Medida protetiva da Lei Maria da Penha não depende de inquérito, nem tem prazo fixo, decide STJ
16 de novembro de 2024, 9h52
As medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) podem existir sem a necessidade de boletim de ocorrência, inquérito criminal ou ação penal. E elas não têm duração certa: devem persistir enquanto a situação de perigo durar e só podem ser revogadas após a oitiva da vítima.
Essa conclusão é da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que fixou tese sob o rito dos repetitivos. O julgamento, por maioria de votos, foi encerrado na última quarta-feira (13/11).
Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, o tema já vinha sendo amadurecido nas turmas criminais do STJ. E é de alto impacto: a ministra Daniela Teixeira citou dados do Atlas da Segurança Pública 2024 segundo o qual houve o crescimento do uso dessas protetivas.
Em 2023, 540,2 mil mulheres conseguiram medidas de urgência para evitar a aproximação de agressores. “Esse talvez seja o processo que a 3ª Seção está julgando que mais afeta as vítimas, não os réus”, disse a ministra.
O caso gerou algumas divergências relevantes. A posição vencedora foi a do ministro Rogerio Schietti, pelo placar de 5 a 2, e foram aprovadas quatro teses:
1) As medidas protetivas de urgência têm natureza jurídica de tutela inibitória e sua vigência não se subordina à existência atual ou vindoura de boletim de ocorrência, inquérito policial, processo cível ou criminal;
2) A duração das medidas protetivas de urgência vincula-se à persistência da situação de risco à mulher, razão pela qual deve ser fixada por prazo temporalmente indeterminado;
3) Eventual reconhecimento de causa de extinção de punibilidade, arquivamento do inquérito ou absolvição do acusado não origina necessariamente a extinção da medida protetiva de urgência, máxime pela possibilidade de persistência da situação de risco ensejadora da concessão da medida;
4) Não se submetem a prazo obrigatório de revisão periódica, mas devem ser reavaliadas pelo magistrado, de ofício ou a pedido do interessado, quando constatado concretamente o esvaziamento da situação de risco. A revogação deve ser sempre precedida de contraditório, com as oitivas da vítima e do suposto agressor. A vítima deve ser intimada com a decisão do juiz.
Protetiva independente
A principal divergência no caso foi quanto à possibilidade de as medidas protetivas de urgência existirem sem qualquer vinculação a um procedimento real em andamento ou em vias de ser aberto. E isso diz respeito à natureza jurídica delas.
Para o ministro Joel Ilan Paciornik, relator dos recursos, a protetiva prevista no artigo 22 da Lei Maria da Penha tem natureza cautelar. Assim, sua existência depende desses procedimentos.
Para ele, elas deveriam ser revogadas na hipótese de absolvição, extinção da punibilidade, extinção da pena ou arquivamento do inquérito policial, desde que não fosse verificado qualquer fato superveniente que recomendasse sua manutenção.
Já a medida de urgência prevista no artigo 19 é considerada pré-cautelar, na opinião do relator. Ela poderia ser deferida sem inquérito ou ação penal em andamento, mas só duraria por período limitado.
O prazo seria o decadencial de seis meses nos casos de ação penal privada ou ação penal pública condicionada à representação, ou o prazo prescricional da pena em abstrato, no caso da ação penal pública incondicionada.
Em todos os casos, o relator propôs que a revogação só fosse feita após a oitiva da vítima. Apenas o ministro Messod Azulay acompanhou esse entendimento, ao definir como contrassenso a manutenção indefinida das cautelares.
“Não consigo entender como alguém possa ter sido inocentado e ao mesmo tempo tenha contra si uma medida cautelar, seja ela qual for, para não se aproximar de alguém e por prazo indeterminado”, criticou ele.
Voto vencedor
A corrente vencedora foi inaugurada pelo ministro Rogerio Schietti e acompanhada pela ministra Daniela Teixeira, pelos ministros Sebastião Reis Júnior e Reynaldo Soares da Fonseca e pelo desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo.
Para eles, foi uma opção do legislador, ao alterar a Lei Maria de Penha, não subordinar as cautelares a procedimentos principais, nem correlacionar sua duração ao resultado desses processos.
Isso porque a eventual absolvição do réu ou o arquivamento do inquérito não necessariamente representam o fim do risco que corre a mulher alvo de violência doméstica. Esse é o parâmetro que deve embasar a duração e revogação da medida.
“Para evitar a perenização das medidas, a pessoa interessada, quando entender não mais ser pertinente a tutela, poderá provocar o juízo a se manifestar. E ele, ouvindo a vítima, decidirá acerca da manutenção ou extinção”, disse o ministro Schietti.
Para o ministro Sebastião, isso não significa a eternização da protetiva. “Estamos decidindo aqui a necessidade de ela ser reavaliada com o contraditório. Se o juiz entender que não é caso de perdurar, ela vai ser extinta e pronto. Não é duração automática ad eternum.”
REsp 2.070.717
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