Opinião

Princípio da competitividade na nomeação da administração judicial nos feitos recuperacionais

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  • é advogado associado do Grupo ERS graduado em Direito pela UFMT e em Comércio Exterior pela Uniasselvi especialista em Direito Empresarial com foco em reestruturação empresarial e agronegócio e membro da Comissão de Recuperação Judicial e Falências da OAB-MT.

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15 de novembro de 2024, 11h19

É certo que o administrador judicial exerce importante papel de auxiliar da justiça nos processos de recuperação judicial, servindo como fonte confiável na fiscalização das atividades do devedor, do cumprimento do plano de recuperação judicial, sempre atuando com transparência, representando função administrativa, controlada, por óbvio, pelo juízo.

Neste sentido, o legislador estabeleceu no artigo 21 da LRF que “o administrador judicial será profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada”.

Assim sendo, ainda consubstanciando na Lei de Recuperação Judicial e Falência, na oportunidade de proferimento da decisão de deferimento de processamento da recuperação judicial, há a previsão legal de se realizar a nomeação do auxiliar do juízo, respeitando o seu caráter previsto no artigo previamente mencionado, senão vejamos:

“[…] Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato:

I – nomeará o administrador judicial, observado o disposto no art. 21 desta Lei;”

Neste espeque, considerando a importância da padronização dos critérios para formação de cadastros dessa natureza e para dar maior transparência às nomeações, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução de nº 393/2021, em que fora determinada aos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal a criação de Cadastro de Administradores Judiciais destinado a orientar os magistrados na escolha dos profissionais de que trata o artigo 21 da LRF.

Nesta toada, convém ressaltar que a nomeação de uma administração judicial deve ser realizada através da ótica da Análise Econômica do Direito, diante de uma insolvência empresarial.

Nestas linhas, a professora Samantha Longo expõe que a atuação do administrador judicial deve tornar o processo recuperacional menos oneroso, traduzindo a Análise Econômica nos processos de insolvência da seguinte forma:

“na perspectiva da Análise Econômica do Direito, o sistema de insolvência será mais eficiente sempre que resultar em redução dos custos de transação, aumento do ganho social, diminuição da assimetria de informações, redução da litigiosidade, […] melhoria da segurança jurídica […]” [1].

Competitividade e edital para seleção

Refere-se aqui, certamente, também aos custos relativos à remuneração do labor deste auxiliar do juízo, diante de suas funções transversais no feito de soerguimento, uma vez que, a depender da proposta de honorários oferecida, pode prejudicar até mesmo os valores disponíveis para pagamento da dívida concursal.

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Nesta senda, coadunando-se com o artigo 24 da LRF e, por respeito aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, o desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, do eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, realizou o memorável destaque de que a nomeação para desempenhar o papel da administração judicial não pode ter o efeito de um prêmio de loteria, veja-se:

“Ressalte-se que a nomeação de determinado profissional como Administrador Judicial não pode ter o efeito de um prêmio lotérico para um exclusivo ganhador. A remuneração do Administrador Judicial tem que observar o postulado da proporcionalidade e da razoabilidade [2].

Dessa forma, é essencial também fixar os honorários do administrador judicial em parcelas que dão à atividade em recuperação judicial a efetiva possibilidade de soerguer sem implicar em ônus excessivo aos recuperandos.

Destarte, cumpre destacar a inovação trazida pelo juízo da 2ª Vara Cível e Empresarial de Paragominas (PA), que, diante de uma recuperação judicial com passivo concursal de aproximados R$ 700 milhões de reais, determinou a edital para seleção de profissionais interessados na prestação de serviços como administrador judicial, in verbis:

“[…] 2.3. Publique-se edital para seleção de profissionais (pessoas físicas ou jurídicas) interessados na prestação de serviços de Administrador Judicial nos processos judiciais no âmbito deste juízo, o qual deverá conter obrigatoriamente a exigibilidade de apresentação de curriculum vitae, e indicação de processos de recuperação judicial e falência em que tenha sido nomeado(a), nos 2 (dois) anos anteriores ao pedido de cadastramento, devendo informar a comarca, o número do processo e o nome do(a) magistrado(a) que promoveu a nomeação, bem como indicar os casos em que tenha deixado de exercer a função e o respectivo motivo, proposta de honorários (para esta demanda) e a obrigatoriedade de apresentação desses documentos, nos autos do processo de recuperação judicial, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, contados a partir da publicação do referido edital.”

