Regulamentação da reforma tributária: novidades do front
16 de novembro de 2024, 6h30
As últimas semanas foram marcadas por avanços na regulamentação da reforma tributária da Emenda Constitucional nº 132/2023 (EC 132), seja pela aprovação do Projeto de Lei Complementar nº 108/2024 (PLP 108) pela Câmara dos Deputados, seja pela apresentação de relevantes emendas ao PLP 68, a serem analisadas pela CCJ do Senado.
Grosso modo, o PLP 68 trata das regras de incidência do imposto e da contribuição sobre bens e serviços (IBS/CBS), além do imposto seletivo (IS). Tais regras foram votadas pela Câmara dos Deputados em julho desde ano, sob a expectativa da serem confirmadas no Senado até o final de 2024.
O PLP 108, por sua vez, concentra-se no Comitê Gestor do IBS (CG-IBS), no processo administrativo tributário relativo a esse imposto e na repartição da sua arrecadação, além de tratar de regras de transição para o novo sistema de tributação do consumo. O projeto inclui, ainda, normas gerais para a incidência do ITCMD, inclusive prevendo a cobrança de alíquotas progressivas, tudo isso à luz das alterações a respeito desse imposto trazidas pela EC 132.
Vejamos, mais detalhadamente, o status atual de cada um desses projetos no atual momento.
Redação final do PLP 108
Nos artigos 1º a 50, o PLP 108 cuida da instituição do CG-IBS, entidade que terá por competência principal definir as diretrizes e coordenar a atuação, de forma integrada, das administrações tributárias e das Procuradorias dos estados, do Distrito Federal e dos municípios para a arrecadação do IBS, incluindo-se aí, dentre outras atribuições:
- editar regulamento único e uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação relativa ao IBS, inclusive em harmonia com as regras relativas à CBS, padronizando regimes especiais de fiscalização e avaliando quinquenalmente a eficácia e efetividade dos regimes aduaneiros especiais existentes;
- arrecadar o imposto, efetuar compensações, realizar retenções e distribuir o produto da sua arrecadação, podendo compartilhar informações com os órgãos federais de arrecadação da CBS, exercer a gestão compartilhada do resultado das fiscalizações relativas aos dois tributos;
- coordenar as atividades de fiscalização e cobrança do IBS entre as administrações tributárias estaduais, distrital e municipais, incluindo a cobrança judicial e extrajudicial do crédito tributário do imposto;
- decidir o contencioso administrativo pertinente ao novo tributo, podendo adotar métodos de solução adequada de conflitos relativos ao IBS entre os entes federativos e os sujeitos passivos;
- elaborar a metodologia e o cálculo da alíquota de referência do IBS e, em conjunto com a Secretaria da Receita Federal, propor metodologia para o cálculo das alíquotas do IBS e da CBS para os regimes específicos previstos na Constituição; e
- gerir os aspectos operacionais da devolução do IBS pelo sistema de cashback, além de instituir programas e ações de incentivo à cidadania e à educação fiscal.
O CG-IBS será composto por: (1) um Conselho Superior, responsável pelas principais medidas de harmonização da legislação relativa ao IBS, dentre elas aprovar o regulamento único e as metodologias de cálculo das alíquotas do imposto; (2) uma Diretoria Executiva, órgão encarregado do planejamento, da coordenação e da supervisão das atividades do CG-IBS; (3) uma Secretaria-Geral, responsável pelo apoio técnico-administrativo do Conselho Gestor; (4) uma Assessoria de Relações Institucionais e Interfederativas, a quem caberão atividades de ouvidoria e comunicação institucional do CG-IBS com estados, Distrito Federal, municípios e com os contribuintes; (5) uma Corregedoria, encarregada da orientação, apuração e correição disciplinar dos servidores e empregados públicos do CG-IBS; e (6) uma Auditora Interna, responsável pelo controle interno do Conselho, incluindo a fiscalização da sua administração.
No artigo 51 a 60, o projeto institui infrações, penalidades e encargos moratórios relativos ao IBS: (1) multa geral de 75% pela falta de pagamento do imposto ou pelo creditamento indevido; (2) os juros de mora serão calculados pela taxa Selic, mais 1% no mês do pagamento do débito; e (3) multa de mora de 0,33% ao dia, limitada a 20% sobre o valor do imposto não pago no seu vencimento. Muitas das multas pelo descumprimento de obrigações acessórias serão baseadas no valor da Unidade Padrão Fiscal do IBS, prevista no artigo 55 e cujo valor deverá ser atualizado mensalmente pelo IPCA ou por outro índice que o substituir.
O artigo 56, vale anotar, estabelece regra contrária à aplicação ao IBS do princípio da consunção, segundo o qual a infração-fim absorve a pena imposta para a infração-meio. Diz que expressamente que “as penalidades serão cumulativas quando resultarem concomitantemente do não cumprimento de obrigação tributária acessória e principal”.
