequação das relações de trabalho dos advogados associados, como expressamente determina a redação atual do §10 do artigo 15 do Estatuto da Advocacia e da OABii.
Em consequência lógica, defende-se a legitimidade da Ordem dos Advogados do Brasil para requerer seu ingresso em ações civis públicas dessa natureza, na intransigente defesa de suas competências e prerrogativas.
i BRASIL. Lei nº 14365, de 2 de junho de 2022. Lei nº 14.365 de 02/06/2022. Diário Oficial da União, 3 jun. 2022. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/norma/35924693. Acesso em: 13 nov. 2024.
ii BRASIL. Lei nº 8906, de 4 de julho de 1994. Lei nº 8.906 de 04/07/1994. Diário Oficial da União, 5 jul. 1994. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/norma/550782. Acesso em: 13 nov. 2024.
iii SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL (RECL) 70.700/SP. Relator: Min. Flávio Dino.
Julgamento em 19 de agosto de 2024. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 21 de agosto de 2024. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/. Acesso em: 13/11/2024
iv SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL (RECL) 60.118/RJ. Relator: Min. André
Mendonça. Julgamento em 08 de setembro de 2023. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 11 de setembro de 2023. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/. Acesso em: 13/11/2024
v SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL (RECL) 66.985/RJ. Relator: Min. Flávio Dino.
Julgamento em 11 de abril de 2024. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 15 de abril de 2024. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/. Acesso em: 13/11/2024
vi SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL (RECL) 61.337/RJ. Relator: Min. Alexandre de
Moraes. Julgamento em 01 de agosto de 2023. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 07/08/2023. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/. Acesso em: 13/11/2024
vii BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Decreto-Lei nº 5.452 de 01/05/1943. Diário Oficial da União, 9 ago. 1943. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/norma/530547. Acesso em: 13 nov. 2024.
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