Realizada tal determinação, fato é que houve a apresentação de diversas propostas de honorários por inúmeros profissionais capacitados e com muita expertise no âmbito da recuperação judicial para que o juízo analisasse qual opção se adequaria ao caso em tela.

Neste caso em específico, este ato resultou numa maior gama de possibilidades para o juízo nomear um profissional equipado, reduzindo o ônus financeiro para a empresa recuperanda, celebrando, principalmente, o princípio da competitividade e do livre comércio.

Sob este prisma, importa realizar um paralelo com a licitação realizada para a contratação de serviços pela administração pública. Isto porque, a Lei nº 14.133/2021 (Lei de Licitações) estabelece, sobretudo, a necessidade de se assegurar a competitividade e a escolha da proposta mais vantajosas das empresas privadas para realização do serviço público, como se vê:

“Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).” [grifos do articulista].

Ainda, em diversos dispositivos legais, o legislador prevê a condição de vedação ao comprometimento, restrição ou frustração dos processos licitatórios. Tais repetitivas previsões possuem o único objetivo: garantir que as melhores condições sejam apresentadas para a administração pública.

Spacca

Desta forma, a competitividade deve buscar estimular a participação de um número significativo de empresas interessadas, garantindo preços justos e condições favoráveis para o órgão público contratante.

É fundamental considerar que a lógica do mercado, aplicada ao âmbito dos processos recuperacionais, ao promover a seleção do administrador judicial via concorrência beneficia diretamente o devedor, os credores e o próprio sistema econômico, considerando que

(1) estimula a eficiência e qualidade, uma vez que os profissionais sabem que serão avaliados com base em resultados, custos e experiência, o que incentiva um esforço maior para entregar um trabalho bem feito, dentro dos prazos estabelecidos pela lei e das expectativas dos credores e do devedor;

(2) consequentemente, haverá uma redução de custos, tendo em vista que, havendo esse estímulo à competitividade, os profissionais ajustariam suas tarifas para se tornarem mais atrativos, sem sacrificar a qualidade, sendo um benefício direto para o devedor, que enfrenta uma situação financeira delicada, e também para os credores, que têm interesse em uma recuperação rápida e eficiente, com o mínimo de custo;

(3) acarreta em um sistema mais transparente para todos os players, que poderão verificar as propostas orçamentárias e o currículo dos profissionais interessados na nomeação para prestação dos serviços;

(4) incentiva a maior qualificação dos administradores judiciais, encorajando a busca por constante atualização e aprimoramento profissional, resultando em maior capacidade técnica, familiarizados com as melhores práticas e as mais recentes mudanças regulatórias e econômicas.

Em síntese, a aplicação da livre concorrência na escolha do administrador judicial, não só alinha o processo com princípios econômicos saudáveis, mas também beneficia todos os envolvidos, desde o devedor até os credores, promovendo um processo de recuperação mais eficiente, transparente e justo.

Em realidade, incontestavelmente, essa nova abordagem trazida pelo ilustríssimo Juízo da 2ª Vara Cível e Empresarial de Paragominas respeita a lógica de mercado e contribui para um sistema de recuperação judicial mais sustentável e benéfico para o ambiente econômico como um todo, que deve ser replicada para os demais juízos recuperacionais.

 


[1] LONGO, Samantha Mendes. As recomendações do Conselho Nacional de Justiça em matéria de Recuperação Judicial e Falências. In: SALOMÃO, Luis Felipe; TARTUCE, Flávio; COSTA, Daniel Carnio (Coords.) Recuperação de Empresas e Falência: diálogos entre doutrina e jurisprudência. 1ª Edição. Barueri: Atlas, 2021. p. 42.

[2] Agravo de Instrumento n. 994.09.273351-1, Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais, J. 31.1.2007.

Autores

  • é advogado associado do Grupo ERS, graduado em Direito pela UFMT e em Comércio Exterior pela Uniasselvi, especialista em Direito do Agronegócio e atualmente cursando o MBA em Agronegócio pela USP, atuante na seara do Direito Empresarial com foco em reestruturação empresarial e agronegócio e membro da Comissão de Recuperação Judicial e Falências da OAB-MT.

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