As normas pertinentes ao processo administrativo tributário relativo ao IBS estão previstas nos artigos 66 a 119, segundo os quais esse tipo de litígio deverá ser conduzido com base nos princípios da simplicidade, verdade material, ampla defesa, contraditório, publicidade, transparência, lealdade e boa-fé, motivação, oficialidade, cooperação, eficiência, formalismo moderado, razoável duração do processo, segurança jurídica, devido processo legal e celeridade. O processo tramitará, grosso modo: (1) em primeira instância, perante o órgão de julgamento instituído por cada unidade federativa estadual ou distrital, a quem caberá decidir sobre a impugnação oposta pelo sujeito passivo contra o lançamento de ofício do IBS; (2) em segunda instância, junto a Câmaras de Julgamento virtuais instituídas pelo CG-IBS e compostas por representantes de Estados, Municípios e Distrito Federal, a quem caberá julgar o recurso voluntário ou de ofício interposto contra a decisão de primeiro grau; e, finalmente, (3) em instância de uniformização de jurisprudência, de competência da Câmara Superior do IBS, a quem caberá julgar recuso de uniformização, incidente de uniformização, pedido de retificação ou editar provimento vinculante sobre o IBS.
Comitê de Harmonização e ITCMD
Além disso, o PLP 108 prevê a criação de um Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias, para alinhar a jurisprudência administrativa do IBS com a jurisprudência gerada com relação a temas controvertidos pertinentes à CBS, uma vez que ambos os tributos deverão observar uma série de regras comuns com relação aos principais aspectos das suas incidências.
Os artigos 120 a 147 cuidam da distribuição e da destinação do produto da arrecadação do IBS, enquanto que os artigos 148 a 162 tratam da homologação e do uso do saldo credor do ICMS após a transição do sistema atual para a incidência plena do IBS, com extinção daquele imposto estadual em 31.12.2023, bem como sobre o aproveitamento do ICMS já recolhido sobre estoques sujeitos a substituição tributária.
Com relação ao ITCMD, tratado dos artigos 163 a 193, vale destacar principalmente a regulamentação das novas disposições constitucionais pertinentes a doações ou heranças envolvendo ativos ou partes localizados fora do território nacional, atribuindo-se competência: (1) ao estado ou Distrito Federal da situação dos imóveis, quando o de cujus ou o doador tiver domicílio no exterior; (2) ao estado ou Distrito Federal do domicílio do de cujus ou do doador domiciliado no Brasil, sendo o bem imóvel situado no exterior; ou (3) ao estado ou Distrito Federal do domicílio do sucessor ou donatário, quando o bem imóvel e também o de cujus ou doador estiverem no exterior. Em se tratando de fato gerador envolvendo bens móveis (incluindo títulos, créditos e outros direitos e bens incorpóreos), a competência será: (1) no caso de transmissão causa mortis, do estado ou Distrito Federal onde era domiciliado o de cujus ou, se domiciliado no exterior, do Estado ou Distrito Federal de domicílio do sucessor; (2) na transmissão por doação, do estado ou Distrito Federal de domicílio do doador ou, se este for domiciliado no exterior, do estado ou Distrito de domicílio do donatário; ou, finalmente, (3) em caso de transmitente e recebedor no exterior, do estado ou Distrito Federal onde se localizarem os bens situados no Brasil.
Por fim, excluiu-se do texto original do projeto a regra que pretendia qualificar como doação “o ato de que resulte excesso de meação ou de quinhão, assim caracterizada a divisão de patrimônio comum, na partilha ou na adjudicação, em que for atribuído a um dos cônjuges, a um dos companheiros, ou a qualquer herdeiro, patrimônio superior à fração ideal a qual fazem jus, conforme determinado pela lei civil”. Foram mantidas, de outro lado, as previsões de incidência do ITCMD quando se estiver diante de “perdão de dívida por liberalidade e sem justificativa negocial passível de comprovação” e da “transmissão declarada como onerosa para pessoa que não comprove capacidade financeira para sua aquisição”.
Emendas ao PLP 68
Até o último dia 7, o PLP 68 recebeu mais de mil e quinhentas propostas de emenda apresentadas perante a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, abrangendo mudanças das mais variadas no texto aprovado pela Câmara, especialmente a inclusão de novos produtos e serviços nas listas de itens sujeitos a regimes diferenciados e mais brandos de incidência do IBS e da CBS. Dentre eles: planos de assistência à saúde de animais domésticos e serviços veterinários e de zootecnistas; serviços de saúde a domicílio; serviços de saneamento de água e esgoto; agências de turismo; serviços funerários e planos de assistência funerária; prestação de serviços de condicionamento físico; atividades desportivas e de apoio ao desporte e a recreação desportiva; serviços de tratamento de beleza, bem-estar físico e terapias complementares; fornecimento e locação de bicicletas; lentes de contato e para óculos; protetores solares e desodorantes; diferentes tipos de insumos agropecuários; serviços em nuvem prestados por sociedade de tecnologia com sócio brasileiro; serviços de anúncios que viabilizem acesso à informação de forma livre e gratuita; serviços de reservas de ingressos para eventos de entretenimento e recreativos; serviços de projeção de filmes; serviços de tecnologia da informação; rações para animais, concentrados, suplementos, aditivos, premix ou núcleo, inclusive alimentos para animais domésticos; ampliação de produtos integrantes da cesta básica nacional; e prestação de serviços com utilização intensiva de mão-de-obra.
Propõem-se também alterações para se incluir regime específico de tributação para os fabricantes de ônibus, diferindo o pagamento do IBS e da CBS sobre os insumos utilizados nesse tipo de industrialização, para cobrá-los apenas quando da venda do produto final.
Tentam-se criar hipóteses especiais de outorga de créditos presumidos de IBS e CBS, como nos casos de: serviços de transferência de conhecimento, tecnologia e know-how em contratos de franquia, licenciamento de marca ou de ativos intangíveis; e reutilização de pneus usados. Além disso, há propostas de emendas que almejam a instituição de tratamentos especiais de tributação para as atividades de incorporação imobiliária e de loteamento, dentre outros.
Pretende-se alterar o PLP 68 para tratar como exportação, sujeita à não incidência do IBS e da CBS: o fornecimento de combustível a aeronaves e embarcações com destino ao exterior; a movimentação, a armazenagem, a logística e outros serviços relativos à carga exportada, quando contratada por residente ou domiciliado no exterior; bem como todo e qualquer fornecimento cujo pagamento represente o ingresso de divisas; o transporte aéreo internacional de cargas e passageiros, por empresa de aviação comercial; produtos destinados ao uso ou consumo de bordo, em embarcações ou aeronaves que operem exclusivamente em tráfego internacional com destino ao exterior; e serviços de hotelaria, parques de diversão, parques temáticos e fornecimento de alimentação e bebidas a estrangeiro que comprove essa condição. Há ainda propostas para a criação de regime aduaneiro especial de suspensão do IBS e da CBS na venda de mercadorias para empresas preponderantemente exportadoras.
Há propostas de emenda que buscam ainda dar maior clareza (e ampliar) os diferenciais competitivos que a Emenda Constitucional nº 132/2023 buscou garantir para operações com biocombustíveis e hidrogênio de baixa emissão de carbono. No que diz respeito ao fornecimento de energia elétrica, existe proposta para tornar diferida a incidência do IBS e da CBS até o fornecimento ao consumidor final ou contribuinte não sujeito ao regime regular de tributação.
Também se propõe atribuir créditos de IBS e CBS para as despesas com contribuições para a previdência complementar pagas em favor de funcionários e despesas com a contratação de empregados e profissionais autônomos, além de se ampliar de cinco para dez anos o prazo do direito de utilização de créditos advindos da não-cumulatividade dos dois tributos. Há emenda cujo objetivo, ainda, é excluir em absoluto a imposição de prazo para o aproveitamento de créditos de IBS/CBS.
Há uma interessante proposta, ainda, de regra que previne a instituição de obrigações acessórias excessivamente onerosas com relação ao IBS e à CBS, obrigando que haja a prévia: (1) demonstração da impossibilidade de obtenção dos mesmos dados e informações via aproveitamento, compartilhamento ou processamento de informações já disponíveis; e (2) consulta ao Conselho Federal de Contabilidade e às entidades representativas dos setores econômicos afetados.
Existem ajustes propostos para o imposto seletivo, compreendendo a inclusão de bebidas adoçadas no seu campo de incidência, itens de plástico descartável e de uso único, alimentos ultraprocessados (bolachas, biscoitos, panificados doces, embutidos e guloseimas), agrotóxicos e armas e munições (exceto quando fornecidas ao poder público). De outro lado, a exclusão dos jogos de “fantasy sports”, das bebidas alcóolicas, dos minerais críticos, essenciais ou estratégicos para o país, incluindo o carvão mineral, dos concursos de prognósticos explorados por lotéricas e das aeronaves de uso agrícola.
Por fim, embora não seja esse o objeto do PLP 68, há emendas pendentes de análise, apresentadas no Senado, que pretendem inserir norma expressa de não incidência do ITCMD sobre a transmissão de qualquer tipo de aporte financeiro em razão de plano gerador de benefício livre (PGBL) ou plano de vida gerador de benefício livre (VGBL), medida essa importante para que não haja futuros questionamentos em torno do tema.